O modus operandi da Desistência (waivers, no original) não é tão complicado, afinal.
Quando um jogador começa a temporada na Europa e, no meio da campanha, é contratado por uma equipe da NHL, ele precisa ser colocado na Desistência antes de oficialmente se apresentar ao seu novo time. Nesse período de 24 horas (ou 48 horas, se nos finais de semana), qualquer outra equipe pode requisitar o jogador, fazendo com que sua rota seja modificada. Ele está disposto a atuar pelo time A, mas acaba no time B, onde nunca imaginou que jogaria.
A origem da Desistência está ligada ao defensor finlandês Reijo Ruotsalainen, que frequentemente gangorrava entre a Europa e a NHL nos anos 1980. Em 1987, ele chegou a tempo de ser campeão da Copa Stanley com o Edmonton Oilers.
A Desistência existe para promover o equilíbrio da liga, algo que o teto salarial e o limite de jogadores por elenco não conseguiriam sozinhos. Ela evita que um time acumule talentos nas ligas menores por impedir que os jogadores sejam convocados e rebaixados para o time principal sem qualquer risco. A partir de determinada idade e número de jogos, todo jogador está exposto ao risco de ser requisitado por outro time através da Desistência, durante um desses processos de subir ou descer o atleta entre NHL e AHL.
Assim, as gerências precisam planejar seus elencos de modo a reduzir o risco de perder jogadores a troco de nada.
Recentemente, o St. Louis Blues, procurando reforçar seu anêmico ataque — com 124 gols marcados, é o quarto pior da Conferência Oeste —,
contratou dois jogadores que atuaram na KHL, mas perdeu ambos na Desistência.
No fim de dezembro, os Blues assinaram um contrato de um ano com Marek Svatos, ex-jogador do Colorado Avalanche. No dia seguinte, o Nashville Predators requisitou o jogador via Desistência. O atacante de 28 anos apareceu na temporada 2005-06, quando marcou 32 gols. Desde então, nunca mais repetiu tal performance, não alcançando os 40 pontos em nenhuma das quatro campanhas seguintes. Ao fim de 2009-10, os Avs decidiram não renovar o seu contrato e Svatos se mandou para a Rússia. Em sete jogos com os Predators, o atacante marcou um gol e três pontos.
Nessa semana, os Blues adotaram o plano B, contratando Kyle Wellwood, que rescindira seu contrato na Rússia para retornar à América. No dia seguinte, o San Jose Sharks fez valer o seu direito de "roubar" o jogador via Desistência. Wellwood, atacante de 27 anos, disputou seis temporadas na NHL, entre Toronto Maple Leafs e Vancouver Canucks, antes de sua curta passagem pela KHL. Sua melhor temporada foi a de 2006-07, quando somou 42 pontos em 48 jogos. De lá pra cá,
não alcançou sequer 30 pontos. Wellwood disputou apenas uma partida com os Sharks até então.
Os Blues
obviamente ficaram frustrados por perder dois jogadores na Desistência, mas essas são as regras. Svatos e Wellwood poderiam ter sido contratados por qualquer equipe da NHL, mas apenas quando os Blues se mexeram outros times decidiram interferir, e justamente Predators e Sharks, dois rivais na luta por uma vaga nos playoffs. O St. Louis só não pode usar os episódios como desculpa para o fracasso, porque os atacantes em questão são muito abaixo da média e somente retornaram à NHL por terem fracassado na Rússia.
Na sexta-feira, depois de várias horas de especulação, o Detroit Red Wings confirmou a contratação de Evgeni Nabokov, goleiro de 35 anos que disputou as últimas dez temporadas pelos Sharks, antes de desistir de um contrato milionário na KHL poucos meses depois de assiná-lo.
Os Wings ofereceram a Nabokov um contrato de um ano, no valor de US$ 570 mil, pouco acima do salário mínimo da liga. Por ter atuado na Europa nesta temporada, Nabokov tem que passar pela Desistência antes de se apresentar ao Detroit. Ou seja, depois do meio-dia de sábado, no horário da costa leste dos EUA, ele pode ser propriedade de qualquer outra equipe da liga.
Para diminuir o risco, seu empresário declarou que Nabokov pretende ser o goleiro titular de um time que vá disputar a Copa Stanley. Os Red Wings se encaixam nesse perfil, assim como uma meia-dúzia de outros times. Para a grande maioria da liga, no entanto, contar com Nabokov é um sonho distante, porque o goleiro pode se recusar a jogar pelo time que requisitá-lo.
Se até Svatos e Wellwood não passaram pela Desistência, não seria o goleiro mais vitorioso das últimas três temporadas (131 vitórias em 210 jogos) a escapar ileso. Muita gente especulou que a demora dos Red Wings para confirmar a contratação de Nabokov serviria para costurar acordos com outras equipes, mas na verdade isso não existe na NHL. Também foi dito que o acordo era apenas com o New Jersey Devils, o primeiro na ordem da Desistência, que requisitaria o goleiro e imediatamente o negociaria com o Detroit. Isso também não é possível, porque para ser trocado, Nabokov precisaria passar novamente pela Desistência. Além disso, ele tem uma cláusula para vetar trocas em seu contrato.
Pode ser verdade que o Detroit apenas contratou Nabokov como um favor para o jogador e seu empresário, devido ao bom relacionamento entre as partes, para acelerar o processo de seu retorno à NHL. Se antes o goleiro aguardava propostas, agora é certo que ele terá um destino. Porque não é possível que alguém tenha pensado que os outros 29 times permitiriam que um goleiro desse nível fosse contratado por um dos maiores favoritos ao título. É obrigação dos rivais diretos impedir que isso aconteça, mesmo que Nabokov se recuse a jogar por outro time.
Também na sexta-feira, o Avalanche anunciou que abriu as portas para o retorno de Peter Forsberg.
O atacante sueco de 37 anos não atua na NHL desde 2007-08, quando disputou nove jogos pelos Avs. Desde então, tentou inúmeras vezes retornar ao hóquei, tendo breves passagens pelo MoDo Hockey na Suécia, mas seus problemas crônicos sempre o impediram de prosseguir no esporte.
Forsberg é o Sidney Crosby de sua geração. Foi o maior jogador da NHL no período entre 1994-95 e 2003-04. Seu novo retorno seria um presente para os torcedores dos Avs e para todos os fãs de hóquei, até mesmo para os que odiavam Forsberg em seu auge.
Por não ter jogado na Europa nesta temporada, o atacante não terá que passar pela Desistência caso assine contrato com o Avalanche. Tamanha a sua persistência e vontade de jogar hóquei, desistência é uma palavra que não existe no dicionário de Forsberg.
Humberto Fernandes está estudando o mercado de ações.