O sucesso do Detroit Red Wings na segunda metade da década de 1990 e começo do século XXI pode ser traduzido através dos números: três Copas Stanley, seis finais de conferência, cinco Troféus dos Presidentes.
O time de hóquei era o orgulho da cidade e sua supremacia dentro do gelo se refletia todas as noites na Joe Louis Arena, onde os Red Wings se acostumaram a encontrar casa cheia em seus dias de trabalho.
Essa combinação de sucesso validou o apelido de Hockeytown (cidade do hóquei) para Detroit, criado por volta de 1996 pelo departamento de marketing da franquia. Desde então a própria Joe Louis Arena se confunde com Hockeytown, marca estampada no centro do gelo.
É uma bela história esportiva, recheada de vitórias, títulos, fantasia e muito marketing, mas que está cada vez mais vinculada ao passado.
Na última quarta-feira, na abertura da temporada, cinco longos meses depois da última vez que tacos e discos dominaram o cenário em Detroit, os Wings receberam o Anaheim Ducks, atual campeão da Copa Stanley e algoz da campanha anterior. Razões não faltavam para os torcedores comparecerem ao evento. A principal delas, óbvio, era o retorno do time do coração. Em outros tempos, não haveria ingressos disponíveis semanas antes do jogo.
Mas o cenário era pessimista: nos playoffs, em nenhum dos nove jogos disputados em Detroit os Red Wings experimentaram casa cheia, pulverizando a sequência de 452 jogos consecutivos com lotação máxima em Hockeytown, considerando temporada regular e playoffs.
A situação não melhorou de maio a outubro, pondo fim à sequência de 396 jogos consecutivos de temporada regular onde todos os ingressos foram vendidos. Segundo o registro da NHL, o público presente na Joe Louis Arena para apreciar a estréia do time era de 17.610 torcedores, pouco mais de 87% da capacidade máxima de 20.066. No jogo seguinte em casa, contra o Edmonton Oilers, "apenas" 16.913.
Há várias razões para que os Red Wings não vendam mais todos os ingressos e sua arena perca a pose de local mais inóspito para times visitantes.
A imprensa local habitualmente atira contra a crise econômica sofrida pelo estado de Michigan. Mas a economia não ruiu nos últimos meses, a crise já existia no ano passado, um ano antes e no ano anterior àquele, quando os ingressos ainda eram rigorosamente vendidos.
De fato a economia local prejudica as vendas, mas os Red Wings nada fizeram para contornar o problema. Mesmo com fiascos seguidos nos playoffs entre 2003 e 2006, a organização não alterou sua política de preço de venda dos ingressos. Somente para esta temporada, talvez se dando conta de que não são mais o time a ser batido e sim mais um competidor, os Wings reduziram o preço das entradas para um dos setores da arena. Curiosamente, não são os ingressos mais baratos e nem os mais caros que encalham nas bilheterias, mas aqueles destinados à classe média.
Se nem a abertura da temporada contra os campeões seduziu os torcedores, talvez nada mais o faça. O Detroit nunca vendeu ingressos baseado em seu adversário, o próprio time fazia o seu papel. Os fãs pagavam qualquer preço para ver os jogos. Com duas temporadas consecutivas vencendo 50 ou mais jogos e uma final de conferência, os ingressos deveriam ser vendidos baseado no sucesso da equipe, mas esse tempo acabou em maio.
Outro motivo apontado pelos especialistas para a falta de torcedores é o sucesso recente dos outros times da cidade, embora nenhum deles tenha em sua história a década de vitórias que os Red Wings têm. Os Tigers, da liga de beisebol, foram vice-campeões em 2006, no retorno da equipe aos playoffs, após 19 anos de ausência. Este ano repetiram a boa campanha, porém não se classificaram. Os Lions, da liga de futebol americano, não registram uma temporada com aproveitamento acima de 50% há sete anos, mas os torcedores não arredam o pé de seu campo. E o outro time, da outra liga — que não será citada por questão de educação —, foi campeão em 2004, vice-campeão em 2005 e finalista de conferência nos últimos cinco anos.
Conclusão: os fãs de esportes têm outras opções esportivas além dos Wings.
Entre tantas outras justificativas para o problema, a mais ridícula condena o elenco atual da equipe, considerado "fraco" demais (no sentido de força física). É uma implicância contra o predomínio de jogadores europeus, principalmente suecos. Em anos anteriores os Red Wings foram dominados pelos russos e nem por isso os ingressos encalhavam como agora. Naquele tempo havia um ou outro intimidador, como o ídolo Darren McCarty, mas é certo que na escala de empenho e dedicação os suecos estão muito acima dos russos, contrariando a idéia.
A falta de um herói como Steve Yzerman e a ausência de grandes craques afeta os fãs, mas há novos ídolos para se acompanhar em Detroit, como Henrik Zetterberg e Pavel Datsyuk. É claro que a profundidade do time não é mais a mesma, basta lembrar que em 2002 Luc Robitaille e Igor Larionov ocupavam a quarta linha de ataque. Porém todas as equipes da liga estão sujeitas ao teto salarial e os Wings se mostraram extremamente competitivos dentro deste cenário.
O problema da venda de ingressos em Detroit servirá como alerta para a NHL, que tem sua parcela de culpa nesta crise. O jogo não está na televisão como os jogadores gostariam. E viajar para a Inglaterra não ajuda em nada.
A gerência ainda não reagiu, mas o jogo não está perdido. Os Red Wings terão que aprender a reconquistar a simpatia e confiança dos fãs. A falta de torcida está ligada muito mais aos problemas econômicos e à decepção com a organização que com os jogadores. Mas, no fim das contas, é da natureza humana a dificuldade de permanecer no auge como forma de entretenimento popular por tanto tempo, como um seriado de TV.
Os fãs ligeiramente se afastam enquanto Hockeytown agoniza. É o fim de uma marca.