Como já dizia o genial Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. Mas no hóquei russo existem três exceções para essa máxima: Vladislav Tretiak, tido por muitos como o maior goleiro da história do esporte; Anatoly Tarasov, ex-treinador que, por suas inovações, ficou conhecido como o pai do hóquei soviético; e por último Valery Kharlamov, recentemente introduzido no Hall da Fama do Hóquei (HHOF - Hockey Hall of Fame, no original). É sobre esse último que escrevo.

Ser considerado uma unanimidade no oceano de craques já produzidos pela escola russa por si só já mostra a grandeza de Kharlamov. Mesmo assim demorou mais de duas décadas desde sua morte para que o HHOF incluísse Valery entre seus homenageados. Que o HHOF costuma não enxergar muito bem o que acontece longe das arenas norte-americanas não é novidade alguma. Para se ter uma idéia, apenas quatro russos — já contando com Kharlamov — estão no Hall. Muito pouco para uma nação com oito medalhas de ouro olímpicas.

Mesmo com essa demora, os fãs do hóquei russo, e em especial os que acompanharam de perto a trajetória do asa esquerdo, não ocultaram a felicidade com o fato. E a TheSlot.com.br também não poderia deixar de prestar tributo a um dos expoentes máximos da mais técnica escola de hóquei do planeta.

O moscovita Valery Borisovich Kharlamov combinava velocidade e controle do disco jamais vistos em sua era. Imprevisível e criativo, não é de se admirar que fazia parte da principal linha — ou troika, como os russos gostam de chamar — soviética nas décadas de 60 e 70. Uma das forças do hóquei daquela parte do mundo estava no entendimento entre os companheiros de linha, no caso a de Kharlamov contava ainda com o central Vladimir Petrov e o asa direito Boris Mikhailov. Juntos atuaram em 207 partidas internacionais, marca superior até mesmo à da famosa linha KLM — Krutov, Larionov e Makarov — que jogaram 181 vezes juntos pela seleção soviética.

Individualmente foi o quinto jogador que mais vezes vestiu o famoso uniforme vermelho (292 jogos), terceiro que mais marcou gols (193) e provavelmente foi o que mais assistências deu (essa estatística infelizmente não era computada nas competições européias naqueles tempos).

No período em que defendeu a equipe do exército vermelho, Valery participou de três Jogos Olímpicos e venceu em 1972 — Sapporo, Japão — e em 1976 — Innsbruck, Áustria. O terceiro ouro escapou em 1980 no episódio conhecido como "milagre no gelo", quando foram derrotados pelos colegiais norte-americanos. Conquistou também oito campeonatos mundiais nos 11 que disputou.

Mas o torneio que "mostrou" Kharlamov ao mundo foi a "Summit Series" de 1972. Para quem nunca leu a respeito dessa série de jogos que mudou o mapa do hóquei, é só dar uma conferida na edição 86 da sua TheSlot.com.br. Basicamente no início dos anos 70 os canadenses ainda cultivavam o mito que eram imbatíveis no hóquei. Os profissionais do país não encontrariam em qualquer lugar do mundo um rival à altura. Até que chegaram os soviéticos a Montreal para o primeiro de oito jogos entre eles.

Os 19 mil presentes ao Fórum esperavam um massacre dos profissionais canadenses contra os amadores soviéticos e realmente começou assim, com os locais abrindo 2-0 logo nos sete minutos iniciais da partida. Bem, o confronto terminou em 7-3 para os "inimigos" soviéticos. O destaque do jogo? Um atacante franzino com movimentos assombrosos. Valery Kharlamov marcou duas vezes e demoliu o ego dos antes invencíveis canadenses. Foi eleito o mais valioso jogador da partida. Após aquela noite tudo mudaria, inclusive a marcação sobre ele.

Cada vez mais dura e mesmo assim sem efeito diante do arsenal de jogadas de Kharlamov, o jeito foi apelar para a violência em seu estado mais puro (?). Na sexta partida, quando os soviéticos tinham a série nas mãos — três vitórias contra um empate e uma derrota — o selecionado canadense entrou para aniquilar o astro russo da série. Bobby Clarke foi o "encarregado" e com um dos mais sujos lances da história do hóquei, mirou apenas o tornozelo de Valery Kharlamov. Mesmo contundido o asa esquerdo soviético continuou no sacrifício, mas, agravada a situação, não participou do sétimo jogo e foi figura nula na oitava e decisiva partida.

Clarke — atual gerente geral dos Flyers — até hoje se irrita quando lhe perguntam sobre o lance. O fato é que foi uma ação deliberada, como muitos dos jogadores canadenses confessaram depois. Um lance que mudou o rumo da série, mas que não mudou o fato que os canadenses não mais reinavam sozinhos no planeta hóquei. Em 1974 foram organizados outros duelos entre canadenses e soviéticos. Dessa vez com atletas da extinta WHA representando o Canadá. Novamente um atleta foi "escalado" para tirar Kharlamov dos jogos, e o defensor Rick Ley foi o vilão. Apesar das pancadas, em 40 partidas contra equipes ou seleções profissionais norte-americanas, Kharlamov teve uma média de 1,2 pontos por jogo (19 gols). Kharlamov só defendeu um clube na vida, o CSKA de Moscou — time do exército russo — onde também colecionou títulos.

Em 1976 sofreu um grave acidente automobilístico que o tirou da primeira edição da Canadá Cup. Sem ele a URSS ficou em terceiro lugar. Em 1981 o ditador — e treinador nas horas vagas — Viktor Tikhonov não o convocou para a segunda edição do torneio. No mesmo ano novamente um acidente automobilístico grave na vida de Kharlamov, dessa vez fatal, quando ele tinha apenas 33 anos de idade. A esposa dele, Irina, guiava um Lada (concedido pelo governo) na noite de 27 de agosto, quando o carro derrapou na auto-estrada que liga Moscou a São Petersburgo. Irina também morreu no acidente.

Homenagens, mesmo tardias como essa do HHOF, são válidas, mas o que vale mesmo é ver que o "jogo bonito" defendido por Kharlamov tem seguidores como Ilya Kovalchuk, que usa a camisa n.º 17 dos Thrashers em tributo ao número imortalizado por Kharlamov da seleção soviética. Ilya não era nem nascido quando Valery morreu mas, através de vídeos, documentários e principalmente de depoimentos de adultos maravilhados com o jogo fino de Kharlamov, declarou que o maior orgulho de sua vida foi ter usado a camisa n.º 17 da seleção russa nos jogos olímpicos de 2002.


Eduardo Costa entende que o melhor jogador russo pós-Kharlamov foi Igor Larionov. Alexander Ovechkin tem tudo para ser o melhor pós-Larionov.

EM AÇÃO Kharlamov em ação pelo CSKA de Moscou. Foram incontaveis títulos pelo clube que era a base da seleção soviética nos anos 60 e 70 (Arquivo TheSlot.com.br)
GOLS Marcando contra a Suécia um de seus 193 gols com a camisa da seleção (Arquivo TheSlot.com.br)
 
 
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Página publicada em 16 de novembro de 2005.