Na noite de estréia de Sidney Crosby em Pittsburgh, o comissário da NHL, Gary Bettman, estava lá. Até Christina Aguilera estava no microfone — já é uma evolução, considerando que o melhor que conseguiram para cantar os hinos nacionais nas finais de 2004 foi a filha do ex-lutador de luta livre Hulk Hogan.

E Crosby não dececpcionou: mandou um disco perdido no meio de uma confusão na boca do gol para o meio das redes do Boston e ainda coletou duas assistências. Depois de marcar seu gol, a alegria foi visível. A foto ao lado, com ele patinando de costas em direção ao acrílico das bordas, mostra o que eu não conseguiria descrever em mil palavras. Com esse gol, o goleiro Hannu Toivonen instantaneamente tornou-se a resposta de uma trívia (quem foi o primeiro goleiro a sofrer um gol de Crosby?).

É. E por acaso alguém aí se lembra do placar do jogo? A esta altura, menos de uma semana depois, muita gente, em especial os que torcem contra, ainda lembra e comemora os 7-6 para o Boston na prorrogação, mas daqui a alguns anos, se Crosby realmente vingar como se prevê, é bem capaz que o placar na memória coletiva seja algo como 10-0 para os Penguins. A torcida não saiu feliz da Mellon Arena, mas certamente saiu maravilhada com o que vislumbrou para o futuro.

Poucos minutos depois do jogo, Crosby, com uma voz quase inaudível, declarou que era bom ter marcado seu primeiro gol, mas que a vitória é que era importante, o discurso que repete palavra por palavra o que jogadores da NHL devem dizer. Até os que têm 18 anos e há menos de dez semanas eram recrutados com a primeira escolha do recrutamento.

A adoração das 17.132 pessoas que pagaram para ver a estréia de Crosby em casa contrastou com as boas-vindas que ele recebeu em seu debut em Nova Jersey três noites antes. Enquanto os Devils construíam uma fácil vitória por 5-1, a torcida local fez uma serenata para Crosby com cantos de "superestimado" e "O Parise é melhor", referência ao novato Zach Parise, dos Devils. A provocação não foi inesperada — "Todos os grandes jogadores têm de se acostumar com isso fora de casa", avisou o dono do time, Mario Lemieux, que acumula também o cargo de central da primeira linha —, mas foi injustificada.

Em sua primeira jogada, Crosby disparou a partir do canto e chutou de backhand, mas o goleiro Martin Brodeur desviou com sua proteção de perna. Ele também criou o gol dos Penguins, com um belo passe para Mark Recchi no terceiro período. Em seus 16 minutos no gelo, Crosby pareceu estar bem à vontade

Tentar corresponder a expectativas tão absurdamente altas é uma tarefa difícil e ingrata. Ele pode acabar se tornando o mais importante jogador da NHL nesta temporada sem ser sequer seu melhor novato. Crosby é 23 meses mais novo que outra fabulosa primeira escolha, o russo Alexander Ovechkin, dos Capitals, que marcou duas vezes em sua estréia. Há uma óbvia diferença em termos de maturidade física entre um jogador de 20 anos (Ovechkin foi recrutado em 2004) e alguém que só em agosto fez 18. Essa diferença vai, aos poucos, diminuir, é claro.

Quando perguntado quanto ele imaginava que era o mais alto total de pontos por um jogador de 18 anos desde 1993-94, Crosby chutou: "Cem?" Não, a resposta seria 51, por Alexandre Daigle, em 1993-94, e por Ilya Kovalchuk, em 2001-02. Crosby pode ou não ultrapassar esse total, mas não é com Daigle, que está tentando recuperar uma decepcionante carreira em Minnesota, ou Kovalchuk, que renovou contrato com os Thrashers no sábado passado, que ele será comparado. Os modelos são o excepcional Wayne Gretzky, que há dois anos identificou Crosby como alguém que poderia quebrar seus recordes ofensivos, e Lemieux, que marcou no primeiro chute da primeira jogada de seu primeiro jogo 21 anos atrás. Na segunda jogada de sua carreira, ele já estava correndo atrás do prejuízo.

"Já ouvi 'entre os dez primeiros na artilharia', 'um ponto por jogo' e coisa do tipo para Sid", surpreendeu-se o colega de time Recchi. "Nossa, tudo o que ele tem de fazer é ser um bom jogador num bom time. Ele não tem de levar a gente nas costas."

Ele só está na NHL há pouco mais de uma semana, mas parece que está conosco desde sempre. Num mundo conectado, a torcida não tem mais o pequeno prazer de descobrir gradativamente um novo talento. Crosby foi descoberto anos atrás: sua primeira entrevista para um jornal foi aos sete anos de idade. O jornal The Gloe and Mail, de Toronto, designou uma repórter para cobrir sua carreira durante esta temporada. Ou seja, o jornal canadense de maior influência tem agora sucursais para Pequim, Londres, Moscou, Nova York, Washington — e Crosby. Uma biografia estava prevista para esta semana. Ora, até o Brasil (ou ao menos quem acompanha a TheSlot.com.br) ouviu falar dele em novembro de 2003!

Neste milênio, o único atleta comparável é o jogador de basquete LeBron James, cujo time da escola teve alguns de seus jogos transmitidos para todos os EUA. A média de público do Cleveland Cavaliers deu um salto de 7 mil pessoas por jogo em sua primeira temporada, assim como a presença de Crosby deve garantir pelo menos 5 mil pessoas a mais por jogo em 2005-06, uma bonança para um time que periga deixar a cidade assim que o contrato com a Mellon Arena se encerrar, daqui a menos de dois anos. A diferença é que a chegada de Crosby é muito mais significativa. James entrou em uma liga razoavelmente saudável, com outras grandes estrelas para dividir os holofotes, enquanto Crosby começa em uma liga pós-locaute. Ele não é só uma futura estrela: ele é o próprio futuro.

Crosby pode até nunca chegar ao patamar de Gretzky, mas ele se preparou para a grandeza. Quando Lemieux tinha 18 anos, fumava dois maços por dia. O último novato da NHL a gerar tamanha badalação, Eric Lindros, se sentia desconfortável com tanta atenção. Crosby estava preparado para tudo. Ele começou aos 15 anos, com um personal trainer e com sua primeira aula de como lidar com a mídia. Quando estava nos juniores, chegava ao rinque de terno e gravata. Ele aprendeu francês jogando em Quebec.

Crosby entendeu que o mundo o estava assistindo e abraçou seu destino. "A grandez não é decidida aos 18 anos", disse, na quinta-feira passada. "Você não pode dizer que um jogador é bom até ele ter jogado 10, 15 anos na liga. Grandes jogadores são aqueles consistentes ano após ano, aqueles que ganham campeonatos."

Gretzky precisou de cinco temporadas na NHL para conquistar sua primeira Copa Stanley. Lemieux precisou de sete. Crosby, que ainda vai se tornar mais rápido e melhorar suas técnicas ainda medianas de face-offs, não deve ser julgado por sua habilidade em carregar uma liga nas costas (ou conseguir que Christina Aguilera compareça a um jogo), mas por quanto tempo ele vai levar para adquirir força suficiente para levantar um troféu de prata de 17 quilogramas. .


Alexandre Giesbrecht, publicitário, preferiria não falar dos Penguins pela segunda semana seguida, mas achou que não podia perder a inspiração. E ainda aproveita para dizer que, apesar do que escreveu Eduardo Costa em sua coluna, não tem ascendência suíça, mas alemã.
PRIMEIRA ALEGRIA Sidney Crosby comemora seu primeiro gol na NHL com Ziggy Palffy (Lake Fong/Pittsburgh Post-Gazette - 09/10/2005)
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Página publicada em 13 de outubro de 2005.