Ver um time passar de lanterna da liga a classificado aos playoffs com uma temporada de diferença não é algo incomum.
Acontece a toda hora. Afinal, tirando os eternos perdedores — que na NHL até que não são tão eternos quanto os de outras ligas norte-americanas —, quando se chega o fundo do poço o único lugar que sobra para ir é para cima.
Só que o caso dos Penguins é emblemático, pelo simples motivo que não era para ter acontecido em apenas uma temporada. Depois de recrutar o goleiro Marc-André Fleury com a primeira escolha do recrutamento de 2003 e Evgeni Malkin com a segunda do recrutamento de 2004, além da sólida base de novatos como Ryan Malone e Ryan Whitney se desenvolvendo, parecia óbvio que o time estava no caminho certo para uma lenta recuperação rumo ao topo. Lenta porque, mesmo com o teto salarial, ainda seria difícil atrair agentes livres para Pittsburgh.
Só que essa situação mudou graças a uma bolinha de pingue-pongue marcada com o número 12. No dia 22 de julho de 2005, a sorte sorriu para os Penguins e mudou a aparência do caminho a trilhar: de uma estrada vicinal perdida nos confins do sertão brasileiro, virou uma Autobahn alemã.O sorteio da bolinha de número 12 significou que o time de Pittsburgh teria a primeira escolha do recrutamento de 2005.
Mais do que isso, essa primeira escolha seria usada para recrutar o fenômeno Sidney Crosby, talvez o mais badalado prospecto desde que Mario Lemieux chegou à liga, em 1984.
"Mais badalado prospecto desde Mario Lemieux"? Já ouvimos isso, não? Quase todos os anos, para ser mais preciso, ou alguém se esqueceu do que falavam de Alexander Ovechkin antes de ele ser recrutado pelos Capitals, no ano passado, só para ficar com um exemplo? Acontece que Crosby já é um fenômeno. Não no gelo, onde ainda tem muito a provar, mas já é um inegável fenômeno de marketing.
Ovechkin trouxe a esperança de dias melhores aos Capitals num futuro não tão próximo, e o mesmo pode ser dito dos já citados Fleury e Malkin em relação aos Penguins. Mas Crosby não significou só isso. A primeira amostra deu-se poucos minutos (segundos?) após ser divulgado de quem seria a primeira escolha. Os telefones começaram a tocar sem parar na Mellon Arena, sempre com alguém do outro lado da linha perguntando sobre carnês de ingressos para a temporada. O volume de ligações foi tão grande que os funcionários tiveram de dobrar seus turnos e não conseguiram dar conta. Neste exato instante, já foram vendidos mais ingressos para 2005-06 do que para toda a temporada de 2003-04, quando o público da Mellon Arena foi o menor de todos os estádios da NHL.
A segunda amostra veio assim que o mercado de agentes livres abriu, pouco mais de uma semana depois. De repente, não era mais difícil atrair agentes livres para Pittsburgh. O primeiro a assinar contrato foi o defensor Sergei Gonchar, o zagueiro com mais pontos nas cinco últimas temporadas. Depois dele, foi a vez do artilheiro Ziggy Palffy, do ponta esquerda John LeClair, do goleiro Jocelyn Thibault, do aguerrido atacante André Roy e dos limitados zagueiros Lyle Odelein e Steve Poapst.
Odelein e Poapst estão em fim de carreira e vêm para dar alguma profundidade à defesa, sem jogar todas as partidas e ninguém sabe se as costas de LeClair vão agüentar o tranco do alto de seus 36 anos, mas o simples fato de eles assinarem com os Penguins já demonstra que alguma coisa mudou para o lanterna da liga em 2003-04. E com as chegadas de jogadores supostamente em seu ápice, como Gonchar, Palffy e Thibault, a teoria está comprovada.
Com um elenco reforçado, os jovens talentos da temporada passada um pouco mais experientes e a torcida apoiando, a missão de chegar aos playoffs é mais do que possível. Não há vaga garantida antes de a temporada começar, mas todos já sabem que assistir aos playoffs pela televisão será um duro golpe para o time, que ainda tenta conseguir um novo estádio, mas esbarra nas dificuldades econômicas por que a cidade de Pittsburgh está passando.
Lemieux, que também é o dono do time, não perde uma oportunidade de dizer que, sem ao menos uma perspectiva boa para uma nova arena, ele será obrigado a vender o clube, possivelmente para alguém que o mudará de cidade. Na última vez que tocou no assunto, alertou para o fato de que, mesmo com ingressos sendo vendidos como água no deserto, o caixa ao final de 2005-06 fechará no vermelho ainda que os Penguins levantem a Copa Stanley.
Irônico que um time que parece ter um futuro tão promissor no gelo não saiba sequer onde mandará seus jogos daqui a três anos, mas é esta a situação em Pittsburgh. E, seguindo a moral da história em boa parte dos filmes de Hollywood, a torcida deixa para viver um dia (ou uma temporada) de cada vez.
Alexandre Giesbrecht, 29 anos, mudou de emprego, marcou casamento e está para realizar o sonho da casa própria, tudo no espaço de tempo do locaute.
NOVA ERA ENTRA NO GELO
Sidney Crosby (87) pisa no gelo da Mellon Arena pela primeira vez em uma partida — de pré-temporada (Peter Diana/Pittsburgh Post-Gazette - 27/09/2005)