Ofereci-me para falar de todas as aposentadorias que assolaram a NHL neste início de temporada. É triste ver que diversos ídolos (inclusive meus próprios) estão pendurando os patins. Mas quem tem acompanhado as últimas notícias da liga ou ao menos leu nossa cobertura sobre o locaute certamente entenderá as razões. Para um jogador de quase 40 anos ou mais, é difícil para o corpo agüentar o impacto de ficar uma temporada parado. E, no caso destes jogadores, já massacrados de tantas temporadas em prol do hóquei, é ainda mais fácil entender. Guerreiros, lutadores, sempre tendo o time em primeiro lugar, sem medo de levar um tranco ou ficar em frente a um gol. Enfim, nosso famoso "coração na ponta do patins".

Para muitos analistas (inclusive eu), os aposentados deste ano farão a maior turma de todos os tempos no Hall da Fama. Quando digo "maior turma", estou falando pelo nível dos quatro (talvez cinco), que sempre estiveram em evidência durante seus anos em atividade — que são muitos, se somados, das mais variadas formas. Um tinha uma tacada poderosíssima da linha azul; outro era capaz de mudar o ritmo de um jogo com apenas um tranco. Enfim, poderíamos montar uma linha (e que linha!), com todos os jogadores que se aposentaram nestas últimas semanas.

Comecemos pelo fim. Num anúncio muito triste, o goleiro Dan Blackburn, do New York Rangers, anunciou que não será mais possível continuar na liga. Após uma contusão no ombro, na pré-temporada de 2003, que causou danos permanentes em um nervo, o ex-número 10 do recrutamento vinha tentando voltar a qualquer custo. Mesmo integrando a pré-temporada nova-iorquina, não foi possível continuar. E aposenta-se, aos 22 anos.

Outro que infelizmente passará despercebido será o grande defensor James Patrick. Muitos não devem ter ouvido falar dele, mas, até sua última temporada com o Buffalo Sabres, Patrick, mesmo aos 40 anos, continuava a ser um defensor extremamente sólido, mesmo não jogando temporadas completas. Hall da Fama? Talvez, não fosse a qualidade dos outros.

Entrando nesta discussão de quem merece ou não, nosso próximo aposentado é o desvalorizado Vincent Damphousse. Li em uma matéria na semana passada que, fosse uma turma de menor qualidade, ele mereceria certamente consideração para fazer parte do Hall. Seus 1.200 pontos em 1.378 jogos (quase um ponto por partida) credenciar-no-iam, certamente. Porém entraríamos naquela discussão: por que jogadores como Mike Gartner e Dino Ciccarelli não fazem parte daqueles que foram imortalizados? É algo extremamente complicado, e prometo falar mais em outra oportunidade. Até podemos chamar o artigo de: "Por que não?"

Vamos agora falar da nata, daqueles quatro que certamente terão seus nomes no Hall da Fama: Al MacInnis, Scott Stevens, Ron Francis e Mark Messier. Mesmo que não se goste destes jogadores, pelos mais variados motivos, é impossível dizer que eles não estão entre os grandes do esporte. Desde que Larry Murphy, Paul Coffey e Ray Bourque se aposentaram que uma classe do Hall da Fama não apresenta um nível tão alto. Aliás, para muitos, é a maior classe de toda a história. E, convenhamos, isso é inegável.

MacInnis começou sua carreira com os Flames e ganhou nome rapidamente, com seu chute que passava facilmente dos 160 km/h, um verdadeiro transtorno para qualquer goleiro. Foi campeão com aquele time, mas passou a ter fama de um jogador apenas ofensivo. Determinado a mudar esta impressão, que para um defensor sempre soa estranho, ele trabalhou também o lado defensivo de seu jogo. Mesmo que muitos venham a lembrá-lo como um defensor que chutava forte e pontuava prolificamente, não esqueçamos que ele foi um dos jogadores mais inteligentes a jogar na linha azul. Mesmo não sendo físico, terminava todas as temporadas com mais/menos positivo. Poderia jogar mais? Talvez. Uma contusão no olho, no começo da temporada 2003-04, foi decisiva para sua decisão. Os números de MacInnis: 1.416 jogos, 340 gols, 934 assistências e 1.274 pontos.

Juntando-se a MacInnis na linha azul, temos o estrondoso Scott Stevens. Sua carreira é semelhante à de seu companheiro de defesa: começou conhecido por apenas um lado de seu jogo e, por fim, acabou desenvolvendo outros lados. O que chamou a atenção desde o começo de sua carreira foi sua habilidade em desferir trancos poderosíssimos. Mas havia um problema: era constantemente pego fora de posição, deixando a defesa desguarnecida ao arrebentar um adversário. Quem consegue esquecer o Stevens dos trancos? Muitos reclamam que ele sempre foi maldoso, mas eu não concordo. Se a regra permite trancos, os demais jogadores que tomem cuidado. Todas suas vítimas, seja Eric Lindros, Shane Willis ou Ron Francis, patinavam de cabeça baixa em gelo aberto ao ser atingidos. É culpa de Stevens? Não, né?

Stevens será lembrado por seus trancos, mas, assim como MacInnis, foi sempre desvalorizado por seu jogo responsável, do qual era totalmente capaz. Sabia se posicionar, sabia como brigar nas bordas e como tirar alguém da frente do gol. Mas e daí que vão se lembrar dele como um grande batedor? Acho que no fundo até ele gostará de saber disso.

Já que falamos de Ron Francis como uma das vítimas de Scott Stevens, que tal ele ser nossa próxima vítima? A carreira de Francis é extremamente curiosa. Quantos sabem que ele é o segundo em todos os tempos em assistências (atrás apenas de Wayne Gretzky) e o quarto em pontos (atrás de Gretzky, Messier e Gordie Howe)? Aposto que muitos não sabem. Este grande central sempre foi um escudeiro das estrelas e certamente o jogador mais desvalorizado de todos os tempos. Quem não se lembra da famosa unidade de vantagem numérica dos Penguins que contava com Mario Lemieux, Jaromir Jagr, Coffey, Mark Recchi (estes dois apenas no primeiro título) e Murphy? Faltou alguém? Ah, sim: Francis, claro. Lembramos sempre de todos os grandes jogadores. Francis sempre fica por último. Mas não desta vez. É impossível esquecer um jogador tão durável (1.731 jogos) e tão consistente (1798 pontos).

Ouvi muitas críticas quanto a ele se aproveitar do talento dos demais jogadores das linhas que formou. Desculpem-me, mas eu discordo. Por todo lugar que passou, Ronnie Franchise (adorei esse apelido), foi sólido, pontuando com consistência e sempre sendo o coadjuvante dos sonhos. Discreto e com muita classe (ganhou um Troféu Lady Bing), sabia ainda defender (ganhou um Troféu Frank J. Selke como melhor atacante defensivo). É impossível não ser fã de um jogador assim.

E já que falamos de fãs, bem, agora vou dar uma de tiete. Vou falar do melhor jogador desta classe: Mark Douglas Messier. Claro, claro. É tietagem pura. Eu até já escrevi sobre ele em outro texto, mas é impossível não se emocionar com este grande líder do esporte. Falem o que quiserem os torcedores de Red Wings e Devils, mas Messier foi o maior líder da história do esporte. Não só por exemplo, jogando com garra e fibra, mas também por ser um capitão extremamente vocal. Sua fama de intimidador, pegando um jogador e gritando para ele, pedindo afinco e determinação, é inesquecível.

Recrutado na terceira rodada do recrutamento, nem mesmo ele esperava chegar tão longe. Nunca foi um grande goleador (apenas uma temporada com mais de 50 gols) e nunca foi um grande pontuador (apesar de marcar os pontos certos na hora certa). Odiado, temido, respeitado. Como bem prestou homenagem o colunista da ESPN John Buccigross, Messier foi o jogador mais cool de todos os tempos. Além de marcar os pontos certos na hora certa, ele era físico o suficiente para intimidar os adversários. Era ele pisar no gelo que os adversários tremiam. Um dos melhores nos face-offs. E aquele jogo 6 das finais de conferência de 1994 ("We will win!")? Como não gostar de Messier?

Aliás, como não gostar desses quatro? E de Damphousse também, claro. Uma linha completa, com três atacantes e dois defensores. Quem não gostaria de treinar um time assim? Bem, o Hall da Fama certamente irá gostar destas adições.


Fabiano Pereira quase chorou ao acompanhar a aposentadoria destes jogadores, que ele acompanha desde 1993.
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Página publicada em 5 de outubro de 2005.