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19 de março de 2004
Sobre o filme "Miracle"

Por Marcelo Constantino

Nesse fim de semana tive a oportunidade de assistir ao filme "Miracle" sobre a histórica vitória dos Estados Unidos sobre a União Soviética -- então considerada quase invencível -- nas Olimpíadas de Inverno de 1980.

Todos nós, amantes do hóquei sobre o gelo, devemos torcer para que o filme chegue ao Brasil, ainda que até o momento não exista qualquer confirmação quanto a isso. O filme é da Disney, é bem americano e certamente deve emocionar platéias, o que forma um conjunto de boas razões para que chegue às telonas daqui. Chegando, poderá ser um grande impulso para a popularização do esporte por aqui, algo que todos nós almejamos. Mas vamos ao filme.

Alexandre Giesbrecht já escreveu sobre isso, mas vale reforçar: a propaganda do filme, com a chamada "o grande momento da história dos esportes", é de lascar. Não é mesmo, nem da história do hóquei, nem da história do esporte americano. Mas, enfim, o filme é americano, é assim mesmo.

O foco principal do filme é o técnico da seleção norte-americana, Herb Brooks, e não a equipe em si ou um jogador, ou um grupo de jogadores. A proposta não é relatar a história da vitória dos EUA sobre a URSS, é mostrar como isso aconteceu. Claro, como qualquer filme baseado em fatos reais, diversas situações são dramatizadas por força de roteiro, mas quase tudo é bem dosado.

No papel do técnico Herb Brooks está o ator Kurt Russel, em surpreendente e ótimo desempenho. Russel não protagonizou um Brooks maioral, sabe-tudo, pedante, transbordando confiança, o tipo que boa parte dos técnicos de hoje gosta de fazer. Em momento algum ele é pintado como herói, nem mesmo quando alcança o objetivo. No filme, Brooks é apenas um cara sério, compenetrado, até solitário, duro (por vezes até em excesso, mas "para o bem"), em busca do ideal que ele traçou para o time. Sim, é clichê, mas lembre-se, o filme é Disney e é Hollywood. No fim há uma belíssima homenagem ao técnico, que morreu num acidente de carro em 2002.

A atriz Patrícia Clarkson, em ascensão na indústria do cinema, interpreta a mulher de dele (o filme é bem americano, então mostra, numa razoável quantidade, o lado familiar de Herb, com sua mulher cobrando mais presença dele e também não acreditando muito que fosse possível vencer os soviéticos).

O filme mostra um Brooks que acredita ter uma chance de conseguir o impossível, querendo implantar um novo sistema para vencer a URSS, mas com pouco tempo para executar isso. Naturalmente quase ninguém acredita quando ele diz que pode vencer os soviéticos.

O tal novo sistema basicamente é fazer com que a seleção dos EUA esqueça as individualidades, jogue como um time e que tenha um condicionamento físico capaz de patinar fortemente por todos os 60 minutos de jogo.

Na montagem do elenco ele opta não por levar os melhores, mas sim os que se encaixam corretamente no esquema que ele delineou. Hoje em dia isso está em alta, tudo quanto é técnico de time azarão tem um plano e quer que o time siga aquele plano estritamente, independentemente das poucas estrelas que ele tem em mãos, isso se tiver.

Brooks precisou vencer as rivalidades dentro do próprio elenco, em que grande parte dos jogadores eram rivais de Boston e Minnesota. Havia uma rixa remanescente dos playoffs do campeonato universitário de 1976 entre os dois times e isso se reflete no grupo por algum tempo. E ele vai contornando a situação como um pai (mas mantendo a distância certa) para os desconhecidos e jovens jogadores que almejam um lugar ao sol.

Até que recebe o sinal, quando, após uma partida amistosa, obriga o time a seguir patinando no gelo, debaixo de sermão, como punição pela falta de esforço 100%. É quando Mike Eruzione, o herói que marcaria o gol da vitória sobre os soviéticos, berra dizendo que joga pelos EUA (e não por Boston, ou Minnesota, ou qualquer outro time de origem dos jogadores). Difícil acreditar que isso tenha realmente ocorrido, mas serve para reforçar o ideal de Brooks.

Formar um grupo é possivelmente um dos grandes fundamentos desse esporte. Mais que qualquer outra modalidade, se você não tem um grupo, se a equipe não joga realmente como um time, você não vence no hóquei. Se há um esporte em que o individual não supera o coletivo, este é o hóquei.

"Vocês querem ganhar na base do talento somente? Vocês não têm talento suficiente para vencer", ele diz num certo momento de explosão. Então a chave era montar uma equipe, dentro de um sistema determinado e seguir assim até o fim. É assim que os pequenos superam os grandes. Os Mighty Ducks e o Wild mostraram isso nos playoffs do ano passado.

A seleção da União Soviética é constantemente pintada como imbatível ao longo do filme. Pudera, com 42 jogos disputados nos dois anos anteriores, eles venceram TODOS, eram os vencedores das últimas seis medalhas de ouro das Olimpíadas e os EUA não os venciam desde 1960, havia 20 anos.

A última meia hora do filme é dedicada ao jogo com a URSS. Durante absolutamente toda a partida assistimos ao um verdadeiro tiroteio pra cima do goleiro Jim Craig, que faz defesas de todas as formas. Consta que o goleiro Bill Ranford substituiu o ator Eddie Cahill, que interpreta Craig, em algumas cenas. Há ótimas cenas de trancos no meio do gelo e nas bordas e o resultado final das tomadas do gelo é bom. Não é como estar assistindo a um jogo, por vezes é até bem melhor, por outras a câmera mal acompanha o que está na frente, mas o produto final é satisfatório.

"Miracle" é feito para emocionar e encara o desafio de mostrar uma história onde todos conhecem o final. O resultado é bom como cinema, embora eu acredite que deva emocionar essencialmente aos americanos, ou aqueles que viam a URSS como a encarnação do mal.

Sobre isso é importante ressaltar que o roteiro driblou a armadilha fácil de satanizar os soviéticos, individualmente ou o grupo. No máximo há sutilezas, com expressões e sorrisos irônicos, mas todos bem leves, nada que force o telespectador a ter raiva. É algo que eu não esperava e que surpreende positivamente.

Marcelo Constantino assistirá novamente ao filme se o mesmo chegar aos cinemas do Brasil. Hóquei na tela grande não é todo dia.
 
  CARTAZ Tem o batidíssimo, porém imprescindível "Você acredita em milagres?" (Foto-cartaz do site oficial do filme)

 

SAIBA COMO FOI O MILAGRE DO GELO
Você acredita em milagres?
(Por Eduardo Costa - 14/11/03)

 

 

 

 

 

 

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Página publicada em 18 de março de 2004.