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5 de dezembro de 2003
As vitórias nem sempre trazem respeito

Por Humberto Fernandes

Nos últimos anos, citar o Calgary Flames numa conversa descontraída sobre hóquei tem sido motivo certo de risadas. A equipe não sabe o que são playoffs desde 1996, quando foi varrida pelo Chicago Blackhawks de Jeremy Roenick e Chris Chelios na primeira rodada e, com exceção dos dois últimos jogos daquela série — no jogo 3, os Flames quase empataram após estarem perdendo por 5-0, e no jogo 4, Roenick empatou faltando nove segundos para o fim e os Blackhawks venceram na terceira prorrogação —, os Flames estiveram nos playoffs a passeio.

Nos anos seguintes, o mais próximo que estiveram dos playoffs foi a seis pontos do oitavo colocado, na temporada 1998-99. Mas as esperanças renasceram em 2001-02, quando tudo apontava para o retorno dos Flames à pós-temporada, conduzido pelo ano fenomenal de Jarome Iginla. Com 52 gols e 96 pontos, Iginla recebeu os prêmios de maior goleador e maior artilheiro, concedidos pela NHL, e de jogador mais destacado, concedido pela NHLPA. Apenas não conseguiu uma "varrida" nos prêmios porque José Théodore ficou com o de jogador mais valioso da temporada, embora muitos preferissem o atacante de Calgary e sua impressionante marca de quase 26% dos gols de sua equipe.

A atual temporada não lembra a de 2001-02, por diversos fatores. Naquele ano, até o dia 10 de dezembro, Iginla havia marcado 24 vezes; até o fechamento dessa edição de The Slot BR, o atacante possuía apenas oito gols. Quando as atuações da principal arma do time caem drasticamente, é sinal de que as coisas não andam nada bem. E mais: o goleiro titular Roman Turek não está nem próximo dos números que conseguiu obter dois anos atrás. Suas estatísticas não eram a oitava maravilha do mundo, mas ainda assim a cada noite carregava a confiança dos companheiros e da maior parte da torcida.

A "curta retrospectiva 1996, 2002" termina aqui. O objetivo inicial do artigo era retratar apenas a boa semana dos Flames, merecedores até da capa dessa edição.

A rotina em Calgary está diferente desde o dia 15 de novembro, quando a equipe foi derrotada pelo Edmonton Oilers por 2-1 na prorrogação. Foi o primeiro ponto dos muitos que viriam a seguir, em sete vitórias, um empate e duas derrotas na prorrogação. Em Edmonton tivemos o começo da boa sequência dos Flames, mas até hoje não tivemos o fim do desrespeito a esse time.

Parece não ser o bastante ocupar a sexta colocação na Conferência Oeste, estar cinco jogos acima do aproveitamento de 50% ou ter marcado ponto em todos os últimos dez jogos. Agora, não receber o devido respeito vira motivo de risadas e desabafo.

O maior exemplo disso aconteceu na quinta-feira, quando o Vancouver Canucks, no auge do seu hóquei, deveria enfrentar os Flames. Mas não parecia que o jogo seria exatamente este. A maior parte da mídia e dois dos principais jogadores do time discutiam abertamente sobre o par de jogos que teriam contra o Colorado Avalanche até o fim desse mês. O problema é que o Vancouver teria que enfrentar o Calgary naquela noite — e perdeu por 4-1.

Por que os Canucks deveriam preocupar-se com os Flames? Eles nunca fizeram isso antes! Além do mais, estavam ocupados com aparições em público... e o resultado foi mais do que justo.

A seguir, uma rádio sediada em Toronto comentou o fato dos Flames conseguirem uma boa sequência ao mesmo tempo em que o Toronto Maple Leafs varre a liga. Então fizeram uma maldosa pergunta: quem pode assistir aos Flames? "Eu não", respondeu um deles, "é muito chato".

Além da surra sobre os Canucks, a semana do Calgary apresentou mais três boas vitórias, contra San Jose Sharks, Minnesota Wild e Pittsburgh Penguins. Como esse time pôde melhorar tanto em pouco tempo? As respostas vieram quando a National Hockey League anunciou seus prêmios semanais.

O asa direito Shean Donovan, autor de seis gols — sendo três deles gols da vitória — nos quatro jogos, foi nomeado o jogador ofensivo da semana, enquanto o goleiro Miikka Kiprusoff, com média de um gol sofrido por jogo e 95.7% de defesas nas quatro vitórias, foi eleito o jogador defensivo da semana.

Donovan marcou o gol da vitória em um pênalti contra os Sharks (3-1), decidiu o jogo contra os Canucks (4-1), anotou mais um gol contra o Wild (2-1) e teve a noite de sua vida quando marcou um hat-trick e uma assistência contra os Penguins (6-1). O atacante lidera os Flames em gols (11), gols de vitória (quatro) e em desvantagem numérica (dois). Curiosamente, seu máximo de gols em uma temporada foi 13, com o San Jose Sharks em 1995-96. Essa marca pessoal não deve demorar a ser batida.

Em sete jogos desde que chegou a Calgary, adquirido por uma mísera escolha condicional no recrutamento, Kiprusoff venceu seis, com média de 1,71 gol sofrido por jogo e 92.8% de defesas. Quando Turek retornar de sua contusão possivelmente terá que batalhar para voltar ao posto de número um desse time.

Esse é um dos "bons problemas" enfrentados pelo ótimo treinador Darryl Sutter, ter dois goleiros talentosos. Antes da chegada de Kiprusoff, quem vinha segurando as pontas na ausência de Turek era o veterano Jamie McLennan. Ele até não teve números ruins, mas definitivamente não é capaz de proteger o time tanto quanto os outros dois.

Os "maus problemas" perseguiram o time até mesmo durante a semana perfeita. Steven Reinprecht, que vinha sendo o central da linha um, foi re-examinado após atuar duas vezes com dores e constatou-se uma fratura no tornozelo esquerdo. Três dias depois outro central, Craig Conroy, machucou o joelho e deve ausentar-se entre duas semanas e um mês. No mesmo dia, o defensor Tony Lidman sofreu uma contusão no ombro. Como se não bastasse, Andrew Ference, também defensor, tem jogado com dores na virilha. Junte ao hospital do Calgary o goleiro Turek e o central defensivo Blair Betts.

Essas últimas semanas não farão os torcedores esquecerem dos sete obscuros anos anteriores, mas pelo menos servem para trazer à tona velhas memórias e a esperança de que esse pode ser o ano da redenção. Se os Flames conseguirem resistir ao difícil calendário que terão pela frente nos próximos meses e sobreviverem às contusões, o sucesso pode continuar. E aí, quem sabe, a mídia de Toronto e os jogadores dos Canucks passem a respeitar mais essa equipe que ressurge no cenário das vitórias.

Humberto Fernandes aprovou o documentário "Bowling For Columbine" e o livro "No Ar Rarefeito", duas das valiosas indicações de Marcelo Constantino.
 
  ARROGÂNCIA PUNIDA O Vancouver Canucks pagou caro por desrespeitar o Calgary Flames. Seus jogadores falaram demais antes e depois da surra (Chuck Stoody/AP - 04/12/2003)
   
 
  APOSTA QUENTE Miikka Kiprusoff faz valer seu preço - uma escolha condicional. Os Sharks ainda vão se arrepender por isso (Lyle Stafford/Reuters - 04/12/2003)

 

 

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Página publicada em 10 de dezembro de 2003.