Por
Marcelo Constantino
Um clichê muito usado em algumas ocasiões é "o
feitiço virou contra o feiticeiro". No caso do Detroit Red
Wings, o enfeitiçado passou a usar o feitiço.
Desde os playoffs de 1999 que basta o Detroit perder uma partida para
ser derrotado na série. Foi assim quando abriram 2-0 contra os
Avs em 99, depois de fazer 4-0 na série anterior. Perdeu o jogo
3 para Colorado e perdeu a série. Exatamente a mesma coisa aconteceu
nos playoffs do ano passado: Wings abrem 2-0 na série (coincidência
maior, shutout em ambas as segundas partidas), perdem uma e não
vencem mais.
Em 2000 foi semelhante: primeira rodada, vitória por 4-0. Mas
na segunda já levou vareio de cara dos Avs e era nítido
que não tinham time para encarar uma final.
Para esta temporada, o time foi montado antes: uma constelação
de futuros integrantes do Salão da Fama, todos eles já
chegando mais para os 40 anos de idade do que para os 30, foram contratados.
A principal, Dominik Hasek, seria o paredão que sempre faltou
ao time, com a exceção da brilhante atuação
de Mike Vernon na campanha de 1997.
Uma campanha memorável, pouco testados de ponta a ponta, uma
virtual classificação antes da virada do ano e um final
pífio. Assim foi a temporada.
Chegaram aos playoffs e encontraram pela frente o Vancouver Canucks,
talvez o time mais quente da liga naquele momento. E nada mudou então,
a história de que "playoffs são uma nova temporada"
foi solenemente ignorada por ambos os times. Os Canucks seguiram arrebatadores
e os Wings seguiram tentando reencontrar seu jogo, perdido há
meses. Isso nas duas primeiras partidas.
O jogo 3, já em Vancouver -- imprensa em Detroit completamente
desanimada, boa parte já dizendo adeus aos playoffs, torcida
pedindo a cabeça de Hasek --, era vida ou morte para os Wings,
como qualquer partida é quando seu time está perdendo
por dois jogos de diferença. A tônica era exatamente a
mesma: os Canucks rápidos, ágeis, quentes demais para
os Wings, que até melhoravam, mas não o suficiente. Até
que veio o lance que mudou a série: jogo empatado em 1-1, no
final do segundo período Nicklas Lidstrom manda uma daquelas
tacadas despretensiosas do meio da rua, literalmente do meio do gelo,
e o goleiro Dan Clouthier aceita. A confiança do jovem goleiro,
que vinha brilhando nas partidas, acabou ali.
Este foi o gol da vitória e, daí em diante, os Wings engrenaram
e nunca mais perderam o controle das ações.
A cada jogo o técnico Mauricinho Crawford, inteligentemente,
tentava algo novo. Ele detectou a deficiência defensiva de Pavel
Datsyuk e começou a lançar a linha de Todd Bertuzzi no
gelo toda vez que o novato russo estava lá. Deu certo: marcaram
um gol assim no jogo 4. Mas Scotty Bowman logo sacou o garoto do time
na partida seguinte.
Como Chris Chelios passou a dominar -- e irritar -- o grande Todd, Mauricinho
decidiu colocá-lo ao lado de Jiri Fischer no jogo 5. Ótimo,
Fischer realizou a melhor partida de sua vida com a camisa dos Red Wings,
anulando o perigoso atacante dos Canucks e ainda desferindo-lhe um memorável
tranco no meio do gelo. No final, Bertuzzi até começou
a partir para medidas à Claude Lemieux e suas entradas no mínimo
provocativas, mas nem mesmo para isso teve competência.
O Vancouver mostrou que é um time que tem tudo para disputar
os playoffs com mais poder na próxima temporada. Cabe lembrar
que lutaram até o fim, mesmo quando parecia que a série
estava terminada no jogo 6. Bravos, rápidos e habilidosos jogadores
que fizeram bonito nesses playoffs - chegando quase a surpreender.
Do lado dos Wings, nem tudo são flores. Hasek exorcizou as duas
medonhas primeiras atuações, mas ainda não é
exatamente o goleiro de US$ 8 milhões/ano que os Wings contrataram.
Robitaille tem jogado menos tempo até que Darren McCarty, e isso
é um claro sinal da insatisfação de Bowman com
sua produção. Krupp dispensa comentários.
Brett Hull demorou a dar o ar da graça, mas o hat-trick no jogo
final lhe dará confiança e crédito. Fedorov fez
uma daquelas partidas que todos acham que ele pode fazer sempre (mas
que só faz de 4 em 4 meses) no jogo 5 e vem bem de um modo geral,
assim como Shanahan. Lidstrom e Chelios são Lidstrom e Chelios.
O Professor vem jogando realmente como se fossem os últimos jogos
de sua magnífica carreira. Fischer está melhor do que
durante a temporada. Mas não há palavras para classificar
Steve Yzerman.
Jogando com apenas uma perna boa - o outro joelho deverá ser
novamente operado no fim dos playoffs -, Yzerman é o único
jogador que mostrou toda sua excelência em todas as 6 partidas.
O ar calado, de bom moço, esconde um verdadeiro guerreiro pelo
terceiro título, na chance que também pode ser a última
de sua carreira. O Capitão é exemplo para qualquer um
ao seu redor e deveria servir de inspiração também.
Deveria servir, porque o time ainda parece carecer do instinto assassino,
aquele de matar logo o time adversário. Falta algo mais, ainda
falta. Isso pode vir numa grande briga, numa grande provocação
ou mesmo numa grande virada numa partida. Numa prorrogação.
Com esse instinto os Wings podem passar por cima de Kings (Deadmarsh
está machucado!) ou Colorado, seja lá o que vier pela
frente.
Interessante:
No jogo 6, Chris Chelios e Igor Larionov, 80 anos de idade somados,
combinaram 1 gol e 7 assistências.
Desde que voltou a jogar hóquei Uwe Krupp não venceu um
jogo sequer. Foi ele sair do elenco e o time voltou a vencer.
Pavel Datsyuk foi a grande novidade dos Wings na temporada, tendo uma
atuação bonita atrás de outra. Jason Williams gerava
a grande expectativa e não correspondeu, sendo enviado às
ligas menores boa parte da temporada. A situação está
invertida nos playoffs.
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Marcelo Constantino Monteiro chegou a afirmar que estava tudo
acabado para os Wings após a derrota no jogo 2, um glorioso palpite
infeliz. |
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FINALMENTE ELES PODEM COMEMORAR
Demorou para os Wings engrenarem, mas eles conseguiram superar os
obstáculos (Julian H. Gonzalez/Detroit Free Press - 21/04/2002) |
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DOMINANDO E IRRITANDO Chris
Chelios (24) conseguiu tirar Todd Bertuzzi (à esquerda) do
sério (Julian H. Gonzalez/Detroit Free Press - 21/04/2002) |
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