Preocupado em manter o interesse dos fãs pelo Jogo das Estrelas e agradar os patrocinadores do evento, Gary Bettman resgatou um suposto acordo firmado com os gerentes gerais em fevereiro do ano passado para ameaçar os jogadores que, convocados pela liga, optaram por não comparecer à festa que celebra a metade da temporada e a oportunidade de aparecer para países que não se interessam pelo hóquei no gelo e recebem as transmissões de apenas um jogo por ano, justamente o mais insosso e desagradável deles, o Jogo das Estrelas.
Segundo o acordo, o jogador que não comparecesse ao JDE seria obrigado a perder um jogo de seu time, o último antes ou o primeiro depois do evento. Se ele estava machucado o suficiente para não dar entrevistas e tirar fotos com os patrocinadores, também teria que estar machucado para não poder jogar pelo seu time.
A origem dessa regra absurda está no pedido de dispensa por motivos pessoais de Martin Brodeur e Roberto Luongo no JDE da temporada passada. No entanto, não havia precedente para aplicá-la agora, em ameaça a Sidney Crosby, Nicklas Lidstrom e Pavel Datsyuk, os três jogadores que desistiram da viagem para Montreal. Um dos membros do alto escalão da NHL afirmou que havia, sim, um precedente, alegando que Brodeur perdera o primeiro jogo do New Jersey Devils após o JDE de 2008. Como as fichas das partidas daquele período indicam, a afirmação não é verdadeira. Brodeur não perdeu nem a última, nem a primeira partida separadas pelo evento da liga.
Não querendo testar a ameaça de Bettman, os Penguins enviaram Crosby para o fim de semana festivo, para que ele evitasse a punição participando de todas as atividades fora do gelo. O Detroit Red Wings, por sua vez, decidiu não pedir a Lidstrom e Datsyuk que mudassem seus planos para os dias seguintes. O defensor já havia comunicado ao gerente geral, Ken Holland, que sofria com tendinite no cotovelo direito e pretendia aproveitar a paralisação da liga para descansar e tentar se curar. Já o russo abandonou o último jogo da equipe, contra o Phoenix Coyotes no dia 20, no começo do terceiro período, por motivo de contusão.
O imbróglio alcançou status superior ao do próprio Jogo das Estrelas. A imprensa escrita destacou mais a polêmica e inédita ameaça do comissário do que os detalhes do fim de semana festivo em Montreal — que terminou com a vitória da Conferência Leste sobre a Conferência Oeste, ou foi o contrário?, por 11-10 ou 12-11, ou talvez 13-12, vai saber, nos pênaltis. De repente, todos os colunistas de hóquei no gelo queriam opinar sobre o direito dos jogadores de recusar a convocação da liga para o JDE e o impacto da punição imposta por Bettman.
O assunto, obviamente, foi discutido em Montreal. Os jogadores ouvidos pela imprensa não apoiaram a decisão da liga. Alexei Kovalev foi claro.
"Eu não acho que seja uma boa decisão," ele disse. "No meu ponto de vista, jogadores se machucam e se preocupam sobre como vão fazer seu trabalho no restante da temporada. Você vem pra cá no fim de semana para se divertir. Não é justo com os torcedores [quando os jogadores não aparecem], mas ao mesmo tempo, você sabe, se você se machuca, seu foco deve estar em se curar e ajudar o seu time".
Nem as palavras de Kovalev, nem a imediata resposta da Associação de Jogadores da NHL — que prometeu reclamar oficialmente contra a punição imposta arbitrariamente aos jogadores — surtiu qualquer efeito sobre a decisão do comissário.
Mais forte que as palavras e a resposta da NHLPA, no entanto, é o histórico dos jogadores envolvidos, especialmente Lidstrom, um embaixador do hóquei, vencedor de quatro Copas Stanley, seis vezes ganhador do Troféu Norris (concedido ao melhor defensor) e presente nos últimos dez Jogos das Estrelas e em todas as premiações da NHL em que tenha concorrido. Como a liga pode tratar um dos maiores jogadores de todos os tempos desta maneira? Como a NHL não acreditou nas palavras de uma franquia que é modelo para a liga, que mantém um time competitivo há quase duas décadas e que nunca caminhou na direção contrária?
Na segunda-feira os jogadores envolvidos comentaram o assunto. Ambos disseram que não sabiam da possibilidade de evitar a punição se participassem dos bastidores do Jogo das Estrelas, mas que mesmo se soubessem, não fariam isso. Lidstrom programou seu tratamento para sexta-feira e sábado e por isso decidiu ficar. Mesmo sabendo que poderia ser criticado por não comparecer, ele manteve sua decisão.
"Eu sabia que isso poderia acontecer, mas eu decidi que o melhor para o time e melhor para mim é tentar me curar aqui," disse Lidstrom. "Porque nós não vamos ter outra folga tão longa quanto essa pelo restante da temporada."
A temporada regular prosseguiu na terça-feira com 11 jogos, incluindo a visita dos Red Wings a Columbus para enfrentar os Blue Jackets. Mesmo sem que a suposta regra existisse de fato, porque não está escrita em lugar algum, mesmo sem a confirmação oficial da NHL, que não emitiu nenhum comunicado, o Detroit entendeu a ameaça verbal de Bettman como definitiva, afastando Lidstrom e Datsyuk do jogo.
Embora a torcida tenha encarado a suspensão como uma afronta e desejado uma vitória esmagadora para provar que os Red Wings são superiores aos caprichos do comissário, os três gols de Rick Nash decidiram o jogo a favor dos Blue Jackets.
E se você pensa que o comissário deu um sorriso quando Nash decretou a derrota dos Red Wings na prorrogação, está enganado. O que Bettman conseguiu, afinal, foi danificar a integridade da temporada.
Porque os Red Wings, no fim das contas, têm gordura para queimar, com pontos suficientes para garantir o título da Divisão Central sem ser ameaçados pelo Chicago Blackhawks, e um jogo a menos e dois dias a mais de descanso em janeiro para Lidstrom e Datsyuk representam a energia necessária para um jogo a mais em maio ou junho, quando a Copa Stanley está em disputa e os jogadores estão exauridos.
Mas a temporada regular, especificamente a classificação da Conferência Oeste, pode ter sofrido dano irreversível capaz de alterar o rumo dos playoffs.
Se o Columbus, que ocupa a nona posição da conferência, embolado na briga pelas últimas vagas, se classificar para os playoffs por diferença de um ou dois pontos, então dois pedidos de dispensa do Jogo das Estrelas, seguido por uma decisão burra e arbitrária do comissário, terão comprometido toda a temporada.
Afastar os dois melhores jogadores dos Red Wings de um jogo de temporada regular causará mais estragos a Vancouver Canucks, Edmonton Oilers, Minnesota Wild e Anaheim Ducks, equipes que disputam as últimas vagas para os playoffs, do que propriamente ao Detroit, que deveria, de fato, ser o time punido pela falta de Lidstrom e Datsyuk.
Os Blue Jackets, por sua vez, foram claramente favorecidos em relação aos concorrentes.
Que eles se classifiquem para os playoffs na oitava posição e por diferença de um ponto. Apenas para que o comissário, pelo menos em seu escritório, seja punido por sua estupidez.