Por: Eduardo Costa

Resultados negativos em jogos de pré-temporada normalmente não são suficientes para causar temor nos torcedores, mas os Rangers embarcaram para a Europa, onde abririam a temporada contra o Tampa Bay Lightning, e, de quebra, disputaria a Victoria Cup, com cinco derrotas consecutivas. Nada alentador.

Porém os Camisas Azuis retornam do velho continente com duas vitórias contra os Bolts, uma goleada em uma partida exibição contra o mais popular time da Suíça, além da própria Victoria Cup na bagagem. Nada mal. Nada mal mesmo.

TheSlot.com.br juntou dezenas de centavos na esperança de enviar um correspondente para o velho continente, mas a verba (?) só foi suficiente para comprar uma passagem para Paranaguá. Pelo menos acompanhamos pelo monitor a memorável e inédita conquista do time de Nova York, que reverteram um placar de 0-3 favorável ao Metallurg Magnitogorsk — Vladimir Malenkikh tem sorte que Vassili Zaitsev não esteja mais entre nós.

IIFH e NHL: um só coração?
Os desejos mais calientes da NHL e da IIHF encontrariam um denominador comum com a criação da Victoria Cup. Se um deseja, como estamos vendo há alguns anos, ampliar sua marca no velho continente, enquanto o outro anseia por uma maior aproximação com a mais poderosa e rica liga do planeta, nada melhor que um desafio anual entre o clube campeão europeu e o detentor da Copa Stanley. Uma espécie de mundial interclubes do hóquei sobre o gelo.

Bem, esse era o sonho molhado (?) de René Fasel e sua trupe. Vontade amplamente justificável. Um embate assim seria a forma mais justa de uma equipe ganhar o direito de autoproclamar-se monarca do hóquei em todo o globo. Mas o atual Acordo Coletivo de Trabalho (o velho conhecido CBA), exigiu que o representante norte-americano fosse "escolhido" um ano antes, tornando improvável qualquer chance de um jogo dessa magnitude acontecer — pelo menos por agora.

Felizmente para a Victoria Cup pelo menos o representante escolhido foi uma das equipes mais tradicionais da NHL. O original New York Rangers, que como toda equipe novaiorquina que se preze, possui uma larga legião de fãs espalhadas pelo Hemisfério Norte — e muitos por essas bandas também. Outro grande fator pela predileção: o NY Rangers foi o primeiro time da NHL a enfrentar uma equipe européia — derrotados pelo CSKA Moscou por 7-3, em NY, em dezembro de 1975.

O treinador dos Camisas Azuis, Tom Renney, deu grande contribuição ao desafio ao utilizar o que tem de melhor, já mirando a estréia da temporada regular contra o Tampa Bay Lightning, em Praga, no próximo dia 4. Renney, no entanto, foi brutalmente sincero sobre a chance de se sagrar "campeão do mundo": "O melhor (do mundo) é conhecido ao final da temporada", e ainda completou, "e talvez um dia nós saberemos com certeza quando tivermos o campeão europeu e o campeão da NHL duelando."

Mesmo não sendo o vencedor da Copa Stanley — a equipe foi eliminada pelo Pittsburgh Penguins nas semifinais da Conferência Leste —, os Rangers tinham, na teoria, maior responsabilidade em vencer o Metallurg Magnitogorsk, afinal, fazem parte da abastada liga já mencionada. Defenderiam a honra da NHL. Favoritos mesmo tendo que atuar em um gelo com dimensões maiores do que estão acostumados e de iniciar a temporada — em contraste com o Magnitka, de uma dezena de jogos oficiais já realizados na temporada.

Já o time da cidade do aço russo é uma triste sombra do que conquistou a Copa Européia de clubes campeões há poucos meses. Membros importantes daquela conquista arrumaram as malas, enquanto pouca gente de qualidade chegou. O ponta esquerda Nikolai Kulemin foi para os Maple Leafs, onde é tido como uma das jóias no processo de remodelação da franquia; o excelente defensor eslovaco Martin Štrbák, o veterano Igor Korolev, além do mais valioso atleta do time nas mais recentes conquistas, o goleiro canadense Travis Scott, também estão em outras freguesias. Embora o ex-reserva de Scott, o bielo-russo Andrei Mezin seja um dos melhores de sua posição no continente, as outras peças de reposição não corresponderam até agora, como o defensor Karel Pilar, de opaca passagem pelos Leafs e a eterna promessa Stanislav Chistov. Muito pouco para um time que teria pela frente as primeiras edições da Kontinental Hockey League, a liga dos campeões e a Victoria Cup.

Há menos de duas semanas Magnitka foi goleado (6-0) pelo Avangard Omsk, onde, curiosamente, brilham o passado (Jaromir Jagr) e, provavelmente, o futuro (Aleksei Cherepanov) dos Rangers. Na última rodada da KHL foi a vez do atual campeão russo, o Salavat Yulaev Ufa, destruir (5-1) o Metallurg no clássico da região dos Urais.

A derrota para o alviverde de Ufa fez com que os dirigentes do Metallurg adotassem um plano quase sempre infalível, em caso de vitória sobre os Rangers, cada jogador do elenco relacionado para a partida receberia US$ 100 mil, o que, segundo nossas contas, dá cerca de 99,5 mil garrafas de Heineken! Ou seja, a metalúrgica dona do time russo gastaria cerca de US$ 1,5 milhão a mais do que o prêmio a ser dado pela IIHF ao campeão do torneio.

Os Rangers também apresentam mudanças significativas em relação a sua versão 2007-08. O jogo seria uma bela oportunidade para ver a equipe após o fim do ciclo Jagr no time. Chance de ver as novas caras do elenco, como Markus Naslund, Nikolai Zherdev, Dmitri Kalinin e Wade Redden.

Mas antes do duelo com Metallurg, os representantes ianques tinham um teste. Seria com o time anfitrião da Victoria Cup.

Berna, coração do hóquei helvético, sangra
Conhecida por sua histórica neutralidade, a Suíça foi a óbvia escolha como sede da primeira Victoria Cup. E nenhuma cidade do pequeno país da Europa central vive mais intensamente o hóquei que Berna. Já citamos nessa mesma publicação o fato de que o SC Bern é a equipe que mais adeptos leva aos seus jogos em todo o velho continente. Não raro a PostFinance Arena recebe sua lotação máxima (17 mil espectadores). E isso nada tem a ver com modismo, afinal a equipe é quase tão velha quanto os próprios Rangers, tendo vencido a Liga Suíça (LNA) em onze oportunidades. Assim como Metallurg, eles também disputarão a primeira edição da Copa dos Campeões da Europa.

Mesmo assim, o time é praticamente desconhecido para os norte-americanos — o que não significa algo anormal, geralmente eles despejam ignorância quando se trata de conhecer algo de fora de seus domínios. Havia muita excitação por parte dos locais. Queriam fazer um bom papel. Mostrar a força de sua torcida e a qualidade de seu jogo. Entre os membros do time, o mais procurado para entrevistas era o defensor Phillippe Furre, recrutado pelos Rangers em 2003, que ainda espera uma chance na franquia da NHL.

Os adeptos cumpriram sua missão. Os tradicionais cantos, inclusive os ofensivos aos grandes rivais, o SCL Tigers. Mas dentro do gelo o resultado foi catastrófico.

O SC Bern manteve sua derrota um pouco digna até o início do período final graças ao arqueiro Marco Bührer, e até tentou complicar a vida dos rivais com um tento de Travis Roch. Se soubesse que seu ato acordaria a fera, Roch talvez preferisse não ter feito aquele gol.

Os americanos então pressionaram insanamente, gerando muitas penalidades por parte dos suíços — algumas de dois homens de vantagem. A equipe de vantagem numérica dos Rangers chegou com a fúria de um tornado e a coisa ficou feia nível ensaio nu artístico de Hebe Camargo com trilha sonora de Maria Bethânia. Brandon Dubinsky, dono de atuação superlativa, selou o 8-1 final com o sexto gol em vantagem numérica do time no prélio — o quarto tento da equipe, também de sua autoria, foi digno de placa na esquina da Kramgasse com a Marktplatz. Tão impressionante quanto a avalanche de gols, e o entendimento entre Zherdev e Dubinsky, foi a torcida local, que, em uma demonstração de essência tribuneira invejável, não parou um minuto de incentivar suas cores. Sem exageros, em 60 minutos os caras cantaram mais que 90% das torcidas da NHL, juntas, nas últimas 15 temporadas.

Enfim, o prato principal. Virada épica. Com “entrega” típica russa
A alta cúpula da IIHF não escondia o orgulho na cerimônia pré-jogo. Não é pra menos. O centenário da entidade vem sendo agraciado com muitas escolhas felizes. Mundial adulto de seleções no Canadá, homenagens a grandes nomes do esporte, criação da Copa dos Campeões, etc. Se muitos duvidavam do sucesso da Victoria Cup, provavelmente terão que rever seus conceitos após a entrega do troféu.

Foi um jogo não aconselhado para corações fracos. E decidido por uma falha tão infantil quanto a programação matutina do Nickelodeon.

E é impossível não começar pelo final. Um jogo como o que Metallurg e Rangers disputaram não merecia ser decidido por um erro tão crasso, porém tão medonho quanto costumeiro. A quantidade de grandes lapsos defensivos cometida por russos e, anteriormente, soviéticos, sempre foi uma mancha na gloriosa história hoqueística do país. Mesmo com tantas conquistas da seleção e dos clubes, algumas grandes derrotas ainda doem pela forma estúpida que foram originadas. Acrescente à lista o que acabou decidindo a Victoria Cup.

Com 20 segundos restando para o final da partida na PostFinance Arena, o defensor Vladimir Malenkikh deu o disco, o jogo e a Copa para Ryan Callahan. Além de ser um bom agitador, Callahan é dotado de bom controle de disco. Ele teve ao seu dispor mais do que uma espécie de "penalidade máxima", já que Andrei Mezin sequer teve tempo para se posicionar. A finta foi categórica. Disco na rede e taça nas mãos dos Rangers. Simplesmente cruel. O linha azul russo tinha várias formas decisões possíveis. Escolheu a única capaz de destruir sonhos de milhões, de Magnitogorsk a Nova Jérsei.

Apesar do presente do linha azul, de forma alguma devemos desmerecer a vitória do representante da NHL. Os Rangers castigaram a meta de Mezin em busca da virada. Foram mais de 40 chutes. Jamais desistiram. O time reverteu um grande déficit de 3-0. Sim! Além do ato filantrópico de Malenkikh, os comandados de Valeri Belusov não foram capazes de segurar uma vantagem de três gols!

Denis Platonov fez a alegria dos que viajaram de Magnitogorsk a Berna com um gol logo no segundo minuto de partida. O prospecto do Nashville Predators usou Girard como parede para iludir Henrik Lundqvist. O chute passou sobre o ombro esquerdo do sueco. Sem chance de defesa.

O mesmo não pode ser dito do segundo gol do Magnitka. Lundqvist tinha ampla visão da jogada. O chute veio de longe, sem tanta força. Mesmo assim bateu o goleiro. Ah, o anotador foi Malenkikh. Incrível como no esporte, um indivíduo pode ir de herói a vilão em um intervalo de minutos. A conta dos Rangers ficou ainda mais indigesta quando Nikolai Zavarukhin , desviando uma bomba do capitão Vitali Atyushov durante uma VN, fez o terceiro do Metallurg. O duo Kalinin-Paul Mara parecia pouco a vontade com os avanços do rápido Aleksei Kaigorodov.

Tudo parecia encaminhado para a conquista russa. Lauri Korpikoski e Callahan pareciam sabotados por Petr Prucha — como vem atuando mal o tcheco! Naslund passava mais tempo no banco de penalidades do que aproveitava os bons passe de Gomez. Até que dois apitaços vieram e os Rangers entravam novamente na disputa.

Foi no momento certo, evitando de ir para o vestiário com um 0-3. Com Zavarukhin e Kaigorodov no banco de penalidades, Drury, após passe cirúrgico de Zherdev, fez o primeiro dos Rangers. O ex-líder dos Sabres patinou até o banco do seu time e, tal como um caudilho, aos berros, exigiu uma reação. Naquele momento Drury se tornou o capitão dos Rangers. Ali ele mostrou por que cresce em grandes jogos.

Enquanto Drury fazia a adrenalina de seus companheiros subir, a turma do Magnitka parecia descansar em berço esplendido. Talvez fazendo as contas. Torrariam os US$ 100 mil extras com belas "Natachas" em alguma boate moscovita? Ou investiriam em ações da Lukoil? Comprariam a Moldávia e a transformariam em um parque temático?

Jan Marek, maior esperança de gols do Magnitka, encontrava dificuldades para chegar perto da meta adversária. Enquanto seus camaradas especulavam, Mezin sofria um bombardeio. E foi assim que um BGM-109 Tomahawk encontrou suas redes. Quem "apertou" o botão foi Dan Fritsche. O empate era questão de tempo. Chistov fez "la gran Bobby Holik" e foi para o banco por enganchar um adversário. Drury aproveitou o rebote após chute de Gomez. Tudo igual. Naquele momento um resultado justo. Nas arquibancadas, os neutros passaram a torcer pelos americanos, que devolveram emoção ao prélio.

Até que chegamos a já mencionada traquinagem de Malenkikh.

Os segundos restantes foram de puro choque para os atletas do Metallurg, incrédulos com a reação novaiorquina. Um contraste brutal com a euforia do banco dos Rangers.

Os russos Zherdev e Kalinin tiveram a honra de erguer a taça. Logo Kalinin, que é de Cheliabinsk, a mesma divisão federal russa onde fica Magnitogorsk — ele chegou a atual no Metallurg na temporada do locaute da NHL.

Pra quem continua achando que a Victoria Cup vale pouco, considere que foi a primeira conquista dos Rangers desde a Copa Stanley de 1994, ano em que conquistaram também a Divisão do Atlântico e o Troféu dos Presidentes. Além de ter enchido o time de confiança para os dois jogos em Praga contra o Lightning.

Eduardo Costa escreveu essa coluna ao som de Midnight Rider, da Allman Brothers Band.
Número 203
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Tudo perdido? Nikolai Zavarukhin vence Henrik Lundqvist. Os 3-0 pareciam garantir a conquista dos russos...
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Não tão rápido! A raça de Chris Drury supera Vladimir Mezin. É o empate dos Rangers!
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Ryan Callahan não desperdiça o presente. Com estilo ele marca o gol do título. Russos chocados!
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Desde 1994 os Rangers não erguiam um troféu de uma competição oficial. A torcida espera que a temporada siga assim.
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Dan Fritsche com o objeto de desejo nas mãos. Ao fundo a platéia da pulsante PostFinance Arena.
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Página publicada em 8 de outubro de 2008.