Por: Eduardo Costa

Entre todos os grandes enredos dessa novíssima temporada, nenhum possui tanto apelo quanto o que celebra o centenário da mais laureada das 30 equipes que compõem a rica história da NHL. Felizmente os Canadiens de Montréal chegam nessa marca única com um grupo equilibrado, talentoso e promissor, o que deve fazer com que o time mantenha-se entre os melhores da Conferência Leste.

Mas, manter-se entre os melhores é o objetivo do elenco e da torcida tricolor?

Montréal hospedará o recrutamento, o insosso Jogo das Estrelas, muitas homenagens a ex-grandes jogadores, mas a visita mais desejada é a de um troféu de 115 anos de idade, de pouco mais de 15 Kg e 89,54 centímetros de altura.

Por 24 vezes a Copa Stanley foi erguida por um capitão que vestia a Sainte-Flanelle. Cada década de existência dessa verdadeira instituição quebequense viu pelo menos uma conquista. Se quiser manter essa invejável faceta, a hora é essa. A pressão, sempre gigantesca, será multiplicada. Nada menos que a glória máxima será considerado satisfatório.

Conseguirão? Bem, essa é uma resposta que será construída ao longo da temporada, mas pelo menos nos reservamos o direito de analisar os pontos fortes e fracos do elenco.

Mentalidade ofensiva
O gerente geral Bob Gainey e o treinador Guy Carbonneau que, como atletas, eram atacantes cuja principal prioridade era o aspecto defensivo, vêm apostando em uma fórmula diferente daquela que os fizeram respeitados. A característica principal da atual versão Habitant é bem ofensiva. Buscarão o gol com suas quatro linhas — a exemplo da última temporada regular, quando foram o time que mais marcou gols em toda a liga (262). De fato, Carbonneau, de contrato renovado por mais três anos, disse recentemente que aquela velha trinca estritamente defensiva já não tem vez na NHL. Nas equipes especiais, um claro domínio da vantagem numérica sobre a desvantagem numérica, com essa primeira também tendo ficado na vanguarda da NHL em seu último capítulo (?).

Do elenco que terminou com a primeira colocação no Leste na última temporada, e que durou duas séries dentro dos playoffs, apenas um elemento de importância saiu. Três novas caras foram adicionadas. Entre elas não está o reforço que a torcida tricolor tanto queria.

A novela Sundin
Bob Gainey, encarregado desde 2003 de fazer os Habs chegarem forte à temporada dos cem anos, partiu com determinação admirável em busca da peça final do quebra-cabeça. Ninguém mais, ninguém menos, que Mats Johan Sundin. O maior pontuador da história do Toronto Maple Leafs.

Não fazendo parte dos planos do homem-forte dos Leafs, Cliff Fletcher, o sueco ganhava sua carta de alforria. Os azuis deram permissão para GG Habitant conversar com o veterano de 37 anos, mas ainda dono de grandes recursos ofensivos. Os Rangers também foram agraciados com esse direito.

A expectativa dessa adição fez com que os tricolores tivessem sonhos molhados (?). Com um grau de excitação há muito não visto na cidade — a última vez nessa escala foi quando Kimberly Franklin promoveu seu filme "Naked Ace" de uma forma bem "natural" na tradicional Boulevard Saint-Loaurent. Certamente os seguidores imaginavam o poder de destruição de um linha em que o central alimentasse o recém-incorporado Alex Tanguay e o renascido Alexei Kovalev. E, é claro, além de usufruir da frustração da torcida rival, ao ver seu ex-ídolo vestindo a camisa do inimigo de sempre.

Mas a urgência de Gainey não foi correspondida por um super indeciso Sundin, no que se tornou a mais longa, e chata, novela da pré-temporada. De fato, segundo o próprio GG, Sundin nunca deu nenhuma indicação que gostaria de atuar em Montréal — ou se até mesmo voltará a jogar hóquei profissionalmente.

O risco Lang
Tempo perdido perseguindo o sueco. Período em que alguns rivais de peso fizeram boas aquisições, deixando poucas peças disponíveis no mercado. Robert Lang, completamente negociável na cidade dos ventos, foi contratado ao alto custo de US$ 4 milhões — deixando uma pequena fatia livre de aproximadamente US$ 1,5 milhão no teto. Lang formou uma grande dupla com Kovalev nos Penguins, quando o tcheco somou 80 pontos. Pena que essa harmonia com o russo se deu na longínqüa temporada 2000-01.

Nos jogos de pré-temporada dos Habs, o central vem sendo olhado com muita desconfiança pela torcida. É visível, e era esperado, que suas pernas não acompanhariam o veloz ataque dos Canadiens; é taxado de lento pela massa, e só conseguiu mostrar suas habilidades no passe durante algumas vantagens numéricas. Lang, como fez por Red Wings e Blackhawks, deve contabilizar seus 50 pontos, ser uma boa arma nas VN's, e fazer um papel pouco decisivo quando a coisa começar a valer de verdade.

Primeiro pelotão
Mesmo sem o reforço de seus sonhos, o treinador Guy Carbonneau confia no grupo, segundo ele com profundidade suficiente para brigar pelas posições mais altas. Carbo tem feito um ótimo trabalho com a equipe, tanto que teve seu contrato estendido nessa semana. Poucos esperavam que o time abocanhasse a primeira posição do Leste na última temporada. Ao fazê-lo o crédito dele subiu consideravelmente — ficou em segundo lugar na briga pelo Troféu Jack Adams.

Um dos grandes feitos de Carbonneau foi ter "ressuscitado" Kovalev. Poucos esperavam que o russo voltasse a ser protagonista na NHL. Aos 35 anos, e com histórico de egoísmo e difícil trato, o atacante passou dos 47 pontos da temporada retrasada, para 84 na última. Poucos têm o controle de disco desse indivíduo. Quando ele usa esse dom para o bem do time, todos saem ganhando. Deve continuar sendo o líder da grande equipe de vantagem numérica Habitant. No entanto, é complicado apostar em uma produção tão elevada quanto a de 2007-08.

Kovalev retornou a um alto patamar graças também ao inspirado hóquei do velocíssimo ponta Andrei Kostitsyn, com quem compartilhou o mesmo gelo. Quer ver uma mostra brutal de habilidade? Veja o bielo-russo controlando o disco enquanto patina em alta velocidade. É um Alexander Perezhogin 2.0. Mais objetivo e menos irresponsável, embora ainda tenha que mostrar mais na zona defensiva. Com um time com grandes passadores, Andrei deve ultrapassar a marca dos 30 tentos nessa temporada. Apesar de ter somente 23 anos, respondeu bem quando foi colocado em situações críticas na série contra os Bruins.

O duo eslavo conta com a companhia de Tomas Plekanec, um central de pouca estatura, mas responsável pelo trabalho sujo de sua linha. É desses atletas que pouco ganha destaque na mídia, mas que tem grande importância para o equilíbrio de sua unidade. Homem importante nos faceoffs e que vem mostrando regularidade e durabilidade desde que Carbonneau assumiu a equipe.

Capitão e seus asseclas
O provável segundo combo Habitant recebeu o reforço de Alex Tanguay. O franco-canadense vem de uma temporada apenas mediana pelos Flames. Sua marca de 58 pontos (apenas 18 gols) não foi condizente com seu morbidamente obeso contrato de US$ 5,25 milhões. Por falar nele, o atleta terá o passe livre ao final da temporada. Geralmente isso gera ($) uma motivação ($), que impulsiona ($) a produção ($) do profissional de hóquei na NHL. E ele precisa de todas as motivações do mundo. Boa parte da imprensa de Montréal tem como passa-tempo predileto acompanhar o que os grandes recebedores do elenco andam fazendo para merecer seu soldo. Ninguém esquece que Tanguay marcou duas vezes em um jogo sete de final de Copa Stanley. É para decidir grandes embates que ele foi contratado.

É muito provável que Saku Koivu e Christopher Higgins sejam os companheiros do ex-Avs.

O finlandês dispensa comentários em relação à sua liderança e comprometimento. Desde 1999 é o capitão desse time e um dos mais respeitados atletas da província. Mas Koivu não quer ficar marcado por ser o capitão da década menos vitoriosa do time — em termos copeiros. Deve ser sua última grande chance em Montréal, até porque é seu último ano de contrato. Apesar de ser vulnerável a contusões, passou imune na última temporada. Mas também viu sua somatória de pontos cair de 75 para 56. O bom chutador Tanguay deve tirar proveito da criatividade de Koivu.

Já Higgins é uma das vacas sagradas do elenco. Marian Hossa só não foi parar em solo quebequense no último dia limite de trocas porque Don Waddel fazia questão de ter o jogador no pacotão destinado aos Thrashers. Gainey não sucumbiu e o ponta-esquerda entra em seu quinto ano com os Habs buscando se estabelecer como o mais versátil atleta do elenco. Apesar de ser um bom jogador em ambos os extremos do gelo, mostrou pouca eficiência matando penalidades na última temporada. Se mostrar mais nessa área, teremos a resposta do porque Gainey não apertou o gatilho no caso Hossa.

Outro membro que vem elevando sua versatilidade e pode aparecer eventualmente na segunda linha é Sergei Kostitsyn. Não é tão hábil quanto o irmão, Andrei, mas possui melhor senso e é mais responsável no setor defensivo. Existe a chance de ser utilizado a partir do ponto, desde que perca o inexplicável medo de chutar o disco. Vimos esse experimento acontecendo nos jogos de pré-temporada. A lacuna deixada pelo o polivalente suíço Mark Streit, que aproveitou seu passe livre para ganhar seus milhões no New York Islanders, está aberta. Se o mais jovem dos Kostitsyn aproveitar, terá um papel bem importante no centenário.

Energia e capangas (?)
Com tantos atletas de estatura mediana e de jogo refinado, foi preciso adquirir alguém para acompanhar Tom Kostopoulos, na função de policiar o gelo dos Canadiens. Mike Komisarek passou um bom tempo no banco de penalidades, mas é bem mais útil atuando do que de castigo. Por isso chegou Georges Laraque, que apesar de não ter demonstrado muito nos Penguins, ainda tem certa capacidade de criar espaço no gelo, além de ser um pugilista respeitado entre os adversários. Maxim Lapierre, Steve Begin e Guillaume Latendresse são os homens que brigarão mais nas bordas. Begin chegou a flertar com o Troféu Selke há algumas temporadas, mas caiu muito de produção.

Latendresse é um caso à parte. Após um grande campo de treinamento há duas temporadas, ganhou a idolatria da torcida. Mas ainda não mostrou a que veio na NHL. Patrick Roy certa vez disse que apenas por ser francófono, Latendresse era mantido na equipe principal, ao invés de ir aprimorar seu jogo nas ligas menores. O fato é que o jovem ainda peca na leitura da jogada, causando impedimentos e se posicionando mal no gelo, o que acaba não compensando sua entrega nas laterais e sua boa tarefa em frente da meta adversária. Kyle Chipchura, de características não muito diferentes, não recebe a mesma quota de oportunidade. Vale lembrar que Chipchura é de Alberta.

Defesa rasa
Se na frente a profundidade é uma realidade, na defesa a situação não é tão prolífera. A equipe perdeu o já mencionado Streit, um especialista em vantagens numéricas, e que também atuava como atacante. O suíço foi o terceiro maior pontuador do time na última temporada. Sua saída aumenta a responsabilidade de Andrei Markov. O linha azul russo é o principal nome do time em sua própria zona e continuará sendo o homem que carregará o disco até o ataque nas situações de VN. Após a saída de Sheldon Souray, em 2007, passou a chutar mais, e com isso apresentou os melhores números de sua carreira.

Se Markov é a classe, Mike Komisarek é a brutalidade em pessoa, o que faz com que a primeira dupla de linhas azuis dos Habs seja bem balanceada. Contra os Red Wings, na pré-temporada, Komisarek aplicou onze trancos. Nada de raro para ele. Defensor no mais fiel sentido da palavra, liderou a NHL em chutes bloqueados (227) e foi segundo em trancos (226) na última temporada e raramente aparece contribuindo perto do gol inimigo. Amparado pelos seus 109 Kg e 1.93 m, é praticamente impossível escapar quando já se está na mira do americano.

Roman Hamrlik é uma mescla entre Markov e Komisarek, mas sem ser realmente excelente em nenhuma das características. Dono de um astronômico salário de US$ 5,5 milhões, é o melhor patinador entre os zagueiros, possui um bom chute, mas não raro tem apagões que comprometem seu desempenho dentro de um jogo. Deverá ter como companheiro o jovem Ryan O'Byrne, que é um grande batedor de carteira. Não, não me refiro a roubar discos. O'Byrne foi preso em fevereiro último, após furtar uma mulher em um bar em Tampa, Flórida. Foi a única coisa de destaque (?) em sua passagem pelos Canadiens até agora.

As duas vagas restantes devem ficar entre Francis Bouillon, Josh Gorges e do imortal Patrice Brisebois. Bouillon tem vantagem nessa briga. É um atleta que controla bem o tempo do jogo e que não foge da confrontação física, apesar de sua baixa estatura. Já Brisebois é amado em Montréal. Isso, é claro, se amado significar ser odiado com todas as forças. O velho "Breeze-Boo" continuará a existir na cidade para desespero de muitos. Pelo menos ele agora consome uma pequena fatia do teto salarial.

No cômputo geral é uma boa defesa, mas uma contusão de um dos três principais elementos pode comprometer toda a temporada.

A esperança
Por último a profissão mais vigiada e cobrada em Montréal. Gainey fez uma aposta arriscada ao mandar Cristobal Huet para os Capitals no último dia limite de trocas. O goleiro do futuro passou então a ser o presente. Carey Price apresentou ótimos números e atuações durante o restante da temporada regular, alimentando ainda mais as comparações com Ken Dryden e Patrick Roy, dois novatos que levaram os Canadiens à conquista da Copa Stanley.

Nos playoffs ele brilhou no jogo 7 contra os Bruins. Defendeu todos os 25 chutes na vitória por 5-0 no Bell Centre, aumentando ainda mais as expectativas. Mas aí veio o pesadelo chamado R. J. Umberger. A série contra os Flyers foi uma tortura. Começou com uma vitória apertada, mas depois desandou brutalmente. Após sofrer três gols em 12 chutes, Price foi sacado do jogo 3. Voltou apenas na partida 5, onde os nervos falharam novamente.

Apesar dessa traumática experiência é inegável o talento do garoto, que deverá ser o titular indiscutível dessa nova campanha tricolor. A forma física apresentada ao chegar ao campo de treinamento mostrou que, em vez do abatimento, Price se preocupou em estar pronto para o desafio. A parte emocional só será testada quando os playoffs chegarem, porque é lá que os grandes goleiros aparecem.

Sua sombra na meta será o eslovaco Jaroslav Halak, que quase sempre mostra serviço quando chamado. Ao contrário de Price, ele não tem uma estatura grande, então faz do bom posicionamento sua melhor arma.

Os Habs quase sempre tiveram força nessa área. Nada menos que 28 Troféus Vezina foram conquistados por seus goleiros ao longo da história. Price é o jogador fundamental nas pretensões copeiras da organização. Todos os analistas que apostam no time, o fazem por acreditar no potencial do jovem e também em Halak.

Rivais
Mas, realisticamente, as chances de Montreal vencer a Copa Stanley são boas? Digo que as chances de uma final no Leste são bem possíveis. Os times da Pensilvânia continuarão a ser ameaças, mas os Penguins perderam algumas peças em relação aos últimos playoffs, e os Flyers agora estão sem o carrasco Umberger, que apesar de não ser um atleta de elite, mostrou ter não apenas estrela, mas uma constelação quando encarou os Habs.

As maiores pedras no caminho dos Canadiens estão no Oeste. Ou, até mesmo, nos próprios Habs, já que, além do centenário, existe a longa seca de conquistas, que vem desde 1993.

Até sabermos o desfecho de tanta especulação, muita coisa vai rolar. Nada impede, porém, de acompanharmos essa "estrada para a 25.ª Copa" de modo bem íntimo.

Eduardo Costa saúda o nascimento de seu futuro patrão, Guilherme Giesbrecht.
Número 203
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Carey Price terá os holofotes sobre si. O jovem busca dar ao time a 25.ª Copa em um ano pra lá de especial.
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Alexei Kovalev: principal arma ofensiva de um time rápido e talentoso.
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Página publicada em 8 de outubro de 2008.