É estranho associar a palavra sorte com o que aconteceu a Richard Zednik mas, considerando as conseqüências que um corte na artéria carótida, responsável por levar sangue do coração para o cérebro, pode causar, fica inevitável deixá-la de lado ao sabermos que o atleta do Florida Panthers já não corre risco de vida.
Tanto quanto é inevitável não associar o que aconteceu no último domingo em Buffalo ao incidente que chocou o mundo do hóquei há quase duas décadas na mesmíssima cidade.
O rastro de sangue deixado por Zednik causou horror e trouxe consigo lembranças da cena dantesca ocorrida em 22 de março de 1989, no Memorial Auditorium, quando o ex-goleiro Clint Malarchuk teve a veia jugular cortada. Apesar de ter gerado imagens menos fortes, é incrível saber que Zednik esteve bem mais perto da morte do que Malarchuk.
A garra de Zednik que, segundos após ser atingido pela lâmina do patim de Olli Jokinen, já estava ultrapassando os limites do banco dos Panthers, praticamente por esforço próprio, privou, felizmente, o mundo do hóquei de um cenário idêntico àquele da noite no 'The Aud'.
Malarchuk, por sua vez, permaneceu um tempo considerável no gelo após o defensor Uwe Krupp elevar Steve Tuttle do St. Louis Blues, cujo patim acertou o pescoço de Malarchuk. Tempo suficiente para o goleiro ter certeza que vivia seus momentos finais e lutar para sair do gelo, o que impediria a mãe, que o assistia pela TV, vê-lo morrer em rede nacional. Dois fãs presentes na arena foram hospitalizados após sofrerem ataques cardíacos e alguns atletas dos Sabres também passaram mal.
Por ter ganho companhia nesse pouco nobre capítulo da história da NHL, Malarchuk, atualmente treinador de goleiros do Columbus Blue Jackets, foi muito requisitado pela imprensa após o incidente envolvendo Zednik. Ele assumiu que precisou de 48 horas para acumular coragem para assistir ao vídeo do eslovaco, e só o fez após garantirem que as imagens não eram tão fortes quanto as de seu "acidente", e que não havia muito sangue "envolvido".
"Tenho certeza que algumas pessoas que estavam no [Memorial] Auditorium quando eu me machuquei, também presenciaram o incidente que envolveu Richard," disse Malarchuk. "Lembro do pânico e medo nos olhos das pessoas. É algo que envolve grandes possibilidades de morte, e isso é traumático", completou o ex-Sabres. "Não apenas traumático para o Richard. É traumático para seus companheiros de time, família, os fãs que estavam bem próximos."
E de todos os companheiros de Zednik, o mais afetado, por razões óbvias, era o capitão Olli Jokinen.
Primeiro o finlandês percebeu a lâmina de seu patim esquerdo coberto de sangue. Depois se virou e viu que sangue esguichava do pescoço do veterano eslovaco. Por esses e outros motivos, Jokinen desejou que a partida acabasse naquele exato momento.
Os 9:56 minutos restantes só foram concluídos após Colin Campbell, presente na arena para ver seu filho, Gregory, atuando pelos Panthers, receber informações vindas do Buffalo General Hospital, que diziam que a situação de Zednik estava sob controle.
Mesmo com essas novas, Jokinen não via clima para continuar a jogar hóquei. Ele deixou isso claro na coletiva de imprensa que se seguiu. E também mostrou alta dose de abatimento, só alterando o tom de voz quando um repórter perguntou sobre o quão assustador foi o incidente. A pergunta infeliz recebeu uma resposta pra lá de irada por parte do capitão.
Difícil imaginar palavras certas e suficientes para explicar algo que teve uma participação integral do próprio Jokinen. Fácil é imaginar o alívio dele ao ver que cada boletim médico traz boas novas sobre o companheiro.
É bom dar crédito também a quem merece. Além da sorte, Zednik contou também com uma equipe médica competente e preparada para enfrentar um caso extremo como esse. O que aconteceu também com Malarchuk, que quatro dias após quase morrer já estava de volta aos treinamentos.
E se isso ocorresse em uma liga sem tanta projeção, e conseqüente estrutura, como a NHL? Infelizmente não precisamos imaginar, basta lembrar o triste caso que aconteceu na Allsvenskan, a segunda divisão do hóquei sueco.
Ex-companheiro de Mats Sundin no Djurgården, clube de Estocolmo, no final dos anos 80, o atacante Bengt Åkerblom também foi vítima de um corte na artéria carótida. Foi durante uma partida amistosa entre seu time, Mora Ik, e o Brynäs Gävle IF no Mora Ishall, em outubro de 1995. Assim como aconteceu com Zednik, foi um companheiro de time, Andreas Olsson, quem atingiu Åkerblom. O atleta de 28 anos só começou a receber a assistência devida no hospital de Mora. Tarde demais. Acabou falecendo devido a uma perda considerável de sangue.
O que fica de tudo isso é a certeza que em algum momento teremos mais uma atleta nessa situação extrema. Resta torcer ferozmente para que o final seja como o de Zednik e Malarchuk, e não como o de Åkerblom.
Ah, claro, o placar final do jogo entre Sabres e Panthers ficou... nem, duvido que isso tenha alguma importância.
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