Não deixa de ser curioso que uma das primeiras partidas de hóquei a
que assisti na ESPN, há coisa de 14 ou 15 anos, tenha sido um Sabres
x Penguins em Buffalo. Não por essa coincidência em si, mas porque eu
me lembro muito bem da abertura da transmissão, que trazia uma imagem
do centro da cidade coberto de neve, enquanto o narrador dizia que lá
fora nevava e fazia muito frio, mas, lá dentro, estava confortável e
quentinho. Corta para a semana passada, e vemos um cenário parecido
no centro da cidade, mas no local onde a ação esportiva se desenrolava
poucos podiam dizer que estavam confortáveis e quentinhos.
Com tanta gente (ainda que congelando) nas arquibancadas e tanto destaque
em mídias que normalmente ignoram o hóquei, é difícil dizer que o Clássico
de Inverno da NHL foi um fiasco. Realmente, não foi, a não ser de um
único ponto de vista: o que enfoca estritamente o hóquei no gelo. Mesmo
assim, não foi um desastre. Se pararmos para pensar, apesar das intempéries,
o gelo não ficou tão pior do que fica em um jogo em Dallas ou Miami.
A diferença é que nessas quentes localidades o trabalho do zamboni dura
mais tempo. Ou seja, com poucos minutos em cada período, já se acumulava
neve no gelo, o que prejudicava trocas de passes e a própria condução
do disco, mesmo com a intervenção mais freqüente do maquinário.
O parágrafo anterior, meio mal-humorado, serviu apenas para explicar
o magro placar de 1-1 no tempo normal. Mas a idéia foi boa, criou um
burburinho em torno do hóquei que há muito não se via e ainda trouxe
um ar nostálgico de volta às raízes para o esporte. Se o preço disso
são 3,599 gols, e em apenas uma partida, eu estou disposto a pagar.
Ainda mais com um final como o da partida da semana passada.
Eu não sou o maior dos fãs das disputas por pênaltis. Acho até divertidinhas,
não mais do que isso, e comemoro muito o fato de elas passarem longe
dos playoffs. Isto posto, algumas têm tido finais espetaculares. O primeiro
que sempre vem à mente é aquele chute de Marek Malik, dos Rangers, por
entre suas próprias pernas, em novembro de 2005. O segundo que vai vir
à mente a partir de agora é o gol de Crosby que decidiu a partida ao
ar livre.
Talvez ele não tivesse mesmo nada a perder. Talvez toda a jogada tenha
sido a mera correção de um erro. Talvez o goleiro Ryan Miller tenha
falhado em sua saída. Nada disso importa, porque a jogada foi memorável.
Não faltaram nem aqueles brevíssimos instantes em que toda a torcida
ficou na dúvida se o disco tinha entrado ou não, depois de um anda-e-pára
aparentemente sem fim no taco de Crosby. Como cobertura do bolo, foi
o gol decisivo, que levou a uma comemoração entusiasmada de jogador
e torcida.
Certamente não foi o gol de pênalti mais espetacular da história, mas
foi um gol diferente e teve todos os ingredientes adicionais que eu
citei no parágrafo anterior. E os toques especiais não ficaram limitados
a esse lance específico. O palco rendeu fotos quase surreais, ambos
os times entraram no gelo com belos uniformes nostálgicos, via-se fumaça
sair da respiração dos jogadores... Até o índice de audiência da partida
foi bem maior do que a liga esperava!
É verdade que o jogo ao ar livre de pouco mais de quatro anos atrás
atraiu muito mais atenção, mas ele foi disputado no Canadá, e boa parte
dessa atenção veio de lá. Desta vez, o Canadá falou muito da partida
(vários jornais de lá deram grande destaque em suas capas), mas os Estados
Unidos também falaram bastante.
No Brasil, a TheSlot.com.br está dando o mesmo destaque que deu em 2003,
mas um site do porte do Terra chegou a colocar uma foto da partida em
sua home page de esportes. A matéria continha erros — depois corrigidos
— e possivelmente serviu de base para a nota que o diário Lance
publicaria no dia seguinte — sem a correção dos erros e sem o
resultado do jogo. Até o Globo Esporte deu a notícia. Não que se possa
esperar alguma mudança nesse panorama, já que a mídia tupiniquim continuaria
solenemente ignorando o hóquei no gelo, não fosse o Clássico de Inverno
uma partida especial.
Quer dizer, especial, mas nem tanto. Não teve nada de amistoso nesse
jogo, porque, como em 2003, as duas equipes enfrentando o clima estavam,
sim, brigando por dois pontos. Menos mal que ambas as equipes ganharam
pelo menos um, mas, graças às condições adversas de jogo, se o ponto
que os Sabres deixaram escapar fizer falta em abril, não há dúvidas
que sua torcida irá ficar se perguntado se as coisas não teriam sido
diferentes dentro da HSBC Arena.
Independentemente de como a torcida em Buffalo se sentir, já há negociações
para uma nova empreitada ao ar livre. O primeiro na fila é o Montreal,
que no ano que vem completará cem anos e imagina um evento desse porte
como parte das comemorações. Boston, Chicago, Denver, Nova York, Pittsburgh
e Toronto também já demonstraram interesse. Ainda não há nada garantido,
mas podem estar certos que esta não foi a última vez que vimos fumacinha
sair da boca dos jogadores.
Plano de contingência
Se o tempo não tivesse colaborado, a NHL já tinha um plano de contingência
para o Clássico de Inverno. Algumas delas:
— O resultado poderia ser oficializado em qualquer ponto depois
de dois períodos.
— Se o placar estivesse empatado quando isso acontecesse, cada
um dos times receberia um ponto na tabela. Se as condições climáticas
permitissem, haveria uma disputa por pênaltis; caso contrário, ela seria
realizada antes do próximo jogo entre Sabres e Penguins na HSBC Arena,
em 17 de fevereiro. Essa opção seria, no mínimo, curiosa.
— O comissário Gary Bettman teria autoridade para alterar a duração
de cada período ou o formato da partida, se achasse apropriado. Essa
decisão foi a mais estranha de todas.
— Caso a partida tivesse de ser adiada, seria disputada no dia
seguinte, também no Ralph Wilson Stadium. Se essa partida também tivesse
de ser adiada, o confronto teria de ser marcado para a HSBC Arena, em
data não definida. E nós também perderíamos uma grande capa.
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![]() Panorâmica do estádio onde foi realizado o Clássico de Inverno da NHL, no primeiro dia do ano. 01/01/2008 |