Desde que Scotty Bowman se aposentou, em junho de 2002, após vencer mais uma Copa Stanley, é consenso entre os fãs e jornalistas que Lindy Ruff herdou o posto de melhor treinador da liga. Há poucos dias essa idéia foi ratificada, quando a NHL realizou uma enquete em sua página
perguntando qual treinador os fãs gostariam de ter em seu time numa eventual final de conferência. Ruff derrotou com folga os três concorrentes, Mike Babcock, Randy Carlyle e Bryan Murray.
Entretanto, o Buffalo Sabres, o time liderado pelo aclamado treinador e com um elenco de dar inveja, está com a corda no pescoço no duelo contra o Ottawa Senators. A eliminação está diante dos olhos de Ruff.
Os Sabres se consagraram como o melhor time da temporada regular, mas não sobraram na primeira rodada contra o New York Islanders como era de se esperar, nem foram absolutos contra o New York Rangers. Na verdade neste último confronto até sofreu alguma pressão quando os Rangers empataram a série após quatro jogos.
Tudo isso seria diferente, no entanto, se Ruff escalasse o que há de melhor em Buffalo. Esse assunto tem passado despercebido pela imprensa internacional, mas não por nós colunistas de TheSlot.com.br, que somos pagos (mentira!) para escrever a verdade, mesmo que absurda. E a verdade é que Ruff não convocou para nenhum dos jogos nos playoffs o grande jogador do time.
Pensou em Chris Drury? Não, esse está jogando. Daniel Briere, Maxim Afinogenov, Brian Campbell, Teppo Numminen, Ryan Miller... todos esses coadjuvantes também estão jogando. O mundo do hóquei chora a ausência da grande estrela, o maioral, Andrew Peters.
Peters participou do recrutamento de 1998. Foi o ano em que Vincent Lecavalier foi recrutado com a primeira escolha, Alex Tanguay com a 12.ª, Simon Gagne com a 22.ª e Scott Gomez com a 27.ª. Peters passava escolha por escolha sem ter seu nome pronunciado. Na verdade o jogador não estava entre os primeiros nas listas de calouros elaboradas por especialistas. Na temporada que se encerrara, ele havia se destacado por seu jogo físico, não por sua produção ofensiva. Mas o gerente geral Darcy Regier, enxergando em Peters um fenômeno, o selecionou com a 34.ª escolha geral, na segunda rodada.
Nunca houve motivos para arrependimentos, até porque seguindo a ordem do recrutamento, não houve nenhum bom jogador selecionado dali em diante, exceto por Mike Fisher (44.ª), Brad Richards (64.ª), Erik Cole (71.ª), Brian Gionta (82.ª), Andrei Markov (162.ª) e Pavel Datsyuk (171.ª), entre outros.
Peters é goleador. Na vitória sobre o Philadelphia Flyers, em 20 de fevereiro, Peters deixou sua marca, quase três anos depois de seu último gol. Foram 76 jogos sem marcar, mas todo grande atacante passa por uma fase na carreira em que o disco teima em não entrar. Aliás, 76 também é a camisa do craque, escolhida através de um complexo processo técnico-científico, no qual Peters multiplicou por dois o número anterior, 38, usado na AHL. Pode parecer simples, mas experimente perguntar a jogadores como Marty McSorley, Donald Brashear ou Chris Simon quanto é 38 x 2.
De gol em gol, Peters já soma três na carreira, sendo um em rede vazia. Isso não é um demérito. Os gols sem goleiro de Mario Lemieux eram festejados.
Além de goleador, ao longo dos 128 jogos de sua carreira Peters demonstrou que a precisão nos passes é uma de suas maiores qualidades. Pergunte a Ales Kotalik. No dia 26 de dezembro, ele recebeu o disco do camisa 76 para em seguida servir Drury no gol. Não fosse pelo início da jogada, o gol não teria saído. Foi a primeira e única assistência de Peters na NHL porque o jogador tem faro de gol e sempre prefere chutar a passar o disco (seus 44 chutes comprovam a afirmação). Mas quando passa, é meio gol.
Peters é um grande companheiro de equipe e um lutador (literalmente). Com 1,93 m e 105 Kg, o jogador está sempre disposto a interceder pelos menos favorecidos fisicamente. Por diversas vezes puniu os adversários que se aproximaram dos atacantes habilidosos de seu time. Em outras tantas o fez para deleite próprio. Nos últimos três anos Peters brigou 48 vezes em jogos de temporada regular, um número infinitamente maior que o somatório de brigas de todo o elenco do Detroit Red Wings na última década.
Conjugando o que os torcedores mais gostam de ver, gols, assistências e brigas, Peters recebeu o apelido de "horário nobre". No gelo ele é a maior atração. Fora dele mostrou seu lado humano, passível a erros, mas sendo homem o suficiente para assumi-los.
Em agosto de 2005, Peters tornou-se o primeiro jogador da NHL a admitir o uso de um suplemento para melhorar a performance. Entre maio e agosto de 2003 ele tomou androstenediona, com a finalidade de se preparar para a pré-temporada e de ajudá-lo a se recuperar de contusões no ombro e no tornozelo. Nesse período ganhou 11 Kg e em setembro conquistou uma vaga no time titular dos Sabres. Peters suspendeu o uso após a proibição de venda do esteróide e não infringiu qualquer regra da NHL à época. Desde então é um jogador limpo.
Reza a lenda, ainda, que certa vez, Peters, atuando no Rochester Americans da AHL, brigou com seu próprio irmão, Geoff. Em entrevistas após o jogo, Andrew afirmou que não sabia que o oponente era o seu irmão.
Mas a história mais incrível desse personagem folclórico não é contada por seus gols, sua única assistência ou as inúmeras brigas.
Há pouco mais de um ano, no dia de 16 de abril, os Sabres humilharam o Toronto Maple Leafs por 6-0, encerrando as chances da equipe canadense se classificar aos playoffs. Faltando cinco minutos para o fim do jogo, Peters e Wade Belak discutiram e por pouco não brigaram. Afastado pelos árbitros, Peters fez o que somente um fenômeno faria: ele jogou golfe. Wayne Gretzky nunca jogou golfe no meio de uma partida de hóquei. Gordie Howe, Bobby Orr e Patrick Roy também não. Em clara provocação ao adversário, Peters demonstrou para o elenco dos Leafs qual o caminho após a eliminação. Os árbitros não gostaram e alegando falta de respeito penalizaram o jogador por má conduta. Ao patinar em direção ao vestiário, Peters ergueu a mão e acenou para o banco de reservas dos Leafs, despedindo-se. Um categórico adeus.
O gesto de Peters traduzia o sentimento de todos os fãs de hóquei no mundo. Exceto, claro, os de Toronto.
Dias depois o Buffalo iniciou sua corrida nos playoffs sem reconhecer o seu grande herói. Sem Peters no gelo por sequer um jogo, o resultado de tamanha soberba não poderia ser outro: eliminação nas finais de conferência. A história se repete em 2007. Os Sabres estão caindo nas finais de conferência sem apelar para o grande jogador do time. Justo na hora em que os heróis gostam de brilhar.
Mas Peters ainda será reconhecido em Buffalo e em toda a NHL. Em 2019, na edição número 576 de TheSlot.com.br, Peters será o assunto da coluna de Marco Aurelio Lopes, que conta a história dos maiores jogadores de todos os tempos. Aguarde.