É fácil olhar para as patetadas da NHL nos últimos anos (décadas?) e notar que há algo de podre no reino de Gary Bettman. Ora, é só olhar para algo recente como
a votação para o Jogo das Estrelas, que se percebe como a liga consegue sempre se superar em desastres de relações públicas.
Mas é preciso também reconhecer quando ela acerta, e parece que acertou no caso dos novos uniformes. Quando ouvi falar sobre eles, gelei. Achei que a tradição fosse ser jogada na privada e tocassem a descarga. Achei que viesse alguma coisa surreal, algo como uma camisa de futebol, mais pegada ao corpo e bem mais leve.
Só que não é nada disso. A camisa é, sim, um pouco mais pegada ao corpo, mas a primeira impressão ao se ver as fotos é de que não mudou muita coisa. A pegadinha, por enquanto, é que só liberaram fotos das camisas do Jogo das Estrelas, tradicionalmente feias e que não têm tanto em comum em termos de visual com as camisas dos times. Nesse ponto, é esperar para ver.
O que a Reebok desenvolveu foi o que eles chamam de um "sistema de uniforme". A designação de "sistema" dá um ar meio científico à coisa, mas, de acordo com o fabricante, não é só jogo de marketing. Foi divulgada toda uma gama de estatísticas para reforçar essa noção: comparadas com as camisas atualmente em uso, as novas são 14% mais leves no começo do jogo, 25% mais leves no final, porque não absorvem tanta umidade, 10% mais frescas e, de acordo com pesquisas em túneis de vento (!) feitas pelo tarimbado pessoal do MIT, 9% mais aerodinâmicas.
Tudo isso significa que o ponta direita Alexei Kovalev, dos Canadiens, deve, ao menos em tese, chegar à linha azul ainda mais rápido do que o faz hoje, antes de prender o disco por 89% mais tempo do que o necessário, como sempre.
Comparado com idéias de marketing terríveis nas últimas décadas — o novo Guaraná Brahma, em meados dos anos 90, o Windows ME, o disco brilhante da Fox nas transmissões de TV — o "sistema de uniforme" não deverá suscitar a velha pergunta: "O que eles estavam pensando?" Os novos uniformes da Reebok (mais ajustados ao corpo do que os modelos atuais e feitos de fibras sintéticas diferentes) são à prova de balas, ao menos metaforicamente, porque o público, nesse caso os jogadores, deu a sua opinião ao longo do processo de design, que deve gerar poucas reclamações.
Outra percentagem a se destacar é a que reserva 54% da receita bruta para os jogadores no atual Acordo Coletivo de Trabalho. É óbvio que a evolução dos tacos de madeira para os de microfibras de carbono e o abandono das proteções de goleiros feitas de couro animal em favor de materiais mais leves teve um impacto maior no jogo em si do que o "sistema de uniforme" deverá ter, mas os novos uniformes (76% mais repelentes à água) representam uma grande idéia no sentido econômico da coisa.
A liga poderá explorar a demanda pelas novas camisas (junto com algumas mudanças de logotipo esperadas para a próxima temporada) e ainda dar às antigas um ar
retro chic. E isso não tem nada a ver com moda — a maioria esmagadora dos dirigentes não sabe distingüir o estilista Alexandre Herchcovitch do atacante Alexander Semin —, mas, sim, com dinheiro. Grana. Arame. Bufunfa.
Muitos podem contestar, mas as camisas mais arrojadas podem ainda dar um novo fôlego à imagem da liga, algo que a NHL quer (veja bem: querer é bem diferente de conseguir, haja vista o tal
Rorygate abordado também nesta edição) desesperadamente desde o locaute que eliminou a temporada de 2004-05. A NHL e a Reebok inicialmente esperavam que as novas camisas ficassem prontas para o retorno pós-locaute, 16 meses atrás. Em meados de 2004, já esperando uma paralisação, a NHL finalmente pensou com o cérebro e decidiu contratar a IDEO, a gigante do design industrial que desenvolveu o primeiro mouse da Apple, para arranjar novas idéias de como apresentar o esporte de uma maneira diferente, incluindo um maior foco nos jogadores.
Para uma liga que por décadas tem sido conservadora ao extremo em seu planejamento, novos uniformes são um passo à frente correto. Outro passo à frente foi decidir não aumentar o tamanho dos gols, idéia que vinha ganhando alguma força nos últimos tempos, mas que acaba de ser repelida pelo comitê gestor da liga, que também divulgou não ter interesse em no realinhamento de divisões que chegou a ser divulgado há algumas semanas (abordado por nós no Disco Riscado da
edição número 139).
Por outro lado, pode ser considerada um passo atrás a decisão de não mexer na tabela das divisões para a próxima temporada. Com isso, cada um dos times continuará a jogar oito vezes contra cada adversário de divisão, só visitará cada time da conferência oposta uma vez a cada três anos e deixará de enfrentar uma divisão da conferência oposta por ano. Tudo isso vinha recebendo inúmeras críticas nos últimos meses, mas a liga achou melhor não mudar nada. "Nós meio que gostamos de como está", disse Bettman.
Nós, torcedores, é que não gostamos. Mas, como ficou comprovado na votação para o Jogo das Estrelas, quem disse que a NHL se importa conosco. Só com o nosso dinheiro.