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30 de maio de 2003
New Jersey Devils: do inferno ao paraíso

Por Eduardo Costa

Apesar de ser considerado uma cara mau e de poucos amigos, o diabo já recebeu algumas homenagens no planeta Terra. De algumas ele deve ter se orgulhado, como por exemplo, quando os Rolling Stones compuseram a fantástica Sympathy for the Devil ou o AC/DC as não menos brilhantes Highway to hell e Hell's Bells. Na NHL ele foi lembrado quando o super penalizado e sujo Dale Hunter, ganhou o belo apelido de "príncipe das trevas". Mas quando alguém resolveu dar seu amaldiçoado nome a uma das piores franquias da NHL, o Tinhoso não deve ter ficado nada satisfeito.

O New Jersey Devils, hoje um dos mais vitoriosos e temidos times da liga, já foi considerado uma desgraça pelo maior jogador (ou pelo menos maior pontuador) da história da NHL, do qual ganhou o pouco prestigioso apelido de organização, Mickey Mouse. Colecionou vexames e derrotas históricas até alcançar um grau mínimo de respeitabilidade e, depois de muito penar, chegar a vitória da Stanley Cup em 1995. Vamos tentar, em poucas palavras (bem, nem tão poucas assim), lembrar esse episódio, os primeiros sinais de melhora e dar destaque à primeira Stanley Cup conquistada pela equipe de East Rutherford.

Antes mesmo de se transferir para Nova Jersey em 1982, a franquia colecionava maus resultados e já havia mudado de cidade uma vez, de Kansas City (KC Scouts) para Denver (Colorado Rockies). Em oito temporadas só havia chegado à pós-temporada em uma. Seus primeiros anos na costa leste também não foram nada animadores, mas um acontecimento em particular resume toda a mediocridade que os Devils representava em seus primeiros anos de vida.

Foi contra os fortíssimos Oilers, no Northlands Coliseum de Edmonton, em 19 de novembro de 1983. No gol dos Devils, Ron Low, um velho conhecido dos Oilers, onde jogou por quatro temporadas antes de ser mandado para o "exílio" em New Jersey. Por mais que seus ex-companheiros gostassem dele, eram profissionais com um dever a cumprir e golear os Devils era obrigação naquela época. Nos primeiros dois períodos Low foi vazado oito vezes.

O treinador MacMillan se sentiu na obrigação de poupar o goleiro titular, e colocou Glenn "Chico" Resch para atuar no terceiro período. O ex-goleiro do New York Islanders, e ídolo de nosso colunista Junior MecWhalers, sofreu ainda cinco gols em vinte minutos. No final da partida os 13-4 significava a pior derrota da franquia, marca que dura até os dias atuais.

Mas o pior estava por vir. Na conferência de imprensa, Wayne Gretzky, como sempre, era o mais assediado. A jovem estrela já havia atingido o status de super jogador da NHL e já cultivava sua típica humildade, mas nem mesmo ele pôde evitar a oportunidade para dar uma cutucada nos pobres diabos.

Quando perguntado sobre o massacre que seu colega Ron Low tinha acabado de sofrer, Gretzky respondeu que teve um momento na partida que não tinha mais graça marcar ou comemorar os gols (Wayne contabilizou três gols e cinco assistências na partida), em seguida disse que a simples existência do New Jersey Devils embaraçava toda a NHL. "Seria melhor eles pararem com a operação Mickey Mouse e colocar alguém no gelo".

Gretzky não esperava tanta repercussão em sua declaração, que ganhou a primeira página dos principais jornais do eixo New York-New Jersey. O New York Post foi o mais direto: "Gretzky: Devils are a Mickey Mouse team" (Gretzky: Devils são um time de Mickey Mouse), O USAToday não deixou barato e disse que os Devils receberam um "tapa na cara" de Gretzky. O "Great One" pode ter sido cruel demais, mas os Devils convidavam mesmo esses tipos de declarações, deixando o príncipe das trevas mais vermelho do que de costume.

As temporadas seguintes seguiram nesse ritmo e o estigma do insulto de Gretzky só fez aumentar o sofrimento. De positivo mesmo só os frutos de recrutamentos, como John MacLean e Kirk Miller, que injetaram energia na equipe, e a ascensão do defensor Ken Daneyko, que desde aquela época já era um dos mais queridos pelos fãs. A situação começou a mudar quando Lou Lamoriello substituiu Bob Butera no comando da equipe em 1987. O novo gerente geral deu o cargo de treinador a Jim Schoenfeld que finalmente deu à equipe um padrão de jogo.

Quando parecia que seria mais um ano fora dos playoffs entrou em cena o goleiro Sean Burke. Recrutado pelos Devils em 1985, Burke ganhou uma vaga na equipe após sua participação nas olimpíadas de inverno em Calgary (1988) e logo se tornou um dos bons jovens goleiros da NHL. Ele foi um dos fatores principais pelo primeiro ato de respeitabilidade da franquia, e isso na temporada de 1987-88. Burke venceu dez de suas onze partidas levando a decisão pela última vaga aos playoffs para o último jogo da temporada regular.

New Jersey precisava de uma vitória sobre os Blackhawks no barulhento Chicago Stadium para se classificar e eliminar, por tabela, Rangers e Penguins. John MacLean marcou o gol de empate nos últimos segundos do tempo regulamentar. Mas um ponto era insuficiente, e o mesmo MacLean venceu o mini goleiro Darren Pang também nos últimos segundos da prorrogação. Melhor que a primeira classificação aos playoffs desde a chegada a New Jersey, era ver o rival do outro lado do rio Hudson eliminado da pós-temporada.

Fica até estranho escrever isso, mas "El Diablo" foi a Cinderela dos playoffs. Primeiro eliminaram os favoritos Islanders em seis partidas, em seguida despacharam também os Capitals em sete partidas (novamente com um gol de MacLean na prorrogação fechando a conta). A corrida rumo às finais para os Devils se encerrou apenas na sétima partida contra o Boston Bruins. Foram derrotados por 6-2 no Boston Garden, mas pela primeira vez a equipe deixava de se tornar sinônimo de mediocridade.

A temporada 1991-92 marcou a chegada à franquia de dois jogadores que certamente terão seus números aposentados pelos Devils. Scott Stevens chegou a New Jersey como mera compensação pela ida de Brendan Shanahan como agente livre para o St Louis Blues e rapidamente se transformou no líder da equipe. Entre as traves a equipe teve a chegada de Martin Brodeur, também recrutado pela franquia. Estava se formando um elenco de respeito. Só faltava um treinador de elite para fazer dos Devils um candidato em potencial ao título.

E ele veio em 28 de junho de 1993. Jacques Lemaire, que como jogador venceu oito vezes a Stanley Cup com os Canadiens, foi contratado por Lamoriello para evitar novas quedas em momentos cruciais dos playoffs. Junto a Lemaire chegou outro histórico ex-Habs, Larry Robinson. Como estamos cansados de saber, Lemaire introduziu um eficiente sistema defensivo chamado de armadilha da zona neutra. Os princípios desse sistema não foram inventados por Lemaire, mas ele foi tão bem usado e aperfeiçoado por ele que o mundo do hóquei o considera o pai da armadilha.

Os resultados apareceram rapidamente. Já em sua primeira temporada no comando, Lemaire levou os Devils ao recorde de pontos na história da franquia com 106, quase 20 a mais que a temporada anterior. Já nos playoffs a equipe eliminaria os Sabres em sete partidas, numa épica batalha entre Dominik Hasek e Martin Brodeur. Em seguida os Bruins em seis. Mas novamente ficaram a uma vitória de chegar às finais.

Com vantagem de 3-2 na série, os Devils abriram uma vantagem de 2-0 na sexta partida, mas sucumbiram ao profético Mark Messier, que marcou um hat-trick no terceiro período, e seu New York Rangers. No jogo sete, os Rangers fizeram o 1-0 que durou até os segundos finais da partida. Com a rede vazia em desespero, e com sete segundos por jogar, o russo Valeri Zelepukin levou a partida para o tempo extra. Foi preciso mais de uma prorrogação até que Stephane Matteau desse a vitória aos Rangers num abarrotado Madison Square Garden. Os Devils permaneciam na sombra do vizinho famoso, mas não por muito tempo.

A temporada 1994-95, encurtada pela greve, viu os Devils terminarem novamente em segundo lugar na Divisão do Atlântico fazendo uma modesta campanha com 22 vitórias, 18 derrotas e 8 empates. A equipe guardou o melhor para os playoffs.

1994-1995 -- Vamos a um breve (nem tão breve assim) resumo de cada série disputada pelos Devils na campanha rumo ao título de 1995. Vale notar que, da equipe humilhada pelos Oilers em 1983, três "sobreviveram" no elenco até essa histórica conquista: os defensores Bruce Driver e Ken Daneyko, e o asa direita John MacLean. Após levantar a copa, o capitão Scott Stevens a levou até os três "originais". Outra curiosidade: os Devils tinham 12 jogadores americanos no elenco, um recorde em se tratando de uma equipe campeã da Stanley Cup.

Primeira rodada -- New Jersey Devils 4-1 Boston Bruins


Poucos jogadores sabiam tão bem o caminho do gol quanto Cam Neely que, mesmo com suas constantes contusões, era o mais temido atacante de força da liga naquele momento (seria o Todd Bertuzzi de hoje, mas sem a máscara e com um pouco mais de compostura). E, para tornar as coisas ainda mais difíceis, Neely tinha a companhia de Adam Oates, um dos maiores assistentes da história da NHL.

O Boston Bruins tinha feito uma campanha bem melhor que a dos Devils na temporada regular, mas pararam na excelência defensiva do time de New Jersey, que venceu as duas primeiras partidas no Boston Garden com shutouts seguidos de Martin Brodeur (5-0 e 2-0). Em todo momento que a dupla Oates/Neely entrava no gelo, Lemaire mandava Claude Lemieux, Bobby Carpenter e Scott Stevens à caça. Eliminando essas duas armas, a tarefa do jovem Brodeur foi facilitada.

A série foi para New Jersey e o Boston venceu a terceira partida por 3-2. A quarta partida foi a mais dramática da série, com Brodeur e Blaine Lacher mantendo o placar em branco até Randy McKay marcar o único gol da partida na prorrogação. De volta a Boston, os Devils encerraram a fatura com um novo 3-2. Brodeur com seus três shutouts teve a excelente marca de 0,8 gols sofridos por partida na série. Na parte ofensiva, Stephane Richer, com dois gols e seis assistências, foi o destaque.

Segunda Rodada -- New Jersey Devils 4-1 Pittsburgh Penguins


Um Pittsburgh cansado após uma batalha de sete partidas contra os Capitals, onde esteve com déficit de 1-3 na série, contra os descansados Devils. Seria o duelo de dois goleiros que vinham quente. Brodeur, com a campanha acima mencionada, e Ken Wregget, que limitou os Capitals a apenas um gol nas duas últimas partidas da série.

Os Pens estavam sem o gigante sueco Ulf Samuelsson, com uma contusão na costela. A primeira partida da série foi equilibrada até o final, quando Luc Robitaille marcou num contra ataque. A Civic Arena recebeu também a segunda partida da série. Com 2-1 desfavorável no placar, Jaromir Jagr empatou para os Penguins. Entretanto segundos depois um slapshot de Scott Stevens foi defendido por Ken Wregget; o rebote sobrou para o próprio Stevens que se aproveitou do vacilo de Peter Taglianetti para marcar o gol que seria o ponto da virada na série.

Os Devils venceriam os dois próximos jogos na Byrne Arena (também conhecida como Medowlands Arena). O primeiro por fáceis 5-1. O seguinte foi mais complicado por um motivo: Ken Wregget. Após 49 defesas na partida, Wregget foi vazado por Neal Broten na prorrogação. A fantástica linha de Francis, Jagr e Stevens foi a única que perturbou a paz de Brodeur no jogo 5 em Pittsburgh, mas novamente deu Devils, com 4-1 na partida e o mesmo placar na série. Novamente Claude Lemieux foi peça-chave. Além de ser a sombra de Jaromir Jagr, ele marcou seis gols nas cinco partidas.

Finais da Conferência Leste - New Jersey Devils 4-2 Philadelphia Flyers


Mais um time da Pennsylvania na rota do inferno. Dessa vez os Flyers, um time tão forte fisicamente quanto os Devils, ou até mais. A equipe dirigida por Terry Murray vinha de vitórias sobre Sabres (4-1) e varrida contra os, na época, atuais campeões New York Rangers. Rod Brind'Amour, Kevin Dineen, Dmitri Yushkevich, Petr Svoboda, Dan Kordic, Eric Desjardins e mais alguns jogadores do elenco mereciam respeito, mas quem assustava mesmo era a famosa Legion of Doom, linha composta pelos perigosíssimos Eric Lindros, Mikael Renberg e John LeClair. No gol Ron Hextall voltava a provar que era um goleiro de elite na NHL. Essa temporada marcou também a volta de Bobby Clarke à franquia, dessa vez como gerente geral. Tudo indicava uma série extremamente física e equilibrada. E foi o que aconteceu.

Jacques Lemaire mandou sua principal dupla de defesa, Scott Stevens e Ken Daneyko, para gelo todas as vezes em que Murray mandava a Legion of Doom para o jogo. Daneyko seria o responsável por tentar anular LeClair. Já os duelos entre Stevens e Lindros fizeram a velha guarda da NHL relembrar os grandes confrontos do passado como Howe-Richard, LaFleur-Orr, Clarke-Esposito.

A série começou em Philadelphia, e não foi exatamente um belo início para o time da casa. Duas derrotas elásticas (4-1 e 5-2) e a moral de Hextall indo para ralo. Tanto que no jogo 2 ele foi substituído por Dominic Roussel pela primeira vez naqueles playoffs, após levar um gol mais de ninguém menos que Ken Daneyko, que definitivamente não é conhecido por marcar gols.

O goleiro dos Flyers se recuperou no jogo 3 em New Jersey e passou a má fase para outro lado: Martin Brodeur sofreu um belo pingüim após despretensioso chute de Brind'Amour. O gol de Rod levou a partida para a prorrogação, onde Eric Lindros deu a primeira vitória dos Flyers na série.

Entre o terceiro e quarto jogo, Brodeur se tornou pai (pelo menos foi o que a esposa dele disse) pela primeira vez. Talvez essa distração tenha influenciado no jogo dele, pois na partida seguinte ele voltou a ter uma atuação pouco típica em sua carreira. Após sofrer quatro gols em apenas 17 chutes, ele foi sacado por Lemaire. Em seu lugar entrou Chris Terreri, que teve seus poucos minutos (oito) no gol dos Devils em todos os playoffs de 1995. A derrota por 4-2 igualou a série, mas a partir dali voltaria à tona o eventual jogador mais valioso da pós-temporada.

Em mais uma noite super barulhenta no Spectrum, ambas as equipes correriam atrás da vantagem no confronto. Lemaire deu um descanso aos principais destaques ofensivos e aumentou o tempo de gelo da linha de Valeri Zelepukin, Bill Guerin e Jim Dowd. De um erro desse trio nasceram os dois gols do ex-herói dos Whalers, Kevin Dineen. Com a partida empatada em 2-2, Claude Lemieux fez das suas quando faltavam 45 segundos para o fim do tempo regulamentar, fazendo 3-2 na partida e na série.

Se o Spectrum tremeu no jogo anterior, os torcedores dos Devils transformaram a Byrne arena num verdadeiro caldeirão na sexta partida. Os Flyers pareciam abatidos com a derrota anterior e não ameaçaram os Devils. Claude Lemieux marcou mais uma vez na vitória por 4-2 que deu aos Devils pela primeira vez na história, a passagem para as finais da Stanley Cup.

Ah! Legion of doom? Lindros com apenas dois gols e quatro pontos na série, LeClair sem um mísero gol e Renberg com o mesmo número de metas que Lindros. A lenda do capitão Stevens crescia e a armadilha de Lemaire ganhava notoriedade. A equipe que corria o risco de ir parar em Nashville antes da temporada disputaria a final do mais importante troféu do esporte mundial contra o Detroit Red Wings.

Finais da Stanley Cup - New Jersey Devils 4-0 Detroit Red Wings


Os Devils tinham times especiais de respeito, defesa mais do que sólida e um goleiro de primeiro nível. Além jogadores no ápice de suas carreiras, como Claude Lemieux, e jogadores em fim da carreira buscando pela última vez a Stanley Cup a qualquer custo, como Neil Broten. Ah! É claro, a eficiente armadilha da zona neutra. Mesmo assim eram claramente os azarões nas finais.

Nada parecia poder parar o Detroit Red Wings em sua caminhada rumo a sua primeira Stanley Cup desde 1955. O time treinado por Scotty Bowman havia vencido 12 de seus 14 jogos até as finais. Suas duas únicas derrotas vieram devido a já famosa distração após abrir uma vantagem de 2-0 em uma série. Yzerman, Fedorov, Ciccarelli, Primeau, Coffey, Lidstrom, Konstantinov, Fetisov, Vernon etc. Os Wings tinham uma profundidade impressionante em todas as posições. Na temporada regular foram os vencedores do Troféu dos Presidentes com 70 pontos, 18 pontos a mais do que os Devils somaram.

Mas o que realmente aconteceu nas finais foi um massacre. Os Red Wings deram em média 36 chutes em cada jogo dos playoffs até as finais; contra os Devils a média caiu para 19. Os Wings marcaram 3,4 gols em média nos playoffs antes das finais; contra os Devils foi 1,8 por partida. Detroit deu apenas 17 chutes contra Brodeur no jogo 1 da série, a marca mais baixa de toda a temporada.

Muitos dizem que o fato de as equipes não terem feito nenhum jogo entre elas durante a temporada regular (não houve jogos entre conferências devido à encurtada temporada) poderia ter deixado os Wings sem tempo para analisar seu adversário. Mas uma varrida derruba por completo essa tese.

Chega de firulas, vamos ao resumo das quatro partidas da série.

Jogo 1 --
Primeiro jogo de finais de Stanley Cup na história da Joe Louis Arena, construída em 1979. E primeira partida de final de Stanley Cup dos Wings desde 1966 (eu disse que ia parar com as firulas? Ok, agora vai). Mesmo com o intenso tráfego à frente de sua área, Brodeur conseguiu ver de onde vinham os chutes e manteve o primeiro período em zero. A partir dali os Devils conseguiram diminuir a velocidade da partida e buscar gols só em situações de vantagens numéricas. Stephane Richer mandou um chute próximo às bordas que passou entre as pernas de Mike Vernon. Poucos minutos depois Dino Ciccarelli pegou o rebote após disparo de Nicklas Lidstrom para empatar a partida em 1-1.

No terceiro período apareceria ele, o herói anti-herói Claude Lemieux. Bastou um disco perdido após confusão da defesa dos Wings para ele dar a vitória na primeira partida da série. O quase inoperante Keith Primeau foi "premiado" com um daqueles tradicionais trancos demolidores de Scott Stevens e não pôde atuar na partida seguinte. Nem é preciso dizer que Bowman não gostou nada de ver sua equipe dando ridículos 17 chutes ao gol de Brodeur.

Jogo 2 --
Após a derrota na primeira partida qualquer coisa que não a vitória, instauraria pânico em Hockeytown. A equipe da casa novamente começou melhor, e dessa vez transformou seu domínio territorial em gol, cortesia de Slava Kozlov. Mas uma falha do defensor Paul Coffey, que deixou três jogadores dos Devils contra apenas Bob Rouse, deu o empate aos Devils. John MacLean carregou o disco sozinho até encontrar o melhor ângulo para bater Vernon.

Slava Fetisov que, curiosamente, atuou pelos Devils durante a temporada regular, tabelou com Doug Brown, este viu Sergei Fedorov sozinho na frente de Brodeur e fez o passe. Sem nenhum marcador entre o russo e Brodeur ficou fácil para Fedex marcar seu primeiro gol na série dando a falsa impressão que os Wings venceriam a partida. Mas no meio do terceiro período Scott Niedermayer recuperou um disco em sua própria zona defensiva e cruzou todo o gelo, bateu facilmente a Coffey para empatar novamente a partida.

Um dos momentos mais marcantes das finais foi o histórico tranco de Stevens em Kozlov. O capitão dos Devils pegou o desprevenido russo com a cabeça baixa e o mandou direto para o departamento médico da JLA. O banco dos Wings enlouqueceu com Stevens jurando o jogador dos Devils. Este, por sua vez, patinou lentamente em direção ao banco dos Wings, apontou para alguém e disse: "Você é próximo". Mais uma distração para desfavorecer os Wings.

Com apenas 1:24 restando no tempo regulamentar novamente Coffey se viu envolvido em um gol dos Devils. Bill Guerin disparou forte e Coffey, no intuito de bloquear o disco, acabou se machucando deixando os Wings praticamente com um a menos no gelo. Na seqüência Shawn Chambers tentou o chute, mas foi Jim Dowd, postado atrás da meta de Vernon, que aproveitou o rebote e marcou o gol da virada. Stephane Richer ainda fez o quarto gol dos Devils já com a rede vazia.

Pela segunda partida consecutiva os Wings falhavam em ultrapassar a marca de 20 chutes a gol, com apenas 18, e iria para New Jersey com a desvantagem de 2-0 na série. Os Devils venceram todas, exceto uma, de suas 11 partidas fora de casa nos playoffs. Um recorde.

Jogo 3 --
Os Devils parecem ter se animado com a vantagem na série e jogou mais aberto, buscando o gol, o que teoricamente ajudava Detroit. Mas, por incrível que pareça, foram os Diabos que se beneficiaram disso com um gol de Bruce Driver. Pouco depois Claude Lemieux aumentava o castigo. Depois disso abriu-se a porteira e Neal Broten, Randy McKay e Bobby Holik fizeram um 5-0 impossível de se reverter.

Vernon foi retirado após o gol de McKay dando a oportunidade de Chris Osgood atuar alguns minutos nas finais. Sergei Fedorov e Steve Yzerman descontaram no final, mas com um déficit de 3-0 na série, nem mesmo o mais fanático torcedor acreditava na conquista. Os Diabos estavam bem próximos do paraíso (soa estranho isso, não?).

Curiosamente foi durante as finais que a famosa Crash Line dos Devils reapareceu. Formada pelo gigante asa esquerdo Mike Peluso, que além de atuar na NHL participava de lutas profissionais de boxe no Canadá; o central Bobby Holik e o ex-Wings Randy McKay, a linha foi encarregada de bater de frente com a linha de Sergei Fedorov, líder em pontos dos playoffs e vencedor do Troféu Hart da temporada anterior.

Jogo 4 --
Scotty Bowman usou em demasia a palavra embaraço para definir o que estava havendo com seu time. O mestre até mesmo manteve seus jogadores dois dias longe de um rinque de hóquei com o intuito de deixá-los com raiva e com vontade de reagir a situação crítica em que se encontravam. A partida 4 começou polêmica. Com um minuto de jogo Neal Broten mandou com o pé o disco para dentro do gol dos Wings, a arbitragem fez vista grossa e manteve o gol após verificar no vídeo.

Os Red Wings igualaram o placar dois minutos depois. Num dos raros momentos em que Stevens deixou Fedorov livre na partida, o russo aproveito o passe de Martin Lapointe para mandar a gol. Brodeur defendeu, mas ele pegou o rebote, empatando a partida. Fedorov continuou dominante no período, venceu facilmente um mano-a-mano com o defensor Tommy Albelin, e mandou para o gol; novamente Brodeur deu rebote e Paul Coffey fez o segundo de Detroit. Entretanto gols relâmpagos de Shawn Chambers e Neal Broten nocautearam os Wings.

No terceiro período Sergei Brylin marcou seu primeiro gol nos playoffs. O próprio Brylin fez a jogada para o quinto gol dos Devils, novamente de Shawn Chambers. Depois disso foi um pouco de armadilha ali e aqui, até os sinos do inferno anunciarem o fim da partida e o início da festa pagã.

O gerente geral, e eterno mão de vaca, Lou Lamoriello teve motivo de sobra para comemorar. Sua equipe estava varrendo os favoritos com gols de jogadores que ele adquiriu como principais -- modestíssimos na ótica da imprensa -- reforços para a temporada: o defensor Shawn Chambers e o central Neal Broten. Cada um marcou um par de gols no final jogo da série. Broten, um veterano de 35 anos que já havia disputado duas finais de Stanley com a camisa do Minnesota North Stars, sem sucesso, marcou o gol que valeu a Copa.

Detroit, que havia perdido duas partidas consecutivas apenas uma vez na temporada, perdia quatro seguidas para os Devils. Se um torcedor dos Rangers entrou para a história, pela porta dos fundos, com seu cartaz "agora posso morrer em paz" em 1994, o "bem-vindo ao inferno" exibido na Byrne Arena por algum súdito do Tinhoso fez justiça ao que os Devils fizeram com os Wings nas finais.

Claude Lemieux venceu o Troféu Conn Smythe como jogador mais valioso dos playoffs e iniciou seu longo histórico de batalhas contra os Red Wings. Martin Brodeur foi o goleiro menos vazado dos playoffs com 1,67 gols por partida, marca bem superior ao segundo colocado, Ed Belfour, goleiro dos Blackhawks (2,19). Stephane Richer foi o segundo maior pontuador da pós-temporada com 21 pontos, três a menos que Sergei Fedorov. Neal Broten foi o terceiro com 19.

Mesmo com o cheiro de enxofre ainda presente no ar, os detratores do estilo defensivo dos Devils começaram uma intensa batalha contra a armadilha. Mas, como bem disse o capitão Scott Stevens após erguer a Stanley Cup em triunfo, nada ofuscaria aquela conquista:

"Eu não me preocupo se eles abolirem a armadilha depois desta temporada. A Copa é nossa agora, e isso é a coisa mais importante em nossas vidas. E ninguém poderá nos tomar o sentimento que tivemos em levantá-la e carregá-la ao redor do gelo. Ninguém."

Isso mesmo, ninguém. Nem mesmo Wayne Gretzky e o rato Mickey. Aliás, esse último agora é inimigo na final da Stanley Cup desse ano. A final contra os Mighty Ducks é a oportunidade ideal para os Devils exorcizarem (isso ficou estranho também) de uma vez por todas, os personagens da Disney de sua vida.

Eduardo Costa é fã de Angus Young, assim como seu amigo Pedro "Panda" Cassaro, torcedor dos Devils. Gustavo Afiúne, também seguidor da equipe de New Jersey, prefere o Lacraia.
  IMAGENS DA STANLEY CUP DE 1995
 
  MARTIN BRODEUR E SHAWN CHAMBERS Segurando na defesa (Arquivo The Slot BR)
   
 
  JOHN MACLEAN X KRIS DRAPER A dura batalha pelo disco nas bordas (Arquivo The Slot BR)
   
 
  CLAUDE LEMIEUX O MVP dos playoffs de 1995 (Arquivo The Slot BR)
   
 
  O CAPITÃO ERGUE A TAÇA Scott Stevens e o time comemoram a inesperada conquista do título de 1995 (Arquivo The Slot BR)
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Página publicada em 28 de maio de 2003.