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13 de novembro de 2002
Para que brigar? Brigar para quê?

Por Marco Aurelio Lopes

De um lado, vestindo azul e branco, Tie Domi. Do outro, vestindo azul e vermelho, Matthew Barnaby. Sim, parece apresentação de luta de boxe mesmo, mas, se você conhece um pouquinho da NHL, com certeza já ouviu falar destes dois nomes. Não por serem grandes artilheiros ou craques indiscutíveis. Digamos que eles sejam o que costumamos chamar de intimidadores, aqueles jogadores de técnica discutível, mas com aquele instinto brigão bem aguçado. E nesta categoria certamente eles estão entre os melhores.

No entanto, ultimamente essa espécie de jogadores anda meio em baixa, já que as brigas, que, na maioria das vezes, podemos chamar de gratuitas, não têm mais o mesmo charme (?) e, por que não dizer?, a mesma intensidade de anos anteriores. É verdade que as brigas ainda servem principalmente para motivar uma equipe e uma torcida, que vê seu time em maus momentos durante o jogo, e tem neste pugilato uma forma de estimular mais os jogadores, mas o fato é que as novas determinações da NHL em busca de mais espetáculo e menos violência acabam por tirar um pouco o sentido de se ter dois jogadores trocando socos e interrompendo uma partida em determinado momento. Recentemente, por exemplo, um time da AHL, o Houston Aeros, chegou ao ponto de promover os jogos para sua torcida como jogos da briga, partidas onde era garantida que houvesse ao menos uma briga, sob o risco dos espectadores receberem o dinheiro de volta (a propósito, a liga vetou a proposta sem pensar duas vezes).

Nos anos 70, equipes como os Flyers e seus "Valentões da Rua Broad" implantaram na NHL um novo estilo de jogo, que privilegiava o físico sobre a técnica, abusando da agressividade e da intimidação dos oponentes para conseguir uma vantagem no jogo. Felizmente ou não, o fato é que estes Flyers conseguiram suas duas Stanley Cups neste período (em 1974 e 75), e a NHL acabou por conhecer uma nova faceta no seu jogo, que depois viria a ser seguida por outras equipes, dentre as quais o New York Islanders, que foi uma verdadeira dinastia da NHL no início dos anos 80 sabendo aliar técnica e agressividade. Assim, o jogo físico ficou marcado de vez na NHL. Jogadores como Dave "Tiger" Williams e Marty McSorley, por exemplo, foram símbolos desta nova geração de jogadores de hóquei, estando até hoje entre os maiores colecionadores de minutos de penalidades, frutos de solavancos, trancos e brigas.

Vieram os anos 90 e a expansão acabou por trazer à liga dezenas de novos jogadores, que nem sempre tinham na habilidade com o taco e o disco suas características, e usavam da força bruta para garantir seus espaços na liga, como típicos cães-de-guarda das estrelas do time. Até quem gosta de assistir a essas brigas sabe que as de hoje em dia já não são mais uma troca de golpes, mas, sim, um agarra-agarra que não dá em nada: é puxão de camisa, abraços e mais nada... Claro que alguns jogadores ficaram conhecidos por sua habilidade pugilística, mesmo. Jogadores como Donald Brashear, Krzyzstof Oliwa, Darcy Tucker, Bob Probert, Tie Domi, Matthew Barnaby e Sandy McCarthy, apenas para lembrar alguns deles, estão entre os mais famosos brigões da liga.

Mas os tempos são outros, e na NHL do século XXI saber brigar parece já não ser tão importante assim; não é ser um bom brigão que vai lhe garantir uma vaga na equipe. Claro que o jogo físico é algo que não vai acabar tão cedo, e sempre será importante ter jogadores que saibam usar o corpo para proteger o gol e seus companheiros, mas a verdade é que mesmo estes jogadores hoje precisam ter mais do que força para conseguir vaga no time. É preciso ter habilidade para ajudar em outros aspectos, e assim você vê jogadores como Darren McCarty ou Claude Lemieux, que sempre partiram para a briga, continuarem valorizados até hoje, porque adicionaram a qualidade técnica a seu jogo, ajudando suas equipes com gols e assistências.

Além disso, vale lembrar que a NHL hoje em dia está muito mais incisiva quanto à violência no jogo, e, com isso, as penalidades ocorrerão mais ainda enquanto os jogadores não se conscientizarem que bater por bater pode ser prejudicial no final da partida, em uma época onde as vantagens numéricas de jogadores se tornam uma das grandes oportunidades que as equipes têm para fazer os gols em um jogo onde falta espaço no gelo. Retaliar uma ação ou agredir um adversário simplesmente para motivar a equipe, coisas que muitas vezes passavam em branco pela arbitragem, hoje em dia são punidas, e ninguém quer ver seu time em desvantagem por uma tolice de um jogador que só quer agredir para fazer valer sua força.

Mesmo alguns dos nomes citados acima, como Brashear e Barnaby, exemplos que costumavam sair no tapa com o primeiro que aparecesse sem a menor razão logo nos primeiros instantes de um jogo, ainda hoje conseguem estar consolidados em suas equipes porque deixaram de ser simplesmente agressores para serem também jogadores, que entendem mais o jogo de hóquei em si e sabem os limites da violência. Outros, como Georges Laraque ou Chris Simon, mostram que um pouco de habilidade ofensiva pode fazer parte da vida de um intimidador e garantir-lhes vaga na NHL. Outros, como Steve McKenna ou Scott Parker, que não fazem nada além de brigar, correm o risco de sumir antes de você terminar de ler esta matéria. Não é dizer que o tempo do "Macho Man" acabou, é que apenas eles agora jogam melhor. E quem não tiver mais a noção do jogo hoje em dia tende a ter que figurar em equipes das ligas menores. E se for daqueles então que mal conseguem patinar, vão ficar relegados mesmo às academias de boxe. A NHL parece não ter mais lugar para simples pugilistas.

Marco Aurelio Lopes, 26 anos, é torcedor dos Penguins e não entende como Steve McKenna está na equipe, já que o cara, além de jogador limitado, não ganha nem briga.
BRIGA OU TROCA DE CARÌCIAS? Shane Hnidy (de branco), dos Senators, e Eric Boulton (de amarelo), dos Bruins, engalfinham-se em mais uma briga na NHL. No entanto, nada mais do que um agarrando o outro. As brigas têm sido cada vez menos freqüentes na NHL, além de estarem com um nível muito questionável (Jim ROgash/AP - 09/11/2002)
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Página publicada em 11 de novembro de 2002.