Por
Alexandre Giesbrecht
No final, com o estádio praticamente mudo e as pessoas boquiabertas,
com as toalhas que tinham sido sacudidas a noite inteira descansando
no colo. Era difícil para elas acreditarem no que estava acontecendo
diante de seus olhos. Como isto pôde acontecer?
Tudo parecia estar indo tão bem, o destino prometia tanto naquela
noite de quinta-feira -- e não era para ser assim, com uma confortável
vantagem de 3-0 no terceiro período? Ainda mais com um goleiro
numa fase estupenda. Você está a 20 minutos de segurar
o adversário pela goela na série. Então, como num
passe de mágica, tudo desaparece. O que acontece depois?
Resposta: depois da derrota por 4-3 na prorrogação para
o Carolina Hurricanes, o Montreal Canadiens parte para uma "mini-série"
melhor-de-três, com dois dos jogos a muitas centenas de quilômetros
de distância do conforto de casa. Isto, claro, ao invés
de voltar para a Carolina do Norte com uma vantagem de 3-1 na série.
Quem se arrisca a dizer se o colapso dos Canadiens na quarta-feira foi
uma gota no oceano ou o prelúdio de uma violenta tempestade?
Quem se arrisca a dizer se o trem para as finais da Conferência
Leste descarrilhou ou não? Quem se arriscar a dar um palpite
de quanto os Habs ainda têm no tanque depois de mais uma vez dar
bem menos chutes a gol que o adversário (40-20)?
Por enquanto, e escrevo isto antes do jogo 5, tudo o que sei é
que, vencendo ou perdendo, este time já foi muito mais longe
do que qualquer um poderia esperar. Isso sem falar que, fora do gelo,
o interesse pelo hóquei na cidade de Montréal aparentemente
voltou ao que costumava ser até uma década atrás.
Este time, classificado em oitavo lugar na conferência, está
brigando para vencer e as pessoas não só estão
notando isso, como também estão falando sobre isso. Ei,
eu estou bem longe de Montréal, em São Paulo, e estou
falando nisso!
Um repórter local saiu às ruas antes do jogo 4 fazendo
a perguntada que todos estão se acostumando a ouvir cada vez
mais: Como os Canadiens devem se sair hoje à noite? Um homem
deu a sua opinião, dando início ao seguinte diálogo:
- O goleiro (José Théodore) dominou em quatro dos últimos
cinco jogos. Por quanto tempo mais ele vai conseguir fazer isso? Parece
que vai dar Carolina hoje.
- Meu Deus, não diga isso, - disse uma senhora ao lado - Você
não pode falar isso. Você está sempre certo?
- Sempre, - respondeu o homem.
- Bem, se eles perderem já terão feito mais do que o esperado.
Não tenho razão? - perguntou a senhora.
Eu respondo: sim, eles fizeram muito mais do que se esperava deles,
mas ainda há muito que pode ser feito -- eles estão jogando
contra o Carolina, vencedor da Divisão SouthLeast -- e o jogo
de quinta-feira não chegou nem perto do potencial.
Times com vantagem de três gols no último período,
com o adversário na lona, não deveriam ir para a prorrogação
nos playoffs. Times com vantagem de três gols não fazem
penalidades desnecessárias no início do terceiro período
e não têm uma penalidade de banco para completar. Times
com 3-2 no placar a 41 segundos do fim do jogo e com o gol do adversário
vazio não tomam o gol de empate. Não nesta fase dos playoffs.
Sequer nos playoffs.
Mas, de algum jeito, dava para sentir que isso estava para acontecer.
Este tipo de jogo ao mesmo tempo louco e maravilhoso (aqui talvez a
torcida de Montréal não concorde comigo) faz isso com
você, tal qual uma paquera. Como uma garota de balada, ele envolve
você por um tempo e, de repente, vai atrás de outro cara.
Os Canadiens controlaram o jogo durante os dois primeiros períodos,
com gols de Andreas Dackell e Yanic Perreault contra Kevin Weekes no
primeiro período e outro contra Arturs Irbe no segundo. Então,
aos 2:40 do terceiro período, bem... Os tambores começaram
a rufar e não pararam mais. Só que alguém de camisa
branca no gelo estava ouvindo?
Stéphane Quintal foi pego com um choque-em-cruz (cross-checking).
Acontece. Afinal, o pessoal de camisa vermelha estava querendo pegar
seu goleiro. Está 3-0. Para que se preocupar, certo? Errado.
Principalmente porque depois disso ouviu-se gozações vindas
do banco dos Canadiens, o que não é exatamente a coisa
ideal a se fazer quando se tem como árbitro um veterano como
Kerry Fraser. Não é a coisa ideal a se fazer em nenhum
momento. Gol de Sean Hill.
O resto você já sabe: Bates Battaglia diminuiu no 13.º
(apropriado, não) minuto, Erik Cole empatou no último
minuto do tempo normal e Niclas Wallin venceu o jogo para os Canes aos
3:14 da prorrogação. Que destino!
Como era de se esperar, havia muitas dúvidas e olhos arregalados
pelo estádio (e na frente da TV) quando o técnico Paul
Maurice, do Carolina, decidiu manter Weekes depois que os Hurricanes
caíram por 4-1 no jogo 2 e por 2-1 na prorrogação
no jogo 3. Weekes tinha jogado muito bem no jogo 3, apesar da derrota,
mas a sensação era de que Irbe, o titular até o
início dos playoffs, começaria, simplesmente para colocar
uma cara nova no time, cujos 13 gols em nove jogos até então
eram pálidos comparados ao desempenho ofensivo dos demais sete
times ainda disputando a Stanley Cup.
De qualquer maneira, Irbe entrou no jogo no início do segundo
período, foi batido por Sergei Berezin alguns minutos depois
e foi perfeito nos cinco chutes que encarou no terceiro período
e na curta prorrogação. Cinco chutes? Em mais de 23 minutos?
Dados por um time que queria ganhar? Você deve estar brincando.
Por dois períodos, os Canadiens se comportaram como um time bom
demais, com fome de vitória. Então aconteceu o desastre.
Foi como se o time tivesse perdido seus tacos, mas não tivesse
dado conta disso. Então ninguém estava balançando
toalhas no final do jogo. Nem deviam. Havia razão para isso?
Mas, por outro lado, você pode apostar que os Canadiens não
jogaram a toalha deles. O time entrou em surto na quinta-feira, mas
continua sendo um time que já mostrou nervos de aço durante
as adversidades. Já virou diversos jogos e situações
difíceis, assim como seu capitão, Saku Koivu -- e a lista
ainda prossegue com Donald Audette e Sheldon Souray, isso para ficar
apenas em três nomes.
Eles não fizeram isso no jogo 4 -- pelo contrário, sofreram
a virada --, mas ainda há muitas coisas a fazer. Afinal, você
não ganha uma vaga nas finais da Conferência Leste por
direito divino. Você tem de trabalhar para consegui-la.
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Alexandre Giesbrecht, publicitário, não conseguiu
resistir a escrever uma crônica sobre um jogo tão emocionante,
mesmo sabendo que até a edição ser publicada
o jogo 5 já terá acontecido. |
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É GOL... Josef Vasicek
(63), dos Canes, e Stéphane Quintal (5), dos Canadiens, olham
para dentro do gol depois que o chute de Niclas Wallin, dos Canes,
que não aparece na foto, venceu o goleiro José Théodore
na prorrogação (Paul Chiasson/AP - 09/05/2002) |
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...VAMOS COMEMORAR? Jogadores
do Carolina abraçam Niclas Wallin (7) depois que ele marcou
o gol da vitória na prorrogação (Jacques Boissinot/AP
- 09/05/2002) |
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