Na escola, aprendemos a diferença entre crescimento e desenvolvimento. Crescimento seria a quantidade de dinheiro que entra, e desenvolvimento seria a relação entre essa entrada e suas aplicações, levando em conta sua distribuição e eficácia.
No hóquei, por muito tempo, se acreditou que o trabalho do comando da NHL era garantir tanto o crescimento quanto o desenvolvimento do hóquei no gelo na América do Norte, mas esse mito está indo por água abaixo. A certeza disso foi dada com o anúncio de que o contrato do comissário Gary Bettman foi renovado, com o executivo liderando a liga por mais cinco temporadas.
O salário de Bettman é de US$ 7,2 milhões anuais, que o fariam, se fosse um jogador, o 20.º mais bem pago da liga, recebendo mais do que Jarome Iginla, Pavel Datsyuk, Patrick Kane, Jonathan Toews, Ryan Miller, Nicklas Lidstrom e os irmãos Sedin. O acordo garante que seu reinado, iniciado em 1993, perdure até 2015, um período de vinte e dois anos comparável ao de dinossauros como João Havelange e Ricardo Teixeira, no sempre bem comandado esporte da bola redonda.
O homem por trás da renovação foi Jeremy Jacobs, líder da Mesa de Governantes da NHL (algo como uma associação de donos de franquias) e proprietário do Boston Bruins. O acordo foi selado em novembro passado, mas sua divulgação apenas ocorreu nesta semana, logo após a liga anunciar que não suspenderia o defensor de Boston Zdeno Chara por um tranco que lesionou Max Paccioretty. Não vou entrar no mérito do tranco, mas esse é um dos pontos em que a liga se mostra pouco desenvolvida.
Embora os dirigentes tenham tentado jogar as coisas para debaixo do tapete, a maior parte dos torcedores se lembra da confusão gerada por e-mails trocados entre os líderes do comitê disciplinar da NHL. Então quer dizer que o filho de Colin Campbell, o responsável pelas ações disciplinares, joga em Boston. E os proprietários, que escolhem quem comanda a liga, são liderados pelo dono dos Bruins. Não precisa ser muito paranóico para criar sua própria teoria da conspiração.
Mas Bettman se perpertua. O objetivo da NHL, apesar do romantismo de seus fãs, não é expandir o hóquei, e sim ganhar dinheiro, e é isso que os donos querem. Grandes franquias se sustentam sozinhas, e ganham dinheiro. Franquias menores propositadamente deixam de investir em bons jogadores, para ficar na lista de recipientes da divisão de lucros e ganhar dinheiro. E as franquias que dão prejuízo serão realocadas, em no máximo cinco anos, e quando isso acontecer Bettman será louvado por permitir essas mudanças, e não criticado por tentar levar o hóquei aos limbos de Atlanta ou Phoenix.
E Campbell mantém seu emprego. Sob uma vaga explicação, a de que não se envolve em julgamentos que envolvam a equipe de seu filho, o piedoso disciplinador continua distribuindo suspensões de um a três jogos, um pouco mais se as vozes da crítica abafam sua autoridade. Na roleta que se tornou a política disciplinar da NHL, todos saem felizes: jogadores fazem o que querem no gelo, donos de time não correm o risco de ver suas estrelas manchadas com uma suspensão e o sindicato de jogadores não precisa sair de sua inércia. Se vez por outra o melhor jogador da liga perde metade de uma temporada, ora, são ossos do ofício.
Imprensa e torcida podem espernear o quanto quiser, mas quem manda na história são os bilionários, que olham para as arquibancadas por vezes vazias e só conseguem enxergar cifrões e cheques em branco. Os caras de terno sabem que os fãs, por mais que reclamem, não abandonam aquilo que está com eles desde criança, um logotipo numa camisa vermelha ou azul, o sentimento de fuga que apenas o esporte pode representar.
Donos de times são racionais, torcedores se deixam levar pela pequena chance de ver um jogador levantar uma taça prateada em junho e são emocionais. É aí que mora o perigo, e é por isso que nada vai mudar.
Guilherme Calciolari gostava de Kings of Leon, até eles começarem a tentar ser o U2.