Nesse domingo, 20 de fevereiro de 2011, a NHL realizou o primeiro jogo ao ar livre oficial no Canadá. O evento foi chamado de Clássico do Patrimônio (“Heritage Classic”) e foi um tipo de resposta da liga às demandas para que uma partida do já tradicional Clássico de Inverno (“Winter Classic”) fosse realizado no Canadá.
A direção da NHL vem se mostrando bastante relutante em realizar o jogo do dia primeiro de janeiro no Canadá por diversos fatores, mas a principal alegação seria que a partida geraria menos interesse por parte da mídia e dos telespectadores americanos se fosse realizado fora dos Estados Unidos. Como o dinheiro é quem governa as ações da NHL e não a tradição, a liga resolveu dar um gostinho de Clássico de Inverno permitindo a realização do Clássico do Patrimônio.
Se por um lado foi muito legal ver um evento desse tipo realizado na terra do hóquei, onde o esporte é levado a sério como em nenhum outro lugar do planeta, ao mesmo tempo foi decepcionante ver o relativo descaso da NHL em relação ao evento.
A partida realizada em Calgary, envolvendo os Flames e o Montreal Canadiens, não recebeu nem de longe a divulgação e o apoio de mídia que a partida realizada entre Pittsburgh Penguins e Washington Capitals no primeiro dia do ano, e isso ficou bastante evidente pelo fato de ter sido realizado no mesmo final de semana o evento “Hockey Weekend Accross America”. Além disso, ao contrário do que acontece no Clássico de Inverno, bastava acessar o website da NHL para perceber que o Clássico do Patrimônio na verdade era apenas mais um evento da liga e não um grande evento organizado e sobre o qual a liga centralizava seu foco e sua atenção.
Apesar de tudo isso, o evento foi um sucesso. O público se fez presente em peso com mais de quarenta mil torcedores lotando o estádio em Alberta. O tempo ajudou demais e fez um lindo dia de sol em Calgary, apesar de temperaturas abaixo de dez graus negativos, porém nada de chuva e nada que afetasse a realização do jogo no horário previsto. Perfeito, como tinha que ser. Se foi relegado a um terceiro plano pela liga, o evento foi abençoado pelos céus.
O jogo em si também foi interessante, com o Calgary Flames dominando boa parte das ações durante a partida, desde as disputas pelo disco, passando pela demonstração de maior determinação e garra por parte dos seus jogadores, um melhor aproveitamento das oportunidades de gol e uma grande atuação de Miikka Kiprusoff coroada com uma vitória sem tomar gols.
No final das contas, os 4-0 saíram até baratos para o time de Montréal, que em nenhum momento chegou realmente a ameaçar o time mandante. Um dos melhores momentos dos Canadiens na partida foi quando estava em dupla desvantagem numérica jogando em 5-contra-3 por mais de um minuto e meio e quase conseguiram matar a penalidade. Quase, mas os Flames aproveitaram a chance nos segundos finais quando Rene Bourque marcou o seu primeiro gol na partida aos 8:09 do primeiro período.
No segundo período o Calgary ampliou com Anton Babchuk marcando quando os Flames estavam com um jogador a menos. Pouco depois Rene Bourque marcou seu segundo gol na partida e ampliou para uma sólida liderança por 3-0, o que praticamente matava as chances dos Canadiens na partida. De fato, o time da província de Québec morreu no terceiro período quando os Flames fizeram 4-0 com Alex Tanguay e as esperanças de reação na partida ficaram por ali.
Nos últimos dois minutos da partida os Habs tentaram de todas as maneiras pelo menos fazer o seu golzinho de honra, mas Kiprusoff, em noite inspirada, não deixou e saiu realmente consagrado da partida. Aliás, o time inteiro do Calgary fez uma bela apresentação e mostrou porque tem sido um dos melhores times da liga desde o Natal, quando vem registrando a impressionante marca de 17 vitórias e apenas quatro derrotas no tempo regular e outras cinco derrotas onde marcaram pelo menos um ponto. Se formos considerar apenas os últimos 30 dias, a campanha dos Flames se torna mais impressionante ainda, com onze vitórias e apenas uma derrota no tempo normal e com duas derrotas na prorrogação.
O evento também foi agraciado com a presença de nomes importantes na direção da liga, como o comissário Gary Bettman e o polêmico Colin Campbell. Bettman deu algumas entrevistas, tentou se mostrar simpático (mas não conseguiu, como sempre) e respondeu às insistentes perguntas sobre se a NHL estaria se preparando para voltar para a cidade de Québec e Winnipeg. Mais uma vez ele despistou e falou que não havia nada de novo nesse assunto e que o anúncio da cidade de Québec que vai mesmo construir a sua nova arena não tinha mudado nada, pois a liga não tinha planos nem de expansão nem de mudar time algum de cidade no futuro próximo. Entretanto, ele ressaltou que sem a nova arena Québec não tinha chance alguma de voltar a ter uma franquia da liga, mas a nova arena não garante nada para a cidade.
Muito engraçada foi a reação de Campbell ao ser perguntado por um repórter da CBC ao vivo se era verdade que a NHL tinha a intenção de ampliar o número de jogos a ser realizados ao ar livre no futuro. A resposta de Campbell foi caracteristicamente sua: “Eu gosto de Natal uma vez por ano”. Depois ele percebeu que estava no ar ao vivo e tentou se justificar, dizendo que um evento desse porte envolve muita coisa, muitas pessoas e um gasto considerável. Ele ainda afirmou que ele não tinha planos de expandir o número de eventos do gênero por causa desses fatores e também porque era difícil para a NHL organizar tantos eventos importantes em tão pouco tempo.
Como exemplo ele disse que em pouco mais de 40 dias foram três grandes eventos, com o Clássico de Inverno, o Jogo das Estrelas e o Clássico do Patrimônio. E finalizou dizendo que por ele seria necessário avaliar bem os resultados do jogo de hoje para saber se a liga continuaria a promovê-lo também (além do já certo jogo do dia primeiro de janeiro).
Por fim, foi muito legal o evento no geral, desde as matérias especiais e as reportagens transmitidas antes da partida tanto pela rede de TV nacional do Canadá, a CBC, como pelo canal de TV montrealense, o RDS. Seria muito legal também se a NHL tratasse com mais respeito e maior boa vontade o país que criou o esporte e que realizou o primeiro jogo do gênero em 2003 quando o Edmonton Oilers recebeu o Montréal Canadiens e mostrou que um evento assim era totalmente factível. E por último, achei muito estranho e totalmente desnecessário em um evento realizado no Canadá envolvendo apenas equipes canadenses que a liga tenha exigido a execução do hino nacional americano antes da partida, afinal de contas, o tio Sam fica apenas do lado sul da fronteira do “true North strong and free”.