Eu nunca vi um gol de Copa Stanley como aquele. Eu não vi entrar, o narrador da Versus/Gamecenter também não viu. Acredito que poucos torcedores no estádio tenham visto. Mas os jogadores viram, de ambos os times. Patrick Kane disparou o disco que passou por debaixo do goleiro Michael Leighton e foi morrer no canto do gol. Naquela fração de segundos até que o narrador atentasse que a temporada da NHL estava encerrada e que havia um novo campeão, dava para perceber (mas era necessário atentar rapidamente para isso, o que na hora eu não fiz) nas expressões, imediatas e opostas, dos jogadores de ambas as equipes que o disco entrara.
O Chicago Blackhawks sagrava-se campeão da Copa Stanley de 2010, derrotando o Philadelphia Flyers na prorrogação do jogo 6 das finais. Desde já, Kane entra para a história da NHL, por marcar o gol do título na prorrogação.
Até onde eu me lembre de cabeça, já vi a Copa ser decidida com um gol na prorrogação por duas vezes. A primeira foi com Uwe Krupp, então no Colorado Avalanche, vazando John Vanbiesbrouck em 1996. A outra foi o polêmico gol ilegal de Brett Hull, do Dallas Stars, sobre Dominik Hasek em 1999. (Pesquisando as outras finais recentes, vi que a de 2000 também foi decidida na prorrogação. O que eu me lembro daquele jogo é que dormi, infelizmente).
Em ambos os casos acima, lembro que o gol foi um momento de explosão por parte do narrador. Não tenham dúvidas, o narrador é parte importante do negócio (assista a um jogo em absoluto silêncio e você compreenderá). O gol do título era o fim, a glória, o campeão. Ainda que o gol de Hull tenha sido ilegal (e que nem os árbitros e nem a NHL tiveram a coragem de anular), a explosão foi instantânea. No gol de Kane não. Demorou alguns segundos (e isso faz muita diferença) para que as pessoas percebessem e para que a tal explosão começasse — mais uma vez, baseando-me no que eu via e sobretudo no que eu ouvia. Enfim, muito estranho.
Mas e daí? O gol foi legítimo, os Hawks foram campeões com sobras. Um dos favoritos desde o começo da temporada, jamais deram chances aos adversários nos playoffs, tendo massacrado o maior rival da conferência antes das finais. E, por mais que os Flyers insistissem em arrasar com escritas, favoritismos e tendências, dessa vez a “normalidade” venceu a (suposta) zebra.
Aliás, mais uma vez. Parece ser padrão na NHL que times azarões façam campanhas sensacionais, apenas para que sejam derrotados nas finais. Dos que eu já vi: Capitals em 98, Hurricanes em 2002, Mighty Ducks em 2003, Flames em 2004 e Oilers em 2005. Agora foi a vez do Philadelphia Flyers, que protagonizou a mais sensacional das campanhas de azarões que eu já vi. Tanto que chegou à final com uma razoável plebe apostando no time (eu inclusive).
Falha de Leighton?
O gol de Kane é o tipo de gol que um goleiro não gosta de sofrer. Na verdade é um chute de fato defensável, daqueles que o goleiro deve pensar imediatamente “esse eu poderia ter defendido”. Porém grandes prorrogações são decididas justamente assim. O gol de Krupp, citado acima, também era defensável. O histórico gol de Steve Yzerman sobre o St.Louis Blues, também em 1996, idem.
Embora sempre dura de engolir, ainda mais por tratar-se de uma prorrogação de final de Copa Stanley do time encarando eliminação — ou seja, é caso do desumano “proibido falhar” — a falha não apaga a memorável campanha de Leighton, tanto na temporada quanto nos playoffs.
Enquanto isso, do outro lado Antti Niemi garantiu a vitória e o título do Chicago com defesas memoráveis no final do terceiro período e na prorrogação (aliás, até o gol dos Hawks, só dava Flyers na prorrogação — o que só aumenta a dor da derrota). Num determinado momento, Simon Gagne entrou livre para marcar e Niemi salvou. Foi o tipo de lance que poderia ter mudado a história das finais.
Conn Smythe
Poucas vezes foi tão constrangedor assistir a uma premiação do troféu Conn Smythe, concedido ao jogador mais valioso dos playoffs. Podem espalhar quantas vezes quiseram a quantidade de pontos e a suposta liderança do jovem Jonathan Toews nesses playoffs, porque nada disso apagará o fato de que ele desapareceu nas finais, justamente quando a hora chegou. Repito, desapareceu. Aliás, dizer que Toews sumiu nas finais é até ser camarada: ele foi um fiasco. Nenhum gol, meras três assistências e pavorosos -5 nos seis jogos. Sua linha foi desmontada (embora isso não se deva exclusivamente a ele) nas finais para que o Chicago voltasse a produzir.
As balelas que chegam para tentar justificar ou amenizar o fracasso, tais como “a importância do jogo defensivo dele”, ou “a liderança dele sobre a equipe”, ou ainda “o excelente trabalho nos face-offs” são... apenas isso mesmo, balelas. Esperava-se muito mais dele.
O desaparecimento de Toews nas finais — até então ele era efetiva e incontestavelmente o MVP do time — chegou a forçar especulações sobre a liga até escolher como MVP o defensor Chris Pronger, do time derrotado. Um exagero, do meu ponto de vista, mas que mostrava o quanto a turma do hóquei estava perdida (da mídia), dada a falta de um nome, ou mesmo de alguns nomes, no Chicago que claramente prevalecesse sobre os demais. Pergunte a dez pessoas sensatas sobre quem seria o merecedor do Conn Smythe deste ano e talvez você tenha quase dez nomes diferentes. E então, por absoluta falta de alguém mais destacado no time, Toews acabou sendo o escolhido.
Em tempo: dizer que o Chicago não teve maiores destaques que Toews nos playoffs não é demérito algum. O time tem sua maior força na combinação entre juventude, velocidade e conjunto. E ainda nos jogadores “de baixo” que surgem para decidir. Pense no monstro que Dustin Byfuglien tornou-se nesses playoffs e eis m bom exemplo disso.
E mais: Toews é um baita jogador, que eu adoraria ter no meu time.
Hossa finalmente conseguiu
Nunca antes na história desta liga um jogador esteve nas finais em três anos consecutivos, por três times diferentes. Lá atrás, no começo da temporada, eu biquei que ele estaria novamente na final, e que perderia mais uma vez. Ele de fato chegou a mais uma final, mas dessa vez escolheu o time certo. Hossa venceu (a Copa), eu perdi (a aposta).
Entretanto, isso também não apaga a baixíssima produção do atacante nesses playoffs. Foi tão baixa quanto no ano passado, quando estava vestindo a camisa do Detroit Red Wings (e na época a crítica quanto à baixa produção foi idêntica). Só que dessa vez foram míseros três gols. Estamos falando de Marian Hossa, goleador dos mais vorazes da NHL de hoje. Três gols em 22 jogos de playoffs.
Hawks vencedores
Peraí, esse artigo é pra esculhambar com Toews e Hossa? Err..., ok, talvez eu tenha focado demais nisso, mas o fato é que eu esperava mais de ambos. Arrisco-me a dizer que, se ambos jogassem o que se espera deles, não haveria Philadelphia pela frente — o time já estaria esmagado alguns dias atrás.
Os Blackhawks são os campeões da Copa Stanley com o time mais bem distribuído que eu já vi. Foram campeões com sobra, porque ainda se deram ao luxo de dispensar a produção esperada de suas duas maiores armas ofensivas nas finais. A diversidade ofensiva é tão grande que você não sabe se o problema viria de um Patrick Sharp, ou dos pesos-pesados Hossa, Kane e Toews, ou de um Byfuglien, ou ainda de trás, do ótimo Duncan Keith, ou mesmo de seu parceiro Brent Seabrook. E ainda Dave Bolland e Kris Verteeg, e mesmo os supostamente menos preocupantes Andrew Ladd e Tomas Kopecky. Em nenhum momento desses playoffs houve ameaça real (esqueçam as tradicionais paranóias de torcedor) à estabilidade do time — no máximo houve alguns pontos de equilíbrio, sobretudo nas séries contra o Vancouver e Philadelphia. O time agiu e venceu como o franco favorito que é.
Na seca desde 1961, agora os Hawks passam o bastão da secura para o Toronto Maple Leafs, que não levantam a taça desde 1967.
JR
Digam o que quiserem, mas eu achei um barato ver Jeremy Roenick emocionado com o título dos Hawks, ao fim da transmissão. JR nunca foi o protótipo de jogador frio que parece se espalhar pelos esportes norte-americanos, pelo contrário. Grande e eterno JR, isso só aumentou minha admiração pela grande figura que é.
Ville Leino
Quem diria, Ville Leino terminou os playoffs com impressionantes 21 pontos (ele que fez a bela jogada do gol de empate dos Flyers, que levou o jogo para a prorrogação), igualando o recorde da liga de pontos em playoffs por um novato.O mesmo Leino que parecia não funcionar ao longo de toda a temporada, seja pelo Detroit, seja pelo Philadelphia.
Puxei o assunto Leino aqui apenas para uma história pessoal interessante. Em abril passado, estive num bar em Salsburgo que era decorado por camisas e fotos de um time local de hóquei (Red Bulls). Conversando sobre hóquei com a “barwoman”, ela me falou que estudou com um finlandês que teria ido para a NHL. Disse que o nome era “Ville... alguma coisa”. “Ville Leino?” “Esse mesmo.” Disse a ela que ele estava na NHL mesmo, que havia sido negociado pelo Detroit para o Philadelphia e blablablá. Naquela hora, me abstive de dizer que ele fora praticamente mandado embora de Detroit e que era uma baita decepção na liga.
Vejam só como a história muda, e em questão de poucas semanas.
Marcelo Constantino agora une-se à família Dunga.