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2 de julho de 2004
Entrevista com André José Adler

Por Alexandre Giesbrecht e Marcelo Constantino

André José Adler é o narrador dos jogos da NHL na ESPN desde 1994. A maior parte da nova geração de torcedores deste esporte no Brasil associa aquele visual branco do gelo com o disco rolando à voz dele. E mais: a maioria aprendeu boa parte das regras com ele, que, incansavelmente, busca explicar o que está acontecendo no gelo, além de sempre difundir os fóruns de informação sobre a NHL no Brasil, como a lista de e-mail NHLbr e o canal #nhl da Brasnet (Mirc), além da própria The Slot BR.

Aos 60 anos de idade recém-completos (no último 21 de junho), nascido em Budapeste, Hungria, Adler já é tido como o padrinho do futebol americano no Brasil e tem tudo para ser o mesmo do hóquei no gelo por aqui. Ainda que muito pouco conhecido no País, o hóquei tem nele um grande apoiador dentro da própria ESPN. Mas ele dá o alerta: "A popularidade de qualquer esporte cresce com a sua prática. É ela que força a divulgação, a sua mídia."

Para quem não sabe, vale explicar que Adler não é o responsável pela programação da ESPN para a América Latina e nem mesmo tem ingerência direta sobre isso. Sempre que pode — e isso já ocorreu algumas vezes —, ele consegue puxar uma sardinha para o hóquei e fazer com que a emissora programe alguma partida para o Brasil. Não podemos pensar que a ESPN, ou qualquer outra emissora, irá preterir, por exemplo, a NBA para transmitir hóquei, porque isso confronta a lógica empresarial. Infelizmente.

A entrevista nos foi concedida por e-mail, logo após as finais da Copa tanley, e atualizada posteriormente, na semana passada, mas, ao lermos as respostas, temos a impressão de que Adler estava no mesmo recinto que nossos dois editores (que, por sinal, estavam em São Paulo e no Rio, respectivamente).

Como alguém nascido na Hungria e criado no Brasil foi parar em Bristol, CT?
Minha família chegou ao Rio quando eu tinha três anos e meio. Virei carioca aos poucos e já aos 12 anos estreei na televisão, como ator na TV Tupi do Rio de Janeiro. Garotinho metido, né? Aos 34, depois de ter feito televisão, cinema e teatro como ator, autor, produtor, diretor — e assistente de produção e direção, é claro — e ainda ter produzido e dirigido comerciais, senti que estava precisando aprender mais coisas na vida e me mandei para a Europa. Vagabundeei por quatro meses, morando em Paris, e voltei ao Brasil. Vendi carro e tal... e voltei para a França um mês depois, crente que ia conseguir trabalho e viver por lá mais um tempo! Só que não deu nada certo, e saquei que iria ter que voltar para o Brasil rapidinho, porque o Fundo de Garantia já tinha sido devidamente estourado! Mas eu tinha uma passagem Paris—Nova York, que ganhei em permuta de trabalho. Aí resolvi usar e passar 21 dias em Nova York, para ver como era. Era uma nova escola de vida. Um recomeço. Cheguei a Manhattan em 1979 e acabei morando em Nova York até 1994, quando me mudei para Bristol, depois de passar dois anos trabalhando na ESPN na base do trem para lá e para cá todas as semanas.

Como exatamente você foi parar na ESPN?
Inesperadamente. Em Nova York, enquanto estudava teatro, comecei a me sustentar usando o microfone. Só que era o dos ônibus de turismo, enquanto eu mostrava os pontos turísticos habituais da cidade. Ou então o microfone de estúdios de dublagem. Com os anos, eu comeci a fazer muitas traduções, desde legendas para longa-metragem até certidões de nascimento e versões em inglês para programas da Rede Globo. Gravei muitos videos institucionais, fiz a voz em português de alguns presidentes de companhias americanas em vídeos de empresa etc. Uma vez, recebi um telefonema de uma agência, para a qual já havia gravado o vídeo institucional da MTV, me chamando para fazer um teste para a ESPN. Eu pensei que se tratasse de uma coisa igual e disse para mandarem minha fita demo. Em seguida, recebi o telefonema de uma pessoa contratada pela ESPN para recrutar brasileiros para o serviço em português que estava em vias de ser lançado. Eu? Narrar esportes? Não poderia imaginar, em 1992, o quanto eu iria gostar e o quanto iria mudar a minha vida.

Além de narrar os jogos da NHL, quais são suas outras atribuições na ESPN?
Sou o narrador principal de futebol americano há muitos anos. Além disso, uma saudável variedade de esportes radicais, boliche, patinação artística, boxe, rúgbi, lacrosse, eventualmente golfe e competições caninas. É quando ter o Gretzky [o husky siberiano de Adler] me ajuda muito!

Desde quando você narra a NHL para a ESPN? Já tinha alguma outra experiência com o hóquei no gelo?
O hóquei foi o único esporte que me ofereci pra narrar. Já estava havia alguns meses na ESPN, quando li no USA Today sobre a aquisição de direitos. Eu disse para o chefe que eu tinha interesse em experimentar narrar a NHL. Para falar a verdade, a concorrência não foi muito grande por parte dos colegas. Mas eu sempre tive admiração pelos jogadores e as habilidades necessárias para praticar o esporte. Patinar mudando de direção o tempo todo e acertar um disquinho de borracha com um taco é uma conquista atlética. Aprendi o básico de narração com o John Paul Della Camara [atual locutor oficial do Atlanta Trashers, narrou vários jogos destes últimos playoffs na ESPN 2, e foi um dos narradores para os Estados Unidos (ESPN, ABC) das duas últimas Copas do Mundo de futebol], que foi um verdadeiro mentor. Nos primeiros jogos, ele ficava na técnica dando dicas. Foram vários jogos, inclusive playoffs. Mas ficou a vontade de narrar as finais da Copa Stanley (entre Kings e Canadiens), já que não tínhamos os direitos das finais. Já em 1993-94 fomos até o fim. E que Copa Stanley inesquecível! Flavio Pereira fez comigo, mas a praia dele é mesmo futebol. Depois entrou o Regis Nestrovsky para a ESPN. Ele já havia morado em Toronto e curtia hóquei. Fizemos muitos bons jogos juntos. Nesta época o Marco Alfaro, que fazia o antigo Sportscenter, sempre conversava sobre a NHL comigo. Não me lembro por quê ou como, mas houve a necessidade de entrar mais um no hóquei. Então o Marco entrou, e a gente se afinou bem. Ele faz hóquei com tanto prazer quanto eu, e aí estamos. Mais uma Copa Stanley feita. Acho que já é a sétima dele. Para mim, foi a número 11.

De quanto em quanto tempo você costuma vir ao Brasil?
Umas duas vezes por ano. Às vezes, três. Em 2004, já fui quatro! Ano de banzo!

Quais são os seus ídolos dentre as pessoas ligadas ao hóquei?
Meu cachorro se chama Gretzky. Fora "The Great One", que sempre admirei, não só pelo talento e pela garra, eu tenho que citar Mario Lemieux. O que ele já fez como pessoa, além de jogador, pelo hóquei, mostra uma paixão e decisão de grande homem.

E dentre narradores?
Dentre os narradores, o melhor é, sem dúvida, o Gary Thorne. Quando eu crescer, quero ser como ele, só que acho que não dá mais tempo!

Qual foi o melhor jogo que você já narrou?
Isto é mais difícil. Confesso que, como já narrei tantos, e como narro vários esportes, eu esqueço muito. Tipo vai para a lixeira do computador, para aliviar a memória RAM. Mas esta Copa Stanley de 2004 foi certamente uma série de alta competividade, técnica, talento e emoção. Comparável apenas à Copa Stanley de 1994 e à determinação de Mark Messier.

E o pior?
O pior jogo eu não lembro. Mas já narrei jogos chatos de Stars, Capitals, Rangers, Hurricanes e Devils. Os piores eu tento esquecer o mais rápido possível, para não pedir para fazer mais golfe!

Na sua opinião, qual o time da NHL que detém a maior torcida no Brasil?
Detroit Red Wings.

Você narrou duas das mais longas partidas da história da NHL, Philadelphia x Pittsburgh, em 2000, e Anaheim x Dallas, em 2003 (as duas mais longas desde 1936!). Em algum momento bateu aquela insatisfação com uma transmissão que já durava seis horas? Ou foi simplesmente divertido?
Honestamente, foram desafios muito apreciados. A gente narra os atletas batalhando contra o cansaço, e estas foram oportunidades de "atletismo na cabine". Quem estiver olhando para o relógio não pode narrar jogos de playoffs da NHL. No entanto, não faço a menor questão de bater o nosso recorde!

Qual foi a situação mais engraçada que você já viveu durante uma transmissão?
Uma de que me lembro foi durante um jogo na madrugada, que não gravamos antes ao vivo. Não lembro os times. Mas eram aquelas coisas que se arrastavam. Eu já havia feito um outro programa antes. Num certo ponto, o Marco começou a contar aquelas boas histórias que ele pesquisa pra enriquecer as transmissões, e eu... dormi! Talvez três segundos, se tanto. Mas, quando dei por mim, era a minha vez de falar, e eu disse, com aquele tom de recomeçar a ação: "Dallas Cowboys!" O Marco olhou para a minha cara, pasmo. Aí eu me toquei, e nem sequer o Dallas Stars estava jogando! Minha única saída foi continuar: "...Dallas Cowboys... um dos times batalhando nesta temporada da NFL, que você assiste aos domingos e segundas na ESPN!"

Como é a relação com os outros brasileiros da ESPN fora da emissora? Você costumam sair para fazer happy hours, encontros de família etc.?
Alguns são mais próximos que outros. Mas já aconteceram muitas boas festas.

Como brasileiro nascido húngaro, você já leu o romance "Budapeste", de Chico Buarque?
Estou lendo. O Chico diz no livro: "...húngaro, única língua no mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita." Eu nem sabia que eu tinha poderes de exorcista!

Nós sabemos que o hóquei sobre o gelo, no Brasil, está bem atrás de esportes como, por exemplo, o futebol americano e o beisebol em termos de popularidade. Com a experiência que você tem do futebol americano — em que você pôde assistir à dinâmica do crescimento do número de torcedores do esporte no Brasil — você arriscaria a palpitar um prazo para que o número de torcedores da NHL por aqui seja representativo?
Eu acho que há uns 4 anos havia mais times jogando in-line do que hoje. A popularidade de qualquer esporte cresce com a sua prática. É ela que força a divulgação. É ela que força a sua mídia. Vocês aqui da Slot e nós só podemos incentivar pelo exemplo da nossa dedicação. Coisa que a gente vem fazendo direitinho, né?

FIEL ESCUDEIRO Adler com Gretzky, seu husky siberiano (cortesia André José Adler)
 
DUPLA DE LOCUTORES Adler com Gary Thorne, seu ídolo dentre os locutores de esportes (cortesia André José Adler)
 
PERFIL
Nome de batismo Endre József Adler
Data de nascimento 21/junho/1944
Local de nascimento Budapeste, Hungria
Time de futebol Flamengo
Narra NHL na ESPN Desde 1992
 
CINEMA
Nem todos sabem, mas André José Adler trabalhou no cinema brasileiro dos anos 60 e 70, tendo sido ator e diretor em alguns filmes.
COMO ATOR
1974 A Estrela Sobe
1972 A Viúva Virgem
1970 O Bolão
1970 Estranho Triângulo
1969 Os Paqueras
1969 A Penúltima Donzela
1958 Pega Ladrão
COMO DIRETOR
1977 Nem As Enfermeiras Escapam
1971 A Nova Estrela (curta)
COMO ROTEIRISTA
1975 O Estranho Vício do Dr. Cornélio
1975 As Loucuras de um Sedutor
1973 Os Mansos
1973 As Moças Daquela Hora
1962 A Viúva Virgem
1970 O Bolão
1970 Pais Quadrados... Filhos Avançados
1969 Os Paqueras
Fonte: iMDB.com

 

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Página publicada em 30 de junho de 2004.