Por
Shawn Zimmerman,
especial para The Slot BR
Com o filme "Miracle" nos cinemas pelo mundo, todos falam sobre a conquista
milagrosa dos Estados Unidos contra a União Soviética, nas Olimpíadas
de 1980. Mas foi em 1972, oito anos antes do "milagre", que o hóquei
mudou para sempre, com dois países entrando numa guerra no gelo para
decidir quem era o melhor do mundo.
Foi no torneio que veio a se chamar Summit Series, com oito jogos
entre o Canadá e a União Soviética, entre os dias 2 e 28 de setembro.
Os quatro primeiros jogos seriam disputados no Canadá (em Montreal,
Toronto, Winnipeg e Vancouver), e os últimos quatro, em Moscou. O torneio
foi numa época em que os canadenses dominavam o hóquei no gelo. Tal
qual hoje em dia, o hóquei era como uma religião para os canadenses,
e ninguém no país pensava que uma outra seleção pudesse rivalizar com
a deles. Todos então achavam que o torneio seria uma demonstração do
talento canadense, só que foi o inverso. Ninguém esperava o imenso talento
dos soviéticos, e, no primeiro jogo, em Montreal, o que deveria ter
sido uma vitória fácil para o Canadá tornou-se uma derrota constrangedora
por 7-3.
O Canadá inteiro ficou quase sem ar. Ninguém esperava esse resultado;
todos previam oito vitórias canadenses consecutivas. Jornalistas justificaram
a derrota dizendo que os jogadores do Canadá não levaram o jogo a sério
e que não estavam em forma depois das férias de verão. Mas a razão verdadeira
foi o fato de a URSS ter uma seleção muito mais forte do que se imaginava.
No segundo jogo, o Canadá venceu por 4-1, em Toronto. A seleção canadense
jogou com muito mais emoção e determinação, batendo os soviéticos contra
as bordas e dando um show no gelo para o público. A vida era bela novamente,
o Canadá vencera e todos esperavam mais seis vitórias fáceis, mas isso
não aconteceu. Dois dias depois, em Winnipeg, as duas seleções empataram
em 4-4. O nível desse jogo aumentou bastante em comparação ao anterior,
e ficou claro que a União Soviética não entrou no torneio para aprender,
mas, sim, para ensinar aos canadenses que eles não eram a única nação
de hóquei no mundo. Isso ficou até mais evidente quando os soviéticos
venceram por 5-3 o último jogo no Canadá, disputado em Vancouver.
O Canadá ganhou apenas uma vez, empatou outra e perdeu duas vezes. Ninguém
esperava esses resultados. O povo canadense não acreditava no que estava
vendo. No último jogo, a própria torcida vaiou a seleção. Os jogadores
ficaram sem palavras e muito frustrados com a reação da torcida. Até
um dos capitães, Phil Esposito, disse em uma entrevista depois do jogo
que a seleção não esperava esses resultados, mas, mesmo assim, não merecia
ser tratada pelo publico daquela maneira.
A seleção da União Soviética, alegre e confiante, voltava para casa
com cinco pontos nas mãos (duas vitórias, um empate e uma derrota).
Enquanto isso, a seleção canadense seguia para uma terra desconhecida
e hostil, procurando um jeito de vencer os talentosos soviéticos. Os
jogadores do Canadá sentiram-se abandonados depois da reação da própria
torcida, mas estavam enganados. Três mil canadenses viajaram para a
Moscou, a fim de apoiar o time, e milhões de telegramas de apoio foram
mandados para os jogadores. Durante o primeiro jogo em Moscou, a torcida
canadense fazia tanto barulho que a torcida soviética, geralmente conservadora,
tentou, sem sucesso, ser mais ruidosa. Infelizmente para a seleção canadense,
a torcida não foi suficiente e o jogo terminou com mais uma derrota,
desta vez por 5-4.
Mesmo assim, o Canadá jogou sua melhor partida do torneio. O ódio entre
as duas seleções tinha aumentado. Agora a Guerra Fria significava muito
mais. Houve muito mais violência durante os jogos do que fora do gelo,
na política. Os jogadores se digladiaram, usando as mãos, o taco
e até os patins. Mas agora o desafio para o Canadá parecia quase impossível:
eram necessárias três vitórias consecutivas para ganhar o torneio. O
desafio ficou mais difícil ainda quando os dois juízes da Alemanha tentaram
entregar os jogos seguintes para os soviéticos. Eles marcaram penalidade
após penalidade contra os canadenses, muitas vezes sem nenhuma
explicação. Pareciam estar com um pé atrás contra o Canadá. Só
que isso não desmoralizou o time, que venceu por 3-2. Nada estava determinado
ainda.
A seleção canadense achou a confiança que havia perdido depois dos primeiros
quatro jogos no Canadá. No sétimo jogo, a intensidade aumentou ainda
mais, e os dois times, que haviam começado o torneio de uma maneira
agradável e simpática, se preparavam para uma verdadeira guerra, o que
resultou em várias contusões. Havia atletas com ossos quebrados, concussões
cerebrais, mas nada podia fazer um deles perder qualquer desses jogos.
A duas partidas do fim, as duas seleções entraram na melhor forma. Nada
mais de desculpas; os dois times estavam prontos para disputar os jogos
mais importantes de suas vidas.
E o jogo foi disputado como se fosse mesmo o último da vida deles. O
placar ficou empatado em 3-3 até que Paul Henderson, a 2:08 do final
da partida, marcou o gol da vitória, empatando a série. Foi o mesmo
Henderson que havia marcado o gol da vitória canadense na partida anterior.
Depois do jogo, ele disse em uma entrevista que foi o gol mais importante
da vida dele e que então ele podia morrer feliz. Mas ainda faltava uma
partida para determinar o vencedor.
Os dois países inteiros estavam prontos para ver esse jogo. No Canadá,
todo o país parou, todo mundo estava em frente a uma televisão para
ver o jogo. Eles sabiam que um empate não seria suficiente. Os soviéticos
haviam marcado um gol a mais do que os canadenses, então a igualdade
significaria a vitória da URSS na série.
A partida começou com muita emoção, mas os juízes novamente deram trabalho
aos canadenses. Com apenas dois minutos de partida, o Canadá ficou com
dois jogadores a menos, e os soviéticos abriram o placar. Os canadenses
não desistiram, mas, depois de dois intervalos, os europeus venciam
por 5-3. Mesmo assim, o Canadá estava confiante de que ainda podia vencer.
Um gol de Phil Espósito, aos dois minutos do último período, facilitou.
O placar marcava 5-4 para a URSS e, dez minutos depois, o Canadá empatou.
O juiz demorou para confirmar o gol, e já parecia que ele não
iria dar o sinal. O presidente da seleção canadense, Alan Eagleson,
que fazia parte da torcida, tentou avançar para cima do juiz para reclamar,
mas, assim que chegou perto, os soldados soviéticos tentaram levá-lo
para fora. Vendo isso, os jogadores canadenses foram ajudar Eagleson
e usaram os tacos como arma contra as pistolas dos soldados. Em uma
das situações mais estranhas na história do esporte, os jogadores conseguiram
levar o presidente com eles. Finalmente, o gol do Canadá foi anunciado,
e o placar ficou empatado em 5-5.
O coração de uma nação inteira estava correndo a mil quilômetros por
minuto. O Canadá inteiro comemorou esse quinto gol, mas, com os minutos
passando, o time precisava de mais um gol. Quando o último minuto do
jogo chegou, a esperança quase desapareceu. Mas os jogadores continuaram
a batalhar, e o Canadá teve mais uma chance quando Yvan Cornoyer
interceptou o disco e deu um passe para Henderson, que não o dominou.
Felizmente, Esposito estava atrás dele e teve a chance de chutar.
O goleiro fez a defesa, mas Henderson — o mesmo que marcara os
dois gols da vitória nos jogos anteriores — pegou o disco e marcou,
com apenas 34 segundos faltando para o fim do jogo. Aquele foi realmente
o gol mais importante e famoso na vida dele. Com a vitória, o Canadá
venceu por 6-5 e ganhou a série por 4-3-1. Milhões de canadenses saíram
às ruas para comemorar a vitória. Parecia o fim da Segunda Guerra Mundial
— e para os canadenses tinha quase o mesmo significado. As pessoas
se abraçavam e se beijavam nas ruas. Foi um imenso espetáculo.
Mesmo com os canadenses vencendo a série, ficou claro que eles não seriam
mais a única seleção dominante no hóquei. Todo mundo havia percebido
que os europeus tinham alguns dos melhores jogadores do mundo. Mesmo
assim, demoraria mais algum tempo para os jogadores da Europa chegarem
na NHL. Mas a Summit Series mostrou para o mundo que os europeus
podiam jogar no mesmo nível que os canadenses. Até hoje, a seleção canadense
de hóquei é considerada a melhor do mundo, mas isso não quer dizer que
ela sempre ganhe. Atualmente há muito mais competição, e as seleções
de todos os países estão melhorando. Agora podemos lembrar dessa série
histórica, que marcou um momento decisivo do hóquei moderno.
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Shawn Zimmerman é leitor da The Slot
BR e mora em Montreal, Canadá. |
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