Por
Marcelo Constantino
Semanas atrás a ESPN nos presenteou com um belo especial
sobre as brigas na NHL. Foram apresentadas diversas visões sobre
seu papel, sua necessidade, suas virtudes e defeitos, seu código de
ética, etc. Um prato cheio para que gosta do assunto. E quem não gosta,
em se tratando de um torcedor da NHL?
Eu prefiro ver um tranco bem dado a uma briga. Um tranco daqueles de
meio de gelo ou nas bordas, que enche os olhos. Mas, evidentemente,
reconheço o valor de atração de uma briga é não nego que também me atrai.
Faz parte do hóquei, único esporte coletivo que tolera esse tipo de
ato.
O argumento de que as brigas espantam patrocinadores e anunciantes,
que não querem ver seus produtos associados à violência, é coisa de
quem quer transformar o hóquei em esporte de madame para ter anúncio
de produtos femininos. Hóquei é isso mesmo, trancos nas bordas, brigas
pra valer, dentes quebrados e tudo mais. É sempre bom lembrar que a
busca pela ampliação do público tem seu limite no desrespeito ao público
atual. Afinal, como vários analistas sempre recordam, ninguém muda de
canal ou se levanta (no estádio) para comprar refrigerante quando está
rolando uma briga.
O fato é que a violência atrai a atenção -- ainda que falsos pudores
proclamem o contrário -- e tem seu papel determinante no hóquei. Um
tranco pode mudar a história de uma partida. E uma partida pode mudar
a história de uma temporada. Eric Lindros (ou Scott Stevens) pode confirmar
isso. Se um tranco tem esse poder, o mesmo serve para uma briga, seja
ela generalizada ou não. Não tenham qualquer dúvida de que o Detroit
Red Wings não teria vencido a Copa Stanley de 1997 se não fosse o memorável
bloodbath.
A imensa maioria das rivalidades na NHL são construídas em cima de placares,
claro, mas também jogadas ríspidas. Wings x Avs e Leafs x Isles são
duas rivalidades atuais que nasceram de polêmicos trancos em playoffs.
Isso é hóquei.
Agora, da mesma forma que uma briga, ou um tranco, pode mudar uma história,
é bem verdade que pode significar absolutamente nada. Assim como um
disco disparado ao gol: pode entrar ou não. Se entrar, pode ser o gol
da virada, do título, da prorrogação, mas pode também ser apenas mais
um, ou o de honra. Enfim, escrevo isso apenas para acabar com esse estardalhaço
de que as brigas não têm sentido nem razão de existir, porque elas têm
sim.
Mas o debate não é simples, nem bobo. Há os que se opõem
completamente a permissividade para com as brigas por uma questão
de princípios. Há outros que argumentam que as brigas
hoje em dia não têm mais qualquer sentido no jogo, e o pior é que esses
têm razão. Atualmente, com evidentes exceções, as brigas ocorrem meio
que automaticamente entre aqueles dois que estão ali quase que para
brigar um com o outro, e fica por aí mesmo.
Acabem com a penalidade contra o instigador! -- Se
as brigas de hoje em dia estão cada vez mais automáticas, esporádicas
e robóticas, é por causa da regra que penaliza o jogador que provoca
a briga.
A figura do jogador intimidador (enforcer) é a daquele que mal
joga hóquei, possui pouca habilidade, e está no time especificamente
como "segurança", principalmente dos jogadores mais habilidosos
que não brigam. Ele serve (também) para prevenir os adversários de seus
trancos mais maliciosos, tacos altos demais, etc. Se, por exemplo, um
jogador ousasse levantar seu taco na altura da cabeça da estrela adversária,
lá ia o intimidador da equipe tirar satisfações, sacar as luvas e chamar
para a briga. O exemplo clássico disso era Dave Semenko, fiel protetor
de Wayne Gretzky no gelo, nos tempos áureos do Edmonton Oilers
dos anos 80.
Depois que a NHL instituiu a penalidade para o jogador que provoca brigas
(e não apenas a penalidade, mas também a expulsão, multa e suspensão,
em caso de reincidência) a figura do intimidador vem perdendo cada vez
mais espaço. Foram se tornando cada vez mais raros os jogadores na NHL
que apenas sabem brigar e que não jogam hóquei, o que definitivamente
é um efeito saudável para o hóquei. Por outro lado, na ausência de um
xerife durão na retaguarda, assistimos hoje ao festival da obstrução,
do agarra-agarra e de tacos excessivamente altos no jogo. Não há mais
aquele medo de ser repreendido pelo brucutu adversário caso você atinja
um jogador deles.
Como hoje em dia o papel do "segurança" é repreendido pela liga, resta
aos jogadores esperar que os juízes marquem as infrações cometidas com
o taco (taco alto, slashing, etc.). Ou seja, é um abraço e dane-se.
O que mais tem na NHL hoje em dia é infração que não é punida.
No fim das contas o papel do intimidador passou de proteção aos jogadores
e ao time a mero entretenimento. Atualmente as brigas são isso na maior
parte das vezes, mero entretenimento. Por mais atraentes que sejam,
são poucas hoje em dia as que decorrem de algum ato provocativo não
barato, de dentro do jogo (uma coisa é brigar porque o adversário atingiu
a estrela do seu time, outra é porque simplesmente ele ficou olhando
para sua cara).
Que a NHL faça um teste: que acabe com a regra que penaliza o provocador
da briga e veremos se as coisas não mudam para melhor.
|
|
|
|
BRIGA Deixem as brigas em
paz, ou incentivem-nas! (John Ulan/AP - 29/01/04) |
|
|
|
|
|
TRANCO Poucas coisas chamam
mais a atenção de um torcedor leigo do que um desses
trancos no meio do gelo (Patrick Price/Reuters - 30/01/04) |
|