Por Humberto Fernandes

Hollywood poderia facilmente transformar essa história em um filme feito para a TV.

Cinqüenta anos atrás, os Red Wings liderados por Gordie Howe, Ted Lindsay e Terry Sawchuk jogaram contra o pior time que eles poderiam encarar: uma equipe de assassinos e ladrões dentro da Prisão Marquette.

A idéia de um jogo entre profissionais e condenados originou-se no ano anterior, quando o gerente geral dos Wings, Jack Adams, e Lindsay, capitão do time, visitaram o pátio da prisão durante um evento patrocinado na cidade de Marquette.

Os antigos cabeças da Gangue Roxa, Harry Keywell e Ray Bernstein, fãs dos Wings, cumprindo prisão perpétua por assassinato no "Massacre de Collingwood" — triplo homicídio dentro de um edifício de Detroit em 1931 —, aproximaram-se de Adams e disseram a ele: "Ei Jack, o que acha de trazer os Red Wings aqui para uma 'briga'?"

Esta foi uma oferta que ele poderia ter recusado.

Sabendo que a prisão não tinha uma equipe ou um rinque, Adams imediatamente aceitou o convite. O guarda Emery Jacques complementou: "A qualquer hora, Jack." Jacques mais tarde admitiu ter cometido o erro de concordar com algo que não poderia cumprir.

Mas dentro de algumas semanas Jacques contratou Leonard Brumm, membro do time de hóquei da Universidade de Michigan campeão universitário em 1948, como o primeiro diretor atlético da prisão.

Além de estabelecer várias atividades recreativas como uma válvula de escape para ajudar a reprimir os distúrbios da prisão, Brumm construiu um rinque e começou a treinar os internos selecionados para jogar. A maioria deles tinha entre 30 e 40 anos, sendo que poucos podiam patinar bem. E Brumm ainda teve que batalhar para conseguir tacos de hóquei para seus jogadores. A prisão proibiu tacos durante anos, temendo que os internos usassem para atacar os guardas ou a si mesmos. Ao invés de hóquei no gelo, eles jogavam kick hockey, um tipo de futebol no gelo.

Jacques manteve Adams informado sobre o progresso de Brumm. E quando Adams soube que os internos não tinham patins ou equipamento de goleiro, doou todo o equipamento do Omaha Knights, um extinto time afiliado aos Wings. A equipe semi-profissional Marquette Sentinels concordou em financiar a viagem dos Wings à prisão em troca de um amistoso contra eles após o jogo contra os internos.

Adams manteve sua promessa.

No dia 2 de fevereiro de 1954, o mal-humorado Adams e o treinador Tommy Ivan conduziram os Wings através da verificação de segurança antes de chegar ao pátio da prisão entre aplausos de 600 internos.

"Fazia 21 graus, céu nublado, sem vento, perfeito para hóquei externo", recorda Brumm, hoje com 77 anos.

"Eu tive 15 caras trabalhando no gelo a noite toda com escovas de dentes para deixá-lo perfeito", diz Brumm, que publica o Wisconsin Hockey News e gerencia o rinque de gelo de Kenosha, Wisconsin.

Os Wings adentraram, para deleite do mais brutal público a assistir um jogo de hóquei — toda a população da prisão acompanhou, exceto os que estavam na solitária.

Brumm jogou como defensor e imediatamente se impressionou com os Wings.

"Eles nos deixavam conduzir o disco pelo gelo, então roubavam-no, davam três passes e marcavam um gol", lembra-se Brumm. "Eles marcavam um gol a cada minuto e poderiam ter feito isso mais rápido se eu tivesse tirado o disco da rede rapidamente. Quando estava 18-0 pros Wings no fim do primeiro período, o responsável pelo placar parou de marcar."

Terry Sawchuk, entediado pela inatividade no seu canto do gelo, sentou-se em cima de sua trave. Após passar por vários minutos de inatividade, ele deliberadamente derrubou um adversário e foi mandado para o banco de penalidades para dar alguns autógrafos.

No segundo período, os times se misturaram e alguns jogadores dos Wings vestiram a camisa verde dos prisioneiros. Para o terceiro período, os Wings jogaram entre si, para o deleite dos barulhentos internos que regularmente ouviam as transmissões do time.

Após o jogo cada jogador dos Red Wings recebeu uma carteira feita a mão com o seu nome e o símbolo do time gravados em couro, presentes feitos pelos prisioneiros. Naquela noite, os Wings derrotaram o Marquette Sentinels na arena da cidade, antes de retornar para Detroit.

E dez semanas depois eles foram coroados como campeões da Copa Stanley após derrotar o Montreal Canadiens.

E ninguém aplaudiu tanto quanto os internos de Marquette.


Nota: esse artigo foi originalmente publicado na edição de 29 de janeiro do Detroit Free Press, escrito por Bill Dow. A reprodução aqui feita conta com trechos extraídos da página Letsgowings.com e exclusões feitas pelo tradutor.

A título de curiosidade, Leonard Brumm narra seus quatro anos como diretor atlético da Prisão de Marquette em seu livro, "We Only Played Home Games." Nome mais sugestivo que esse, impossível.