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6 de fevereiro de 2004
Pensamentos sobre o apocalipse

Por Alexandre Giesbrecht

Na semana passada, o comissário da NHL, Gary Bettman, e o presidente da Associação de Jogadores da NHL (NHLPA), Bob Goodenow, tiveram um encontro em Nova York e foram assistir a uma partida no Madison Square Garden.

Acho que não poderia haver lugar melhor para eles irem do que a casa do time sempre apontado como principal vilão na escaladas dos salários da liga na última década. Os nada menos que US$ 80 milhões que os Rangers pagam a seus jogadores representam praticamente o dobro das folhas salariais de Penguins e Predators. Juntos.

É claro que os Rangers não são os únicos culpados. As regras do acordo coletivo de trabalho acertado em 1995 permitem tais gastos. Os jogadores, obviamente, aceitam os altos salários. A liga insiste em dizer que tudo está bem, quando, na verdade, está muito longe disso.

E ficamos os fãs de hóquei imaginando o que acontecerá depois que a Copa Stanley for levantada, em junho próximo. A ameaça de locaute será piorada pelo simples fato de que a NHL aceitou 15 de setembro como data final do atual acordo coletivo. Por que não 1.º de julho? É nessa data que os contratos expiram, e será nessa data que a confusão vai se iniciar.

Agentes livres irrestritos ficarão no limbo, sem receber ofertas, porque os times não poderão se dar ao luxo de fazê-las sem saber o que vem pela frente. Agentes livres restritos correrão o risco de não receber nem a oferta mínima – tornando-se, pois, irrestritos –, pelo mesmo motivo. Não se sabe ainda se o novo sistema, seja ele qual for, vai forçar ou desencorajar a renovação de contratos das estrelas, por isso os gerentes gerais ficarão mais perdidos do que muitos já são quando o mês de julho chegar.

Se pegarmos o Detroit Red Wings como exemplo, podemos ver que a situação é séria. O que farão eles quando os contratos de Nicklas Lidstrom, Kris Draper, Tomas Holmstrom, Chris Chelios, Mathieu Schneider, Brett Hull e Dominik Hasek expirarem? Normalmente, a chance seria grande de que a maior parte deles renovasse contrato, mas as próximas férias estarão mais distantes da "normalidade" do que jogos ao vivo na ESPN International todos os dias da semana.

Jogadores com altos salários já estão sendo oferecidos ao redor da liga, mas não há quem os leve. Os Penguins cortaram drasticamente sua folha de pagamento fazendo exatamente isso: Jaromir Jagr, Darius Kasparaitis, Robert Lang, Alexei Kovalev, Martin Straka e outros menos cotados saíram simplesmente porque seus salários tinham zeros demais. Se um teto salarial for instituído, o time de Pittsburgh sairá na frente dos tradicionais gastadores (Rangers, Avs, Wings, Stars e Flyers).

Essa solução radical tem sido apontada por muitos como a melhor saída, mas ela provoca um belo inchaço na coluna "derrotas" da classificação. Times na briga pelo título não podem se dar a esse luxo. Melhor ganhar agora, "enquanto dá", e aguardar o que vem por aí, rezando para tudo dar certo.

Bem, no fim das contas, tudo vai dar certo. Só não se sabe quando será o fim das contas. Os donos de times querem porque querem um teto salarial. A NHLPA já disse que nem começa a negociar tal regra, embora Goodenow já tenha dado uma declaração incongruente (para não dizer estúpida) a respeito, dizendo que alguns times já têm um teto salarial não-declarado. Será que ele já ouviu falar sobre algo chamado "orçamento"? Suponho que ele tenha um em casa.

Mark Madden, colunista do jornal Pittsburgh Post-Gazette, escreve: "Os jogadores da NHL ficam com cerca de 76% da receita bruta da liga. Os da NFL ficam com 64,25% de sua respectiva liga. Os da liga de basquete ficam com 48%. A NHL quer que os jogadores fiquem com algo entre 55% e 60%. Jogadores de hóquei ganhando um pedaço maior da torta que jogadores de ligas mais populares desafia a lógica. A NFL é, de longe, a liga profissional mais popular dos EUA. Os donos de times ganham dinheiro. Os jogadores ganham dinheiro. É uma parceria de verdade. Ninguém parece se sentir tapeado."

Aí vem Bill Guerin e diz: "O sistema da NFL é uma piada. É o pior acordo coletivo de trabalho em qualquer esporte profissional." Já seria uma declaração risível, mas fica hilariante quando se lembra que Guerin é o mesmo jogador que quase decepou a cabeça de um novato com uma tacada que mais parecia uma machadada na pré-temporada de 2002-03.

Está mais do que claro que o sistema da NFL funciona para todo mundo, e não apenas para os jogadores, como acontece na NHL. Desde que o acordo coletivo atual começou, a receita da liga aumentou 163%. Nada mau, não? Mas os salários aumentaram 252% no mesmo período. Pode até ser que a NHL esteja exagerando quando diz que os times somaram um prejuízo de US$ 300 milhões na última temporada, mas o crescimento dos salários realmente está fora de proporção, ainda mais se comparado com o declínio de interesse e audiência que a liga tem experimentado desde que... bem, desde que houve o último locaute, em 1994.

Madden continua: "Mario Lemieux e Wayne Gretzky, dois dos maiores jogadores da história do hóquei, são donos de times hoje e viram a insanidade fiscal da NHL dos dois lados. Tendo se aproveitado das benesses de um sistema sem teto salarial, pode parecer hipócrita da parte de Lemieux bater o pé por isso. Mas Lemieux nunca recebeu todo o seu salário." É verdade. Lemieux sobrou com promessas no valor de US$ 35 milhões e não achou outra alternativa para receber seu dinheiro, a não ser ficar com uma parte do time. Parte essa, aliás, que ele não conseguiria vender, mesmo que tentasse.

Aconteça o que acontecer, é bom irmos nos preparando para um ano ou mais sem hóquei. Nem de madrugada.

Alexandre Giesbrecht, 27 anos, lembra-se da decepção de quando descobriu, em cima da hora, que a abertura da temporada de 1994-95 seria adiada.
 
  VILÃO? Brian Leetch, Bobby Holik, Alexei Kovalev e Jan Hlavac: só com esses quatro, tem-se praticamente a folha salarial de Penguins e Predators (Kathy Willens/AP - 02/02/04)

 

 

 

 

 

 

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Página publicada em 4 de fevereiro de 2004.