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16 de janeiro de 2004
A seqüência e o futuro

Por Alexandre Giesbrecht

Fazia tempo que eu não me alienava assim da NHL. Duas semanas sem acesso à Internet, sem acesso a e-mail, apenas com jornais locais, que, óbvia e lamentavelmente, não cobrem hóquei no gelo. Meu único contato com a liga foram os e-mails recebidos no celular com os resultados dos jogos dos Penguins, geralmente com horas e horas de atraso, sendo que os referentes à vitória por 1-0 sobre o Chicago, no dia 30 de dezembro, nunca chegaram, e só fui descobrir o resultado quando voltei.

Para escrever esta coluna, foi necessário tentar ficar a par do que aconteceu nessas duas semanas quando gelo, para mim, era só o que eu colocava no copo na hora de beber alguma coisa de fora da geladeira. E não houve acontecimento mais importante do que a quebra do recorde de minutos de shutout da era moderna, pelo até então goleiro reserva dos Coyotes, Brian Boucher.

Boucher é aquele mesmo que, depois de uma temporada sensacional em 1999-2000, entrou em colapso nos playoffs, nunca repetiu tais números e acabou sendo trocado para Phoenix antes da temporada passada. Ou seja: ele já tinha mostrado que era capaz, embora não com freqüência — os Coyotes o expuseram durante o recrutamento de desistência, em setembro. Ainda falta mostrar que é capaz de manter a mesma produtividade. Ele não conseguiu da primeira vez, mas agora, mais experiente, pode encarar melhor a responsabilidade que vem com o sucesso.

E ele começou bem nessa tarefa. Depois que ele teve de buscar o disco no fundo de seu gol pela primeira vez em mais de cinco horas de hóquei, o jogo parou para ele ser cumprimentado pelos seus companheiros de time e para o telão do estádio mostrar alguns momentos da incrível seqüência, que durou exatos 332 minutos e um segundo. Com toda essa distração, não seria difícil o Atlanta Thrashers, adversário naquela noite, aproveitar-se disso e conseguir uma goleada. Mas não foi o que aconteceu. Boucher continuou espetacular, parando todos os demais chutes que foram em sua direção.

Aliás, o próprio chute que o iludiu só terminou atrás dele por ter batido no peito de um de seus companheiros, David Tanabe. Sem o involuntário desvio, o disco iria fatalmente ser parado por Boucher, como os 146 anteriores. Mas Tanabe sabe que não tem culpa, e sabe também que, uma hora ou outra, a seqüência teria de acabar, apesar de a torcida querer que ela continuasse até, quem sabe, o título da Copa Stanley: "Eu não sinto nem um pouco de remorso. Nem por um segundo me sinto mal pelo que aconteceu. Não havia nada que eu pudesse fazer. Eu estava jogando e estava na minha posição, fazendo o que eu deveria estar fazendo."

Não que o gol que encerrou a seqüência tenha sido de todo ruim. Tirou um belo peso das costas do time. Não deve ser fácil começar um jogo sabendo que o adversário tem um incentivo a mais para marcar gols. Ainda mais porque o ataque dos Coyotes não é tão confiável: o time só marcou mais de três gols em nove jogos e, nesses nove jogos, tem uma campanha de meros 5-2-2 (duas destas vitórias vieram durante a seqüência de Boucher).

Por isso mesmo, é bom ninguém achar que o incrível feito do goleiro automaticamente transforma o Phoenix em favorito. O time ainda está fora da zona de classificação, embora empatado em pontos com o oitavo colocado. É bem verdade que um goleiro em boa fase pode carregar um time nas costas durantes os playoffs, como provou Jean-Sébastien Giguere e seu Anaheim Mighty Ducks no ano passado, mas é importante ter um time com vários pontos fortes, e os Coyotes ainda não têm isso.

Ainda assim, eles estão muito melhores do que se poderia esperar no início da temporada. Poucos esperavam que eles conseguissem fugir das últimas colocações na Conferência Oeste e na liga. Mesmo esses poucos dificilmente apostariam que o time, depois de jogar a metade de seus compromissos, estaria tão na briga por uma vaga nos playoffs.

A partir daí, o que foi conseguido durante a temporada, mesmo os cinco shutouts seguidos, deixa de valer. "[A partir dos playoffs, o time] pode focar a seqüência que realmente importa: a Maldição de Winnipeg", escreveu o colunista Dan Bickley, do jornal Arizona Republic. "A dura bagagem que acompanha um time que não ganha uma série nos playoffs desde 1987."

Alexandre Giesbrecht, 27 anos, agora terá de esperar mais longos 36 dias até suas próximas férias — ei, férias atrasadas também têm seu lado bom.
 
  VOCÊ JÁ TINHA VISTO ISSO? Brian Boucher é cumprimentado depois de sofrer um gol. O primeiro em 13 dias (Roy Dabner/Reuters - 11/01/2004)

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Página publicada em 14 de janeiro de 2004.