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26 de dezembro de 2003
Ritual de Natal

Por Alexandre Giesbrecht

Como no Natal do ano passado, a torcida dos Bruins deve ter pedido uma Copa Stanley de presente. Ou, ao menos, uma boa performance nos playoffs. Como no Natal do ano passado, o que se viu foi um time começado muito bem a temporada e desmoronando no mês em que Papai Noel visita as casas das crianças bem comportadas.

O Boston novamente começou arrasador a temporada, acumulando 11-2-3-3 nas suas primeiras 19 partidas. Mas, desde que chegou a esse ápice, seguiu numa curva descendente que mais se assemelha a um precipício, com catastróficos 2-7-6-1 nos 16 jogos seguintes (aproveitamento de 34,4%). O time não ganha uma partida em casa desde 20 de novembro, mais de um mês atrás. Aliás, nos últimos seis jogos em casa, marcou meros cinco gols, incluindo shutouts sofridos para Leafs e Flames — neste último jogo, sofreu cinco gols nos primeiros nove chutes.

Entretanto, a diretoria ainda não entrou em pânico. Prova disso é que o gerente geral Mike O'Connell não moveu uma palha em busca de alguma troca que possa reforçar o time, mas comenta-se que, assim que acabar o congelamento natalino de trocas, no próximo sábado, já estaria engatilhada uma troca de Hal Gill por Tom Poti, do New York Rangers. O'Connell nega.

"Eu estou procurando algo", revelou, embora sem dizer se tem algo a caminho. Perguntado se estava bravo com o time, ele respondeu: "Eu não sei. Eu não sei como estou. Eu diria, talvez, desapontado. Desapontado que não temos conseguido nada desde os primeiros jogos da temporada."

Uma pequena série de más atuações acontece com qualquer time, mas 16 jogos não são mais uma pequena série. O técnico, o estreante Mike Sullivan, acha que as coisas não estão tão ruins, e que uma reviravolta está iminente: "Eu não questiono se [os jogadores] me dão atenção. Acredito que temos o que é necessário para ganhar no elenco, e é minha responsabilidade trazer isso à tona."

E é bom ele conseguir isso logo. No ano passado, o time liderava a Conferência Leste em novembro, mas caiu tanto que, além de quase ficar de fora dos playoffs, caiu logo na primeira fase, frente aos Devils. Se tivessem mantido o ritmo, teriam pegado certamente um adversário inferior. O mesmo está ameaçando ocorrer agora.

Na semana passada, durante o desastre que foi a partida contra os Flames, a busca por uma fórmula para acabar com a letargia que dominou o time levou a uma penalidade durante a partida. Os Bruins foram punidos com dois minutos, por demorar demais para voltar do primeiro intervalo — se fizessem isso nos estádios de futebol brasileiros, certamente seria um festival de penalidades. Sullivan creditou o atraso a uma "longa reunião".

Sullivan acredita que o astro Joe Thornton, que atualmente está em primeiro entre os centrais na votação para o Jogo das Estrelas, à frente dos consagrados Mario Lemieux e Joe Sakic, seja uma das chaves para levar o time de volta ao topo. Nos 77 jogos que disputou durante a última temporada, Thornton marcou 36 gols em 196 chutes. Já nos 34 jogos desta, ele tem sete gols em 83 chutes.

"Acho que Joe tem que pensar em chutar mais e dirigir-se mais ao gol, ao invés de criar as jogadas o tempo todo", analisou Sullivan. "Ele é grande e forte. É difícil contê-lo, e ele tem um grande chute. Estamos tentando encorajá-lo a levar o disco à rede."

Thornton até concorda: "Obviamente, eu prefiro passar, em primeiro lugar, e chutar, em segundo. Se eu levar o disco até a área, eventualmente ele vai sobrar para [os companheiros de linha Glen Murray e Mike Knuble] mandarem para a rede vazia. Estou começando a aprender melhor isso."

Outro fator que pode melhorar a produtividade é a equipe de vantagem numérica. Desde que a queda livre começou, o aproveitamento com um homem a mais é de parcos 8,33% (5 em 60). O time tem sentido falta de um zagueiro para mover o disco durante as vantagens numéricas, o famoso "quarto-zagueiro", na comparação com a posição do futebol americano.

Quem fazia essa função era Bryan Berard, que saiu brigado durante as férias, por não aceitar a nova oferta de contrato. Ele ainda não foi substituído satisfatoriamente, daí as especulações sobre Poti, que tem a habilidade para exercer esse papel.

O problema envolvendo qualquer eventual troca é o mesmo que todos os times têm enfrentado: o fim do atual Acordo Coletivo de Trabalho. Os Bruins têm uma das menores quantias comprometidas com salários para a próxima temporada: US$ 9 milhões. Para se ter uma idéia, os mesmos Rangers que parecem dispostos a trocar Poti têm US$ 65 milhões comprometidos, só com salários referentes a 2004-05.

Ao mesmo tempo, os Bruins também são o time na liga com o maior número de jogadores a ponto de ganhar o passe livre (agentes livres irrestritos): 12, incluindo Knuble, Murray, Brian Rolston Dan McGillis e o goleiro Felix Potvin, atualmente na reserva da jovem revelação Andrew Raycroft, o melhor novato a defender os Bruins desde Blaine Lacher, cujo impacto inicial só não foi maior que a decepção no ano seguinte.

É, certamente, uma posição mais confortável que a da grande maioria dos 29 outros times, mas ainda não é o ideal, porque ninguém sabe o que trará o novo Acordo Coletivo.

Este, aliás, foi um assunto que também polemizou em Boston durante a semana que passou. O vice-presidente executivo e diretor legal da NHL, Bill Daly, deu declarações sobre o Acordo Coletivo atual que irritaram o presidente dos Bruins, Harry Sinden. Daly disse que foi o contrato inicial de Thornton, junto com a oferta dos rangers ao então agente livre restrito Joe Sakic, ambos em 1997, que levaram o sistema econômico da NHL ao caos. Em longa declaração ao jornal Boston Globe, Sinden soltou os cachorros.

"A história saiu como se Rangers e Bruins tivessem causado esse caos financeiro. Um time numa grande cidade que tem estado sempre entre as menores folhas de pagamento, levou seu capitão [Ray Bourque] para a arbitragem por não querer pagar um salário alto, deixou vários jogadores ir embora por pedidos de renovação altos demais, colocou jogadores de volta no recrutamento e fica com jogadores sem contrato todos os anos para tentar manter a ordem na liga, e vem alguém à cidade dizer que as duas principais causas dos nossos problemas são o contrato de uma certa escolha em 1997 e o comportamento dos Rangers nos últimos anos? Chega uma hora que você tem de se defender um pouco."

Para Sinden, a única vez que os Bruins torceram o nariz para as diretrizes financeiras da NHL em relação a segurar os salários foi com Thornton. Ele foi a primeira escolha do recrutamento, e Sinden disse que ele e todos os demais no clube estavam decididos a assinar contrato com o jogador durante as férias. No entanto, nada teria sido feito irresponsavelmente.

Esse é o mundo ds Bruins, sem nunca saber o que há além do horizonte.

Alexandre Giesbrecht, 27 anos, tem um amigo que está estudando em Harvard. E não se conforma que esse amigo ainda não demonstrou interesse a ir sequer a um jogo dos Bruins.
 
  DUPLA CULPA? O técnico diz que ele pode melhorar; a NHL diz que seu primeiro contrato trouxe o caos financeiro à liga (Winslow Townson/AP - 20/12/2003)

 

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Página publicada em 24 de dezembro de 2003.