Por
Marcelo Constantino
1997. Detroit Red Wings campeão da Copa Stanley, título que não
conquistava desde 1955. Sergei Fedorov é o líder em pontos do time nos
playoffs, mas é Mike Vernon quem conquista o Troféu Conn Smythe.
Rápido flash-back. Na temporada anterior, 1995-1996, Fedorov
havia sido dominante, liderando a linha dos cinco russos, que em muito
ajudou os Wings a quebrarem o recorde de vitórias e pontos numa temporada
da NHL. Nos playoffs, tendo marcado apenas dois gols e com o Detroit
eliminado pelo Colorado Avalanche nas finais de conferência, Fedorov
amarga críticas sobre sua performance quando o time mais precisa.
Ele mudou isso em 1996-97, fazendo uma temporada apagada e playoffs
memoráveis. Durante os 82 jogos seu grande momento foi os cinco gols
marcados contra o Washington Capitals, numa incrível vitória por 5-4
na prorrogação. Foi praticamente um lampejo, já que sua produção foi
decaindo incrivelmente, até ser deslocado pelo técnico Scotty Bowman
para a defesa, posição em que atuou até o começo dos playoffs.
Voltando ao cenário após a conquista do título de 97. O contrato de
Fedorov estava no fim e era necessário renová-lo. Surge o impasse. Fedorov
diz que a questão central não é o dinheiro. A gerência pergunta o que
é, quanto é, qual é, mas as respostas são evasivas. Fedorov insiste
em dizer que não quer mais jogar na defesa, como se alguém estivesse
cogitando isso novamente depois das belas partidas de playoffs que ele
jogou.
O impasse segue sem que Fedorov aceite qualquer das ofertas dos Wings.
A ladainha é a mesma: "A questão não é o dinheiro". O russo é agente
livre restrito, ou seja, não tem passe totalmente livre. No caso dele
os Wings teriam uma semana para cobrir qualquer oferta apresentada por
outro clube ou receber as escolhas de primeira rodada dos próximos cinco
recrutamentos em troca. A gerência avisa que irá cobrir qualquer oferta
que lhe seja apresentada.
O tal impasse, que supostamente "não era questão de dinheiro", era de
aproximadamente US$ 1,5 milhão por ano. Os Wings ofereciam US$ 5,5 milhões
e Fedorov queria US$ 7 milhões.
Fedorov fica meses sem receber ofertas e começa a reclamar publicamente,
pedindo para ser trocado. Os Wings respondem que podem até negociá-lo
desde que haja alguma boa oferta. O russo chega a dizer que não volta
mais a jogar em Detroit.
Perguntado por um jornalista russo no início de fevereiro de 98 se excluía
a possibilidade de retornar a Detroit, ele foi taxativo: "Já excluí
há muito tempo atrás, desde agosto passado, e não mudei. Eles acham
que podem me quebrar, mas eles não sabem que tipo de pessoa eu sou.
Eles não sabem com quem estão mexendo."
Sergei perde 59 jogos da temporada, até que no final de fevereiro o
Carolina Hurricanes balança o mercado com uma proposta exótica: seis
anos de contrato com baixos salários, um mega bônus de assinatura e
outro mega bônus caso o time chegue às finais da Copa daquele ano.
Em números: US$ 14 milhões no ato da assinatura, US$ 12 milhões caso
o time chegue às finais e US$ 2 milhões por ano de contrato. Uma média
de US$ 6,3 milhões por ano, menos do que ele exigia de Detroit e mais
do que a gerência oferecia.
O mega bônus pela classificação às finais não era problema para os Hurricanes,
então últimos colocados na divisão e com parcas chances de sequer chegar
aos playoffs naquele ano. Mas para os Wings, potenciais candidatos ao
título, isso fazia muita diferença. Se Fedorov tivesse ficado com os
Hurricanes -- e naturalmente desconsiderando qualquer classificação
do time para as finais da Copa Stanley -- estaria recebendo uma média
de US$ 4 milhões por ano, menos de 60% do valor que pedia aos Wings.
Enfim, Fedorov assina a proposta dos 'Canes em Nagano, Japão, onde disputa
as Olimpíadas. O russo manda seu recado por terceiros aos jornais: "Por
favor, não cubram a oferta".
Conforme avisado, os Wings cobrem a oferta e o russo retorna de imediato
a Detroit. É vaiado constantemente no jogo de volta, mas impulsiona
o time na reta final para vencer mais uma Copa Stanley. Nos anos seguintes,
repletos de altos e baixos, Fedorov segue como um dos principais jogadores
do time, tendo conquistado mais uma Stanley em 2002.
2003. Fim do contrato de seis anos, Fedorov recusa todas as ofertas
que seu clube lhe faz e assina com o Ahaneim Mighty Ducks por um valor
menor que duas das propostas recebidas da gerência do Detroit. Sergei
Fedorov finalmente sai de Detroit, depois de 13 anos.
Mais tarde ele viria a dizer que recusou a primeira proposta -- a maior
de todas, que lhe garantia US$ 10 milhões por ano (atualmente receberá
US$ 8 milhões) --, por estar enfrentando problemas pessoais, provavelmente
sua separação da tenista (?) Anna Kournikova. Balela.
"Eu estava buscando um novo desafio", disse Fedorov, já em Anaheim.
"Felizmente eu me tornarei um jogador que marca dois gols por jogo.
Quero estar envolvido em todas as situações, matando penalidades, na
vantagem numérica, cinco contra cinco, em disputas-chave de reposição
de disco. Eu acho que era assim no meu antigo clube, mas somente quando
não havia mais para onde ir. Então eles se lembravam que eu estava no
time."
É necessário reconhecer o profissionalismo do jogador durante esses
últimos seis anos de contrato com os Wings. Ele poderia ter esperneado,
ter exigido ser negociado (como alguns fazem na liga), etc. Jamais houve
qualquer notícia disso. Sim, ele sempre reclamou da falta de atenção
recebida, tal criança carente. Reclamou também publicamente do técnico
Dave Lewis, que estava lhe dando pouco tempo de jogo durante a boa temporada
de 2002-2003. Mas jamais passou disso.
No fim das contas o desfecho foi bom para todas as partes. Fedorov agora
tem o desafio que queria, de mostrar a todos que ele é muito
mais do que aquele jogador de Detroit. Com status de quase-celebridade
num lugar que é a Meca das celebridades, ele traz mais público
para os Ducks e, conseqüentemente, para a NHL. Mas os resultados do
atual time estão longe do que ele próprio imaginava.
Aos Wings resta mostrar que seu ex-camisa 91 não fará tanta falta assim
e que seu papel pode ser exercido por outros, ainda que qualquer um
reconheça que se trata de uma perda imensurável. Na parte ofensiva,
o também russo Pavel Datsyuk tem preenchido muito bem esse papel.
Sem ressentimentos de parte a parte. "Eu cresci em Detroit", diz Fedorov.
"Mais que isso, eu me tornei um homem lá".
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Marcelo
Constantino, como vários na NHL, acha que Sergei Fedorov pensa
que é mais do que realmente é. |
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ESTRELA Sergei Fedorov praticando
em um dos Jogos das Estrelas de que participou. (Reuters) |
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OS CINCO RUSSOS No centro
da foto, Fedorov era o principal jogador do famoso "Russian
Five", ao lado de Kozlov, Konstantinov, Fetisov e Larionov
-- uma das linhas mais fantásticas da história dos
Wings. (Arquivo The Slot BR) |
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US$ 28 MILHÕES É
o quanto ele ganhou apenas de bônus na temporada de 1997-1998.
Na foto, comemorando o gol da vitória contra os Capitals,
no jogo 3 das finais (Julian H. Gonzalez/Free Press - 1998) |
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É SÓ FELICIDADE
Na entrevista coletiva em que se apresentava ao Anaheim Mighty Ducks,
depois de 13 temporadas jogando em Detroit (Sue Ogrocki/AP - 20/08/2003) |
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DE CAMISA NOVA Nada mais
de vermelho na camisa. Vermelho agora, só o sol da Califórnia
(Mike Blake/Reuters - 24/09/2003) |
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