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30 de maio de 2003
Teoria sobre a chatice

Por Alexandre Giesbrecht

Esta coluna não vai ser como as outras. Não. Com apenas dois jogos para cobrir, sendo que cada um deles envolve uma fase dos playoffs da Stanley Cup, não faz muito sentido. Por isso vou começar a tagarelar o que vier à cabeça — e, claro, faça sentido aparecer nesta revista.

Tenho escrito constantemente por aqui que o estilo de jogo dos Devils é chato. Muito chato, aliás. Os Ducks, queridinhos da imprensa até agora, não têm um estilo muito menos chato. O que dizer, então, do Wild, eliminado nas finais de conferência? Mesmo os Senators, tão alardeados pelo seu ataque, são um time que sabe se fechar muito bem quando não está com o disco.

Nenhuma novidade até aqui. O que me incomoda, e eu citei isso brevemente no meu artigo da semana passada, é o fato de esses quatro times serem os quatro primeiros colocados destes playoffs. Não deveria haver nada de errado com isso. Mas há.

Esses times foram montados para vencer. Estão vencendo. O que pode haver de errado nisso? Simples: ao mesmo tempo em que estão montados para vencer, também estão montados para pôr a torcida para dormir. Inclusive aquele fanático, como você, que está lendo isso aqui (ou você acha que gostar de hóquei no gelo no Brasil não é fanatismo?).

Para a NHL, que desesperadamente tenta aumentar seu público nos EUA isso deveria ser um desastre. Mas não é encarado como tal. Para a NHL, tudo está bem. Será que eles acreditam mesmo nisso? Com audiências pífias, placares baixos e jogos concentrados no meio do gelo, é difícil sequer imaginar como alguém em seu perfeito juízo pode achar que tudo está bem.

Já há alguns anos não faltam artigos com soluções e "soluções" para o problema da falta de gols. Como recuperação de viciados, o primeiro passo deve ser reconhecer que existe um problema. A NHL ainda não deu esse primeiro passo, nem parece pronta a dar nos próximos tempos.

Enquanto isso, o torcedor sofre. Se o Wild consegue encher seu estádio em todos os jogos, uma obrigação num estado com tanta tradição e que ficou tantos anos sem um time, os Devils, criadores da super-retranca, já se acostumaram a jogar para estádios vazios. Para piorar ainda mais a situação, essa sina já se alastrou pela liga, e times que costumavam lotar regularmente os estádios, como Bruins e Blackhawks, têm registrado cada vez menos torcedores nas bilheterias.

O confronto das finais não serviu para melhorar a situação. Times tradicionalmente ofensivos, como Oilers, Canucks e Penguins, já sentem há muito tempo que não são páreo para os Devils, Wilds e Ducks da vida. E não no sentido financeiro — os três últimos não chegam sequer perto de Rangers, Flyers e Stars em termos econômicos. A solução para quem se preocupava em fazer gols? Preocupar-se em não sofrê-los.

Os placares que costumávamos ver com alguma freqüência há dez anos, como 7-5, 6-3 e por aí vai, são extremamente raros nos dias e hoje, e tendem a ficar cada vez mais raros. Em 1995-96, Penguins e Flames venceram o mesmo adversário, o Lightning, por sonoros 10-0. Os Penguins, que terminaram a temporada com o melhor ataque, ainda protagonizaram um jogo recheado de gols contra os Sharks, em que perderam por inacreditáveis 10-8 (ficha técnica ao lado). Alguém aí imagina isso se repetindo na próxima temporada?

Obviamente, não. Mas o destino dos Pens naquela temporada não é nada difícil de se repetir com outro time ofensivo: ser eliminado por um time inferior, mas mais bem postado em sua retranca.

Vejam bem: o problema não é ser defensivo. Não se ganha nos playoffs sem uma defesa sólida. O problema é quando se dá atenção somente à defesa, deixando o ataque "para quando der". E essa tendência só tem aumentado na temporada regular, o que é um desastre ainda maior.

O público americano é conhecido por gostar de placares altos. Não é à toa que eles simplesmente não conseguem gostar de futebol, preferindo beisebol e futebol americano. Do jeito que o hóquei está, vai ser difícil conseguir uma penetração maior nesse importante mercado. Não que os americanos não gostem de ganhar. Todos gostam. Eu gosto. Você gosta.

A questão não é essa. Tem a ver com a diversão. Se o time costuma ganhar, porque o estádio do New Jersey dificilmente enche? Porque ninguém paga para dormir em um lugar que não foi feito para isso. Se o seu time ganha por 1-0, você comemorou duas vezes no estádio. Se o seu time perdeu por 4-3, você comemorou três. Lógico que não é legal ver o time perder, mas se isso não acontece com freqüência é até aceitável ir a um jogo pelos gols que ele vai proporcionar, mesmo que não se comemore a vitória.

É muito chato ("chato"?) ter de defender a teoria de que mudanças precisam ser feitas para que os gols voltem a acontecer. Seria preferível que eles aparecessem naturalmente. Mas, com a média de gols por jogo despencando ano após ano, não vejo mais outra solução. O gol ainda é o único jeito de se ganhar um jogo. Só que táticas sujas têm sido aplicadas com a conivência dos árbitros, para que times com ataques medíocres consigam ganhar jogos por 1-0, 2-1 e outros placares baixos.

Isso sem falar no outro grande motivo para a falta de gols: o tamanho do equipamento dos goleiros. É quase uma heresia falar esse tipo de coisa de Jean-Sébastien Giguere, que tanto tem brilhado no gol dos Ducks nesta pós-temporada. Já questionaram o tamanho das suas proteções de pernas, que estavam dentro dos limites. Mas nenhum time questionou as suas proteções de peito, que certamente estão acima do permitido.

Quando se compara o equipamento dos goleiros de hoje com o que eles usavam há meros dez anos, nota-se que os goleiros de então parecem seminus. Como o tamanho dos gols e o do disco continuam os mesmos, não é necessária uma inteligência superior para concluir que esse é outro ponto importante.

Enfim, não escrevi esse artigo para apontar os motivos da falta de gols. Fui jogando no computador o que fui pensando a respeito do que representam os dois times que estão nas finais, sem entrar em grandes detalhes. Talvez seja o suficiente para mostrar o que penso, mas não tenho dúvidas de que está muito longe convencer alguém na NHL de que mudanças têm de acontecer para que possamos voltar a ver fichas de jogos tão extensas como a do jogo ao lado.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, estava comendo Deditos enquanto escrevia este artigo.
QUEM É MAIS CHATO 1 Ao invés de decidir a Stanley Cup, parece que os Devils de Scott Stevens (com o C na camisa)... (Jonathan Hayward/AP - 23/05/2003)
 
QUEM É MAIS CHATO 2 ...vão decidir qual time é mais defensivo com os Ducks de Paul Kariya (Chris Carlson/AP - 16/05/2003)
 
San Jose Sharks 2 3 5 10
Pittsburgh Penguins 3 3 2 8

PRIMEIRO PERÍODO -- Gols: 1, Pittsburgh, Lemieux 38 (desvantagem numérica) (Sandstrom, Mironov), 1:26. 2, San Jose, Nolan 19 (Whitney, Kyte), 9:03. 3, San Jose, Kozlov 3 (vantagem numérica) (Sheppard, Janney), 12:10. 4, Pittsburgh, Nedved 19 (Naslund, Smolinski), 16:13. 5, Pittsburgh, Nedved 20 (Francis), 18:11. Penalidades: Fitzgerald, Pit (tripping), 0:37; Joseph, Pit (interference), 10:40; Donovan, S.J. (hooking), 13:36.

SEGUNDO PERÍODO -- Gols: 6, Pittsburgh, Sandstrom 29 (Smolinski, Wells), 2:53. 7, Pittsburgh, Jagr 37 (vantagem numérica) (Lemieux, Francis), 3:45. 8, San Jose, Kyte 1 (Whitney, Kozlov), 5:02. 9, Pittsburgh, Zubov 5 (Francis, Joseph), 9:34. 10, San Jose, Sheppard 22 (vantagem numérica) (Janney, Bodger), 12:10. 11, San Jose, Nolan 20 (Baker, Friesen), 15:08. Penalidades: Bodger, S.J. (hooking), 3:24; Smolinski, Pit (roughing), 8:00; Odgers, S.J. (high sticking), 8:00; Wilkinson, Pit (interference), 10:05; Joseph, Pit (tripping), 11:43; Wilkinson, Pit (fighting major), 12:47; Kyte, S.J. (fighting major), 12:47; Fitzgerald, Pit (roughing), 17:51; Sykora, S.J. (roughing), 17:51.

TERCEIRO PERÍODO -- Gols: 12, San Jose, More 2 (Friesen, Sykora), 1:27. 13, San Jose, Sheppard 23 (Bodger), 5:18. 14, Pittsburgh, Sandstrom 30 (Mironov, Lemieux), 10:14. 15, San Jose, Tancill 2 (Friesen, Baker), 10:46. 16, San Jose, Sheppard 24 (Miller), 12:09. 17, Pittsburgh, Lemieux 39 (Smolinski), 13:26. 18, San Jose, Whitney 11 (rede vazia) (Nolan, Bodger), 18:49. Penalidades: Sandstrom, Pit (double roughing minor), 19:39; Pederson, S.J. (double roughing minor), 19:39; More, S.J. (hooking), 20:00.
San Jose Sharks 12 16 13 41
Pittsburgh Penguins 10 16 12 38

Vantagens numéricas: SAN - 2 de 4, PGH - 1 de 2. Goleiros: San Jose, Terreri (12 chutes, 7 defesas), Flaherty (3:45 do 2.º período, 26, 23; campanha: 1-7-0). Pittsburgh, T Barrasso (40, 31; campanha: 16-5-2). Público: 16.789. Árbitro: Jackson. Assistentes de linha: Asselstine, Stickle.

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Página publicada em 28 de maio de 2003.