Por
Eduardo Costa
No esporte, assim como na vida, sucesso traz além de prestígio uma legião
de imitadores. Quando o New Jersey Devils, na época um time com um passado
não muito distante de mediocridade, obteve a Stanley Cup em 1995, todo
o mundo do hóquei passou a estudar melhor o que se passava nos confins
da Meadowlands Arena.
Algumas cópias paraguaias surgiram, mas outras se aproximaram muito
da original. Hoje não há como escapar, estamos vivendo na era das defesas.
O responsável pelo início dessa revolução tem nome: Jacques Lemaire,
eternamente conhecido como o "pai" da armadilha da zona neutra.
Os Devils corriam o risco de irem para o Tennessee no início dos anos
90 pois não levavam torcedores à arena (hábito mantido até os
dias atuais), além de não ser uma equipe competitiva. Em apenas dois
anos Lemaire transformou os Devils em uma equipe vencedora mesmo com
um bando de jovens desconhecidos e alguns veteranos que tiveram poucas
chances na NHL até então. Na equipe, apenas dois jogadores já haviam
conquistado a Stanley Cup: Stephane Richer e Claude Lemieux.
A armadilha de zona neutra deu certo porque os jogadores acreditaram
em Lemaire. Automaticamente eles acreditaram no sistema. Lemaire partiu
do princípio que nenhum esforço individual vale mais que um time jogando
como um. Frustrar o oponente, fazer com que ele erre e, aí sim, agir.
Funcionou com os Devils e vem funcionando com o Minnesota Wild.
Quem melhor pode falar sobre isso é o central Jim Dowd, campeão com
os Devils de Lemaire em 1995 e um dos pilares do Minnesota Wild nesta
temporada: "Nós adoramos os primeiros sete, oito, nove ou dez minutos
de um jogo quando estamos por toda parte no gelo. Eles (os adversários)
se frustram. E é isso é o que nós queremos".
Dowd tem realmente de agradecer pois a maioria dos beneficiados são
os jogadores menos habilidosos como ele e/ou jogadores já em fim de
carreira querendo estender sua permanência na NHL. No ano seguinte à
primeira Copa dos Devils, Doug MacLean já seguia o exemplo e os esforçados
Panthers chegavam às finais com uma boa leva desses tipos de
atletas.
Mas a armadilha da zona neutra ainda funciona porque o livro de regras
da NHL é tão respeitado quanto o Código Penal no Brasil. A zona neutra
na NHL atual é como as ruas do Rio de Janeiro. Ninguém é de ninguém.
Nada é mais contrário ao sentido do hóquei que impedir o avanço do adversário
se atracando a ele. Os árbitros fazem vista grossa enquanto o comissário
Gary Bettman se preocupa em acabar com as brigas...
O ideal teria sido os Devils não terem vencido a Copa em 1995, mas eles
venceram e de forma esmagadora. Quando se falava em varrida naquela
época, estava sempre relacionada aos poderosos Red Wings. A equipe de
Scotty Bowman tinha uma média de 30 disparos por jogo na pós-temporada,
mas contra os Devils esse número caiu quase pela metade e, com a equipe
de Michigan marcando sete gols em quatro jogos, quem varreu alguém na
série foram os Devils. Paul Coffey, Steve Yzerman e os russos de Detroit
não foram páreo para eles. Não foram páreo para Bob Carpenter, Sergei
Brylin, Mike Peluso, Bobby Holik, entre outros.
A vitória do antijogo significou para o torcedor comum ter que acrescentar
Prozac no pote de aperitivos para acompanhar a cerveja nas transmissões
de seu esporte favorito. Jacques Lemaire ganhou a culpa por tornar o
jogo chato. Porém, para ser justo, quando suas únicas estrelas são um
jovem goleiro, Martin Brodeur, um defensor fixo, Scott Stevens, e um
agitador, Claude Lemieux, você tem mesmo que colocar a defesa acima
de tudo.
É o que acontece também com o Minnesota Wild. Sinceramente, tirando
Marian Gaborik qual jogador do Wild pode ser considerado uma estrela
da NHL? Pode ser que você encontre mais um, pode ser que alguns jogadores,
como Pierre-Marc Bouchard ou Filip Kuba, possam um dia se tornarem jogadores
de impacto. Mas por enquanto o Wild é mais um projeto bem sucedido de
Lemaire. Como prêmio, o ex-jogador dos Canadiens é um dos três indicados
ao Troféu Jack Adams, concedido ao melhor treinador da temporada. Mas
nada impede que, assim como os Devils, a equipe do estado do hóquei
se estabeleça como uma das forças da liga.
Em sua primeira participação em pós-temporada o Wild eliminou o poderoso
Avalanche. Um detalhe que mostra a disparidade entre essas duas equipes
é que as duas maiores estrelas do time de Denver, Joe Sakic e Peter
Forsberg, juntos, têm um salário anual que pagaria todo o elenco
da equipe de Minnesota. Em seguida, mais um surpresa eliminando o Vancouver
Canucks. Em ambas as séries o Wild deu volta após um déficit de 1-3.
Algo de estranho aconteceu contra os Canucks. Após perder a quarta partida
da série contra o time canadense, Lemaire chegou no vestiário e disse:
" Bem já viramos uma série após estarmos 1-3, mas duas na mesma pós-temporada
não dá, ninguém nunca fez isso na história da NHL. Portanto vocês estão
liberados. Podem ir ao ataque, disparar a gol, deixar de lado um pouco
os agarrões, as enganchadas, esqueçam apenas um pouquinho da zona neutra.
Divirtam-se".
Marian Gaborik & cia. sorriram e visualizaram que finalmente estavam
livres para... jogar hóquei. Esse discurso de Lemaire não existiu, até
porque ele afirmou que desistir foi uma palavra que sequer foi mencionada
no vestiário do time, mas depois do que houve após o jogo 4 em St. Paul
contra os Canucks, não é absurdo imaginar esse discurso acontecendo.
O Wild marcou 16 gols contra os cinco dos Canucks nas últimas três partidas
da série e ao final da mesma o inimaginável: o melhor ataque dos playoffs
era da equipe comandada por Lemaire.
Novamente deram volta e se classificaram. Aí Lemaire chegou no vestiário
do GM Place em Vancouver após a sétima partida e disse: "Parabéns, rapazes,
mas vocês já se divertiram o bastante, agora contra os Ducks quero novamente
o jogo preso na zona neutra, segurem, enganchem".
Bem, esse discurso de Lemaire também não existiu (ou quem sabe...),
mas também não seria difícil de acreditar nele. Nos dois jogos contra
os Ducks nas finais da conferência do Oeste o Wild ainda não marcou
um mísero gol.
Um total de três gols foram marcados em dois jogos. Todos os três em
situação de desvantagem numérica. Vendo o jogo dois da série na ESPN
nessa última segunda-feira não pude deixar de ajudar, mesmo a milhares
de quilômetros, os amigos torcedores do Wild presentes ao Xcel Energy
Center a vaiar sua equipe no final do segundo período. Não quero, nem
tenho o direito, de desmerecer o trabalho do MVP dos playoffs até agora,
mas Jean-Sébastien Giguere teve uma partida bem tranqüila, considerando
que tratava-se de um jogo de pós-temporada e na casa do adversário.
Sendo razoável, posso dizer que foi o jogo mais chato de playoffs que
já vi na vida. E a maioria dos meus seis leitores devem concordar com
isso.
Mas por que será que o Minnesota está sendo tão ineficiente contra os
Mighty Ducks?
Bem, nada pode ser pior para uma equipe que joga na espera dos erros
de seu oponente, amarrando o jogo, controlando o tempo e frustrando
o adversário do que jogar contra uma equipe que... joga na espera de
erros, amarra a partida, controla o tempo e frustra o adversário.
Ou seja, Lemaire está experimentando do seu próprio veneno. Vale lembrar
que foi a derrota para outra equipe que usava a armadilha "genérica"
que encerrou o ciclo dele em Nova Jersey.
Acionando novamente a máquina do tempo: Incrivelmente o hoje bem orientado
ofensivamente Ottawa Senators, usou, com relativo sucesso, uma variação
menos "radical" da armadilha da zona neutra nos playoffs de 1998. E
logo contra os Devils de Lemaire. Os representantes do Diabo na NHL
tinha feito a melhor campanha do Leste com 107 pontos e o Ottawa tinha
ficado com a última vaga aos playoffs com 83 pontos. Ambas as
equipes praticaram um jogo paciente no centro, mas os Sens tinham jogadores
mais velozes e assim que recuperavam o disco encontravam a defesa adversária
desguarnecida. A derrota na série por 4-2 decretou o fim da era Lemaire
nos Devils.
Contra os Ducks vem acontecendo mais uma vez, o criador vem provando
do seu próprio veneno. O antídoto contra a armadilha, infelizmente é
a própria armadilha.
Por fim faço um pedido aos deuses do hóquei. Devils ou Wild. Um deles
nas finais da Stanley Cup até vai. Mas os dois na final, não. Pelo
bem do hóquei.
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Eduardo Costa ainda é fã da dupla Bud Spencer e Terence Hill. |
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EM APUROS Darby Hendrickson
dá um tranco em Ruslan Salei (24) durante o jogo 2 (Jim Mone/AP
- 12/05/2003) |
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O CRIADOR DA ARMADILHA O
técnico do Minnesota, Jacques Lemaire, dá instruções
durante um treinamento opcional no Parade Ice Garden, um dia depois
da derrota no jogo 1 da série contra o Anaheim (Tom Olmscheid/AP
- 11/05/2003) |
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