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9 de maio de 2003
Patos no paraíso

Por Marcelo Constantino

Independentemente de já ter ganho duas capas na Slot e das incríveis viradas do Minnesota Wild, o Anaheim Mighty Ducks ainda é a grande novidade desses playoffs. Penúltimo classificado no Oeste, eliminou os dois primeiros colocados. Dois dos maiores favoritos à conquista da Stanley Cup. Um era o atual campeão, outro foi o líder da Conferência Oeste.

Vejam bem, não foram "apenas" duas vitórias sobre dois dos maiores favoritos. Foram duas grandes, convincentes e definitivas vitórias; uma por 4-0 e outra por 4-2. Será a primeira vez desde 1994 que nenhum dos três grandes do Oeste (Detroit, Colorado e Dallas) estará na final de conferência e dois deles foram eliminados pelo time dos Patos Poderosos e sua folha de pagamento de US$ 45 milhões por ano.

Perderam apenas duas partidas em dez disputadas e, dentre todas, apenas uma não terminou com diferença de um gol. Nesta série contra o Dallas, todos os quatro gols da vitória dos Ducks foram gols de desempate; dois deles na prorrogação. Lembram-se de quando falei da excelência deste time em vencer jogos de um gol de diferença? O resultado está aí. Arrebatador.

Eles já estão na final da Conferência Oeste, e agora numa situação diferente: há muita gente apostando neles.

O MVP Jean-Sebastien Giguere --
Em seu único shutout nesse playoffs, no jogo 4 da série contra os Stars, Giguere declarou ao final da partida que estava exausto. "Você briga o jogo todo para conseguir ver o disco e parece ter 50 milhões de pessoas na frente do gol. Eu só quero ver o disco! A única coisa que passa pela minha cabeça é 'cadê o disco?'"

O único lugar onde dificilmente o disco está é dentro do gol dele.

Giguere declinou da monstruosidade de 96% de aproveitamento de defesas e da ridícula média de 1,27 gol sofrido por partida, números obtidos nos oito primeiros jogos de playoffs, para fechar com, digamos, aceitáveis 94,9% e 1,60, respectivamente. Números extraordinários de qualquer forma. Ainda mais se considerarmos que ele é o goleiro que mais viu borracha pela frente nos playoffs, com 373 chutes sofridos e a média de 37,3 por partida; média esta inferior apenas à de Ed Belfour, com 40,3.

Os seis gols que Giguere sofreu nas duas últimas partidas trouxeram-no ao mundo real, dos números reais. Nada de absurdos. Afinal, grande parte da surpresa que os Ducks protagonizam nesta pós-temporada deve-se a ele.

Lembro de ter escrito sobre Giguere durante a temporada normal, quando ele conseguiu um grande feito: ficou 237 minutos sem levar gol. Tratava-se da terceira maior seqüência sem levar gols da história da NHL. Terminei a nota com a seguinte frase: "Giguere agora é alguém".

Muito mais que isso, mas muito mais. Poucos haverão de discordar que Giguere é o maior MVP desses playoffs.

O emocionante jogo da classificação --
Dois dias depois de terem sido derrotados em Dallas, como há tempos não ocorria -- com diferença de três gols e com seu goleiro sendo substituído -- o Anaheim teria uma nova chance de fechar a série. A única chance em casa.

No jogo anterior os Stars usaram toda a força física que tinham para intimidar os Ducks, e conseguiram. Era a hora de responder a isso ou capitular. Eles responderam.

O jogo 6 foi apertado, como sempre têm sido os jogos do time. O Dallas começou na frente, os Mighty Ducks viraram, e depois tivemos um empate-desempate-empate. O gol da vitória chegou faltando um minuto para o fim. Mike LeClerc, um verdadeiro herói do Anaheim que esteve presente em nada menos que três dos quatro gols da vitória do time na série, deu o passe de sua vida para Sandis Ozolinsh levar Dallas ao desespero.

"Eu preferia que tivéssemos poupado nossos nervos e vencido de modo mais fácil", disse o defensor. Não, Ozo, playoffs da NHL são pura emoção e um gol faltando um minuto para o fim de uma partida, seja ele da vitória ou de empate, traduz exatamente isso. Emoção.

Com o devido respeito --
Estamos falando de um time que, em seus dez anos de vida na NHL, sempre foi chacota, seja pelas ligações com a Disney e aqueles filmes pavorosos, seja pela classificação geral na temporada regular. É um time calouro em finais de conferência, com um goleiro calouro em playoffs e comandado por um técnico também calouro, em playoffs e em temporada normal da NHL. Com tudo isso, agora chegou o momento de ser tratado com o devido respeito.

Lembram-se do Anaheim visto como "o time do Paul Kariya"? Você acha que Kariya é o atacante que mais joga no time? Errado. É Steve Rucchin. Acham que Kariya é segundo? Nada! Rob Niedermayer tem obtido mais tempo de jogo que ele. Aliás, Rucchin e Niedermayer lideram todos os atacantes da NHL nos playoffs neste quesito.

Assim está o Anaheim de hoje, valorizando muito mais o coletivo que suas estrelas individuais. Como sempre deve ser feito quando um time tem pretensões mais elevadas.

"Este é o 19º ano de minha carreira e estive nas semifinais por quatro vezes", diz o veteraníssimo Steve Thomas. "Eu nunca senti um 'nós podemos vencer' com qualquer outro time como eu sinto com este. É uma sensação incrível".

Se alguém dissesse antes dos playoffs começarem que os Ducks trilhariam este caminho, seria digno de chacota. É como alguém hoje dizer que o preço de um dólar vai cair para dois reais. Era como dizer que aquele Penguins arrasadores do começo da temporada terminariam nas últimas posições. Mas os Ducks estão lá, nas finais de conferência.

O técnico Mike Babcock resume a história toda: "Isso tudo está além dos nossos mais ousados sonhos".

Marcelo Constantino mora na mais nova Bogotá latino-americana.
 
  A MURALHA Jean-Sebastian Giguere retira a máscara de goleiro e comemora a clasificação para a final da Conferência Oeste (Kevork Djansezian/AP - 05/05/2003)
   
 
  O SALVADOR Sandis Ozolinsh comemora freneticamente o gol da vitória de 4-3 sobre os Stars no jogo 6, marcado por ele a um minuto do fim da partida (Mike Blake/Reuters - 05/05/2003)
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Página publicada em 9 de maio de 2003.