Por
Marcelo Constantino
Independentemente de já ter ganho duas capas na Slot e das incríveis
viradas do Minnesota Wild, o Anaheim Mighty Ducks ainda é a grande novidade
desses playoffs. Penúltimo classificado no Oeste, eliminou os dois primeiros
colocados. Dois dos maiores favoritos à conquista da Stanley Cup. Um
era o atual campeão, outro foi o líder da Conferência Oeste.
Vejam bem, não foram "apenas" duas vitórias sobre dois dos maiores favoritos.
Foram duas grandes, convincentes e definitivas vitórias; uma por 4-0
e outra por 4-2. Será a primeira vez desde 1994 que nenhum dos três
grandes do Oeste (Detroit, Colorado e Dallas) estará na final de conferência
e dois deles foram eliminados pelo time dos Patos Poderosos e sua folha
de pagamento de US$ 45 milhões por ano.
Perderam apenas duas partidas em dez disputadas e, dentre todas, apenas
uma não terminou com diferença de um gol. Nesta série contra o Dallas,
todos os quatro gols da vitória dos Ducks foram gols de desempate; dois
deles na prorrogação. Lembram-se de quando falei da excelência deste
time em vencer jogos de um gol de diferença? O resultado está aí. Arrebatador.
Eles já estão na final da Conferência Oeste, e agora
numa situação diferente: há muita gente apostando
neles.
O MVP Jean-Sebastien Giguere -- Em seu único shutout nesse playoffs,
no jogo 4 da série contra os Stars, Giguere declarou ao final da partida
que estava exausto. "Você briga o jogo todo para conseguir ver o disco
e parece ter 50 milhões de pessoas na frente do gol. Eu só quero ver
o disco! A única coisa que passa pela minha cabeça é 'cadê o disco?'"
O único lugar onde dificilmente o disco está é dentro do gol dele.
Giguere declinou da monstruosidade de 96% de aproveitamento de defesas
e da ridícula média de 1,27 gol sofrido por partida, números
obtidos nos oito primeiros jogos de playoffs, para fechar com, digamos,
aceitáveis 94,9% e 1,60, respectivamente. Números extraordinários de
qualquer forma. Ainda mais se considerarmos que ele é o goleiro que
mais viu borracha pela frente nos playoffs, com 373 chutes sofridos
e a média de 37,3 por partida; média esta inferior apenas à de Ed Belfour,
com 40,3.
Os seis gols que Giguere sofreu nas duas últimas partidas trouxeram-no
ao mundo real, dos números reais. Nada de absurdos. Afinal, grande parte
da surpresa que os Ducks protagonizam nesta pós-temporada deve-se a
ele.
Lembro de ter escrito sobre Giguere
durante a temporada normal, quando ele conseguiu um grande feito: ficou
237 minutos sem levar gol. Tratava-se da terceira maior seqüência sem
levar gols da história da NHL. Terminei a nota com a seguinte frase:
"Giguere agora é alguém".
Muito mais que isso, mas muito mais. Poucos haverão de discordar
que Giguere é o maior MVP desses playoffs.
O emocionante jogo da classificação -- Dois dias depois de terem
sido derrotados em Dallas, como há tempos não ocorria -- com diferença
de três gols e com seu goleiro sendo substituído -- o Anaheim teria
uma nova chance de fechar a série. A única chance em casa.
No jogo anterior os Stars usaram toda a força física que tinham para
intimidar os Ducks, e conseguiram. Era a hora de responder a isso ou
capitular. Eles responderam.
O jogo 6 foi apertado, como sempre têm sido os jogos do time. O Dallas
começou na frente, os Mighty Ducks viraram, e depois tivemos um empate-desempate-empate.
O gol da vitória chegou faltando um minuto para o fim. Mike LeClerc,
um verdadeiro herói do Anaheim que esteve presente em nada menos que
três dos quatro gols da vitória do time na série, deu o passe de sua
vida para Sandis Ozolinsh levar Dallas ao desespero.
"Eu preferia que tivéssemos poupado nossos nervos e vencido de modo
mais fácil", disse o defensor. Não, Ozo, playoffs da NHL são
pura emoção e um gol faltando um minuto para o fim de uma partida, seja
ele da vitória ou de empate, traduz exatamente isso. Emoção.
Com o devido respeito -- Estamos falando de um time que, em seus
dez anos de vida na NHL, sempre foi chacota, seja pelas ligações com
a Disney e aqueles filmes pavorosos, seja pela classificação geral na
temporada regular. É um time calouro em finais de conferência, com um
goleiro calouro em playoffs e comandado por um técnico também calouro,
em playoffs e em temporada normal da NHL. Com tudo isso, agora chegou
o momento de ser tratado com o devido respeito.
Lembram-se do Anaheim visto como "o time do Paul Kariya"? Você acha
que Kariya é o atacante que mais joga no time? Errado. É Steve Rucchin.
Acham que Kariya é segundo? Nada! Rob Niedermayer tem obtido mais tempo
de jogo que ele. Aliás, Rucchin e Niedermayer lideram todos os atacantes
da NHL nos playoffs neste quesito.
Assim está o Anaheim de hoje, valorizando muito mais o coletivo
que suas estrelas individuais. Como sempre deve ser feito quando um
time tem pretensões mais elevadas.
"Este é o 19º ano de minha carreira e estive nas semifinais por quatro
vezes", diz o veteraníssimo Steve Thomas. "Eu nunca senti um 'nós podemos
vencer' com qualquer outro time como eu sinto com este. É uma sensação
incrível".
Se alguém dissesse antes dos playoffs começarem que os Ducks trilhariam
este caminho, seria digno de chacota. É como alguém hoje dizer que o
preço de um dólar vai cair para dois reais. Era como dizer que aquele
Penguins arrasadores do começo da temporada terminariam nas últimas
posições. Mas os Ducks estão lá, nas finais de conferência.
O técnico Mike Babcock resume a história toda: "Isso tudo está além
dos nossos mais ousados sonhos".
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Marcelo Constantino mora na mais nova Bogotá
latino-americana. |
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A MURALHA Jean-Sebastian Giguere
retira a máscara de goleiro e comemora a clasificação
para a final da Conferência Oeste (Kevork Djansezian/AP -
05/05/2003) |
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O SALVADOR Sandis Ozolinsh
comemora freneticamente o gol da vitória de 4-3 sobre os
Stars no jogo 6, marcado por ele a um minuto do fim da partida (Mike
Blake/Reuters - 05/05/2003) |
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