Por
Fabiano Pereira
Uma das frases mais célebres do hóquei no gelo foi vista
em meio à torcida. Apesar do tôm comico, porém trágico,
acabou marcando a história do New York Rangers. A frase era "Now
I can die in peace". Ou, em português, "Agora posso
morrer em paz". Imaginem a cena: a torcida gritando freneticamente
e um cara levanta uma placa dessas. O que estava acontecendo para que
isso ocorresse?
Antes de responder isso, vamos voltar alguns anos no tempo, para 1993.
O Montreal Canadiens acabara de derrotar o Los Angeles Kings nas finais
da Stanley Cup, com uma atuação perfeita do goleiro Patrick
Roy, que acabou lhe valendo o Troféu Conn Smythe de melhor jogador
do time nos playoffs. Pelos Kings, Wayne Gretzky, Luc Robitaille, Tomas
Sandstrom, Jarri Kurri, Rob Blake. Já por Les Habitants, jogadores
de bom nível, como Kirk Muller, Brian Bellows, Vincent Damphousse,
Matthieu Schneider, Eric Desjardins, além da super-estrela Patrick
Roy. Mas não é destes playoffs que vamos conversar.
Ao final da temporada de 1992-93, uma equipe da Divisão do Atlântico
acabava de ficar na última colocação, apesar de
todos os prognósticos. Era o New York Rangers, que não
vencia a Stanley Cup desde 1940. Mesmo tendo contratado jogadores como
Mark Messier, Jeff Beukeboom, Esa Tikkanen e Adam Graves, e contando
com John Vanbiesbrouck, Brian Leetch e Mike Richter, ainda assim o time
ficou em último.
O gerente geral da equipe, Neil Smith, sabia que seu trabalho estava
correndo perigo. Contratou então o enérgico, porém
eficiente Mike Keenan para técnico da equipe e trouxe jogadores
como Steve Larmer, do Chicago Blackhawks, para ajudar na reviravolta.
E a equipe acabou explodindo durante a temporada, consolidando sua liderança
a cada rodada. A defesa firmava-se como uma das melhores, e o ataque
ficava no mesmo nível. Jogadores como Sergei Zubov despontavam,
e Adam Graves era o ala de força de que tanto os Rangers precisavam.
Liderados por Messier e Leetch, a equipe dava a impressão de
que iria se classificar facilmente.
Foi o que aconteceu. Mas, antes, o técnico Mike Keenan percebeu
que precisava de mais veteranos na equipe. De jogadores para brigar
nas bordas, disputar discos em frente ao gol. E vieram, dos Blackhawks,
Stephane Matteau e Brian Noonan. Craig MacTavish, o homem que jogava
sem capacete, veio dos Oilers. E, para tentar reviver uma das melhores
linhas dos Oilers, veio Glenn Anderson, dos Maple Leafs, para se unir
a Graves e Messier. Estava preparada a equipe para a pós-temporada.
Estaria realmente preparada?
Terminada a temporada, os Rangers conquistaram o Troféu dos Presidentes,
com a melhor campanha de toda a liga. Terminaram também com a
melhor equipe de vantagem númerica e a terceira melhor de desvantagem.
Sergei Zubov terminou líder de pontos da equipe, com 89. Adam
Graves bateu o recorde de gols da equipe em uma temporada, com 52. O
time parecia imbatível, mas enfrentaria o maior rival logo na
primeira rodada: o New York Islanders, liderado (?) por Pierre Turgeon.
Antes dos jogos, a equipe blueshirt era esta:
Adam Graves - Mark Messier - Glenn Anderson
Esa Tikkanen - Alexei Kovalev - Donald Larmer
Stephane Matteau - Sergei Nemchinov - Brian Noonan
Greg Gilbert - Craig MacTavish - Joey Kocur
Brian Leetch - Jeff Beukeboom
Kevin Lowe - Sergei Zubov
Jay Wells - Alexander Karpovtsev
Mike Richter
Glenn Healy
Além deles, Doug Lidster, Eddie Olczyk, Nyck Kypreos, Mike Hartman
e Mike Hudson completavam o elenco.
Parecia um bom time na teoria e na prática.
Quartas-de-final de conferência: (1) New York Rangers x New
York Islanders (8)
Primeiro jogo e a ansiedade no rosto de cada jogador blueshirt. Mas,
empurrados pela barulhenta e fanática torcida em Manhattan, o
primeiro jogo foi dos mais fáceis, com retumbantes 6-0, com equilíbrio
de todo o ataque: seis jogadores diferentes marcaram gols. Richter,
que virou titular graças à escolha no recrutamento de
expansão, quando da entrada de Florida Panthers e Mighty Ducks
of Anahiem na liga, conseguiu seu primeiro shutout.
Parecia que iria ser fácil. E, no dia seguinte, com uma atuação
inspirada de Richter e do ataque de Manhattan, outros 6-0. Onde estariam
os Islanders na série?
Três dias depois, numa quinta-feira, os Rangers "viajariam"
até Uniondale para sua primeira partida fora. Venceriam? Richter
repetiria sua performance?
Neste jogo, a torcida dos Islanders inventou o grito de guerra de todas
as torcidas adversárias."1940!", gritavam os rivais,
tentando fazer com que os jogadores dos Rangers sentissem toda a responsabilidade
de 54 anos sem um título. Após este jogo, o capitão
Messier declarou que não tinha sentido toda essa lembrança
em relação a 1940, pois não havia sido eles que
ficaram tanto tempo sem ganhar, mas entendia o que a torcida sentia.
E quem sentiu realmente algo foram os Isles, que perderam o terceiro
jogo por 5-1. Em noite inspirada de Graves, com dois gols, parecia que
uma varrida se anunciava.
Novamente, os gritos de "1940!" permeavam o Nassau Memorial
Coliseum, ainda mais com os Islanders saindo na frente, com gols de
Steve Thomas e Patrick Plante. Mas o capitão Messier não
queria ter que voltar a Manhattan para vencer e marcou dois gols nesta
partida, que terminou 5-2.
A varrida dava um aviso a toda a liga: os Rangers estavam vindo para
valer naqueles playoffs. Richter conseguira dois shutouts e levou apenas
três gols em quatro jogos. Messier tinha quatro gols, e 11 jogadores
diferentes haviam feito da vida dos Islanders um inferno.
Segunda Rodada: (1) New York Rangers x Washington Capitals (7)
Os Rangers enfrentariam agora os surpreendentes Capitals, que tinham
acabado de derrotar os favoritos Penguins de Mario Lemieux, Jaromir
Jagr, Ron Francis, Kevin Stevens e cia.
Esta série foi diferente da outra. Finalmente, algum time conseguia
marcar mais que dois gols em Mike Richter, e justo no primeiro jogo.
Entretanto, não foi suficiente, com o resultado final de 6-3,
com destaque para Brian Noonan, que marcou dois gols.
A liderança na série parecia continuar a ser estabelecida,
com um 5-2 no segundo jogo no Madison Square Garden. Os Rangers confirmavam
seu favoritismo em seus domínios, mesmo que alguns ainda olhassem
com desconfiança, ainda mais que Richter tinha levado cinco gols
em dois jogos.
Para calar os críticos, ele foi perfeito no terceiro jogo, em
Landover, e conseguiu seu terceiro shutout nos playoffs. Os Rangers
venceram por 3-0, e Leetch e Messier destacavam-se cada vez mais.
Invictos havia sete jogos, parecia que nada iria parar os Rangers, até
que os Capitals, no quarto jogo em sua arena, conseguiram uma vitória
por 4-2, com Todd Krygier marcando seus dois primeiros gols nos playoffs.
Poderiam os Rangers suportar o baque de uma derrota? Sim, eles puderam
e fecharam a série em Nova York, com uma apertada vitória
por 4-3, com boa atuação de Adam Graves, que marcou dois
gols na partida, totalizando sete em nos playoffs.
Os Rangers encaminhavam-se às finais de conferência descansados,
contra um New Jersey que havia sofrido para passar pelos Sabres de Dominik
Hasek, Pat LaFontaine e Alexander Mogilny, por 4-3, e pelos Bruins,
de Ray Bourque e Adam Oates, por 4-2. Mas surgia nestes playoffs o esquema
de jogo que prevalece até hoje: o "trap", ou a armadilha.
Jogar contra os Devils era um pesadelo para o adversário, que
dificilmente ganhava por muitos gols, além de pouco conseguir
jogar. E desta maneira eles chegaram...
Finais de Conferência: (1) New York Rangers x New Jersey Devils
(3)
E chegaram com toda a força, segurando o ataque nova-iorquino.
Os Rangers venciam a partida por 3-2, quando a peste Claude Lemieux,
futuro homem-tartagura, empatou a partida, levando-a à prorrogação.
E, na segunda prorrogação, com um gol de Stephane Richer,
os Devils venceram a primeira partida, em Nova York. Primeira derrota
em frente a sua torcida. Os céticos diziam: "É sempre
assim; chegamos longe para perder". Resultado final, 4-3, e a dúvida
no ar.
Porém, no segundo jogo, os Rangers queriam mostrar toda a força
que os levou até lá: retumbantes 4-0, com direito a shutout
de Richter. Renasceriam os blueshirts?
Bem, no terceiro jogo, os Devils, que seguiram ao longo dos playoffs
na base da prorrogação, levaram uma dose do próprio
remédio. Perderam o terceiro jogo em East Rutherford, com um
gol na segunda prorrogação de Stephane Matteau, um dos
queridos de Mike Keenan. 2-1 na série e a sensação
de que finalmente a Stanley Cup viria para Nova York, mas, desta vez,
para Manhattan.
Só que os Devils não queriam saber disso e venceram o
quarto jogo, em seus domínios, por 3-1, com uma partida espetacular
do calouro Martin Brodeur. A série parecia se encaminhar para
o maior dos equilíbrios, e isso ficou comprovado no jogo seguinte.
Os Devils venceram por 4-1, após abrir uma larga vantagem, com
Tikkanen descontando para os Rangers. Perdendo a série por 3-2,
a torcida e, principalmente os céticos, abaixavam a cabeça
e lamentavam. Melhor campanha para quê?
Antes do sexto jogo, o capitão dos Rangers, Mark Messier fez
uma declaração que, no mínimo, parecia prepotente.
Perguntado se os Rangers iriam falhar em ser campeões da liga,
ele simplesmente respondeu: "We'll win" ("Nós
vamos ganhar").
Será? Com os Devils abrindo vantagem, com gols de Scott Niedermayer
e Lemieux, parecia difícil. Alexei Kovalev diminuiu a vantagem,
com assistência de Messier, e foi aí que o capitão
começou a mostrar que sua palavra era lei. Além de marcar
o gol de empate, marcou o da virada. Desesperados, os Devils tiraram
o goleiro Martin Brodeur, que conta que, quando se sentou no banco e
viu Messier com o controle do disco, chutando em direção
ao gol aberto, apenas pensou: "meu Deus, ele conseguiu". É,
Brodeur, promessa é dívida. E, com isso, Messier adquiria
o tão conhecido apelido de "O Messias".
Mas o capitão não seria o único herói da
série. Jogo 7 em Nova York, empatado em 1-1. Segunda prorrogação
(deja vu?), e o "especialista" Stephanne Matteau enterrava
de vez os Devils. Rangers nas finais da Stanley Cup.
O adversário seria o Vancouver Canucks, liderado pelo Foguete
Russo Pavel Bure e pelo goleiro Kirk MacLean. A equipe canadense ficou
em sétimo lugar na colocação geral, uma vitória
apenas acima dos 50% de aproveitamento. Mas bateram fortes times em
seu caminho. Primeiro, o Calgary Flames, por 4-3, passando então
facilmente pelo Dallas Stars por 4-1. E, na final de conferência,
derrotou de maneira mais supreendente ainda a forte equipe do Toronto
Maple Leafs, liderada por Doug Gilmour. As finais prometiam muito...
Finais da Stanley Cup: New York Rangers x Vancouver Canucks
Primeiro jogo em Nova York, e os Canucks surpreendiam a estupefata torcida
nova-iorquina com um gol de Greg Adams na prorrogação,
selando o placar final em 3-2. Kirk MacLean foi impressionate, com 52
defesas. Falou-se muito que, se os Canucks fossem campeões, Pavel
Bure deveria receber o prêmio de melhor jogador dos playoffs,
mas era MacLean que brilhava, sem alardes.
O medo de ficar sem o título seria rapidamente dissipado, com
três vitórias convincentes consecutivas. O segundo jogo,
3-1, com atuação destacada de Richter. Indo para Vancouver,
os Rangers dominaram a série com imponentes 5-1, com Leetch mostrando
ser um dos mais importantes jogadores de todo o elenco na corrida ao
título, marcando dois gols. Jogo 4, os Canucks abrem uma vantagem
de dois gols e um pênalti é marcado. Pavel Bure desliza
pelo gelo e chuta. Richter defende, mudando todo o panorama do jogo.
Os Rangers virariam a partida, vencendo por 4-2.
Enfrentando a possibilidade de ver os Rangers campeões no jogo
5, os Canucks jogaram com intensidade e sapecaram uma goleada de 6-3,
com Bure e Geoff Courtnall anotando dois gols cada.
O medo voltava a Nova York, aumentado ainda mais com a vitória
dos Canucks no sexto jogo, por 4-1, com Courtnall e Jeff Brown marcando
dois gols. Vale lembrar que, na primeira série dos Canucks, eles
viraram depois de estar perdendo por 3-1 para os Flames. Três
vitórias consecutivas, e era isso que parecia que estava acontecendo
novamente.
Mas o capitão não deixou. Com o jogo em 2-1 para os Rangers,
ele marcou aquele que seria o gol da vitória nova-iorquina, mesmo
que Trevor Linden ainda tentasse evitar a derrota de seu time.
Ao final do jogo, com a explosão do Madison Square Garden e o
fim de um tabu de 54 anos, um torcedor levantou a célebre plaquinha:
"Now I can die in peace". O capitão Mark Messier levantou
a Stanley Cup, e Leetch recebeu o Conn Smythe, de melhor jogador dos
playoffs, um dos poucos defensores a receber este prêmio.
Faz oito anos. Isso coincide exatamente com o tempo que torço
para o New York Rangers. Graças a eles, hoje escrevo nesta revista.
Não fosse a paixão que adquiri, dificilmente interessar-me-ia
por hóquei como me interesso hoje. Bem, só espero que
não precise escrever uma plaquinha como aquela, do jeito que
as coisas andam...
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Fabiano Pereira, em momento saudosista, relembra a cara de Brodeur
ao ver o disco entrando no gol aberto... Richter defendendo o penalty
shot de Bure... Mas, principalmente, o narrador gritando que a espera
de 54 anos havia acabado... |
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ELE CONSEGUIU Martin Brodeur
observa, do banco, Mark Messier cumprir sua promessa de vitória
no jogo 6 das finais de conferência (Reprodução) |
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AOS CRÍTICOS, COM CARINHO
Mike Richter muda totalmente o ânimo de seu time ao defender
um pênalti de Bure no jogo 4 das finais (Reprodução) |
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54 ANOS EM UMA NOITE O capitão
Mark Messier levanta a Stanley Cup, ensandecendo a torcida (Reprodução) |
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