Por
Marcelo Constantino
No final da temporada de 2001-02, muito se especulava em relação
a quem venceria os Troféus Hart e Vezina. Os favoritos em cada
um, respectivamente, eram Jarome Iginla, com sua surpreendente temporada
de 50 gols, e Patrick Roy, histórico goleiro em uma também
surpreendente temporada estelar. Eu mesmo apostei em ambos.
Mas eis que José Théodore vence ambos os troféus
e consagra-se como o maior nome da temporada. Com toda justiça,
se verificarmos os números dele e a temporada do seu time, o
Montreal Canadiens.
Chegaram os playoffs e o time surpreendeu o favorito Boston Bruins,
eliminando o número 1 da Conferência Leste. Parada seguinte,
Carolina Hurricanes, que havia sido exatamente a maior das surpresas
na primeira fase, eliminando os Devils. Tudo ia bem até que os
Hurricanes viraram uma partida praticamente perdida. Virada daquelas
que você sonha em realizar um dia contra seu maior rival.
Dali em diante, o Montreal acabou e ainda foi esculhambado triste e
humilhantemente no último jogo, por arrasadores 8-2. Théodore
foi substituído após sofrer cinco gols em 13 chutes, ainda
no primeiro período. Parece que o drama começou ali.
Nesta temporada o MVP da anterior parece ainda sofrer os efeitos daquela
derrota. Seja uma devastadora quebra da auto-confiança, seja
da auto-estima, o fato é que Théodore atua num nível
abaixo de um goleiro simples da NHL hoje em dia.
Ao que parece, o estopim foi mesmo o derradeiro jogo contra os Hurricanes;
nada além disso explicaria a transformação de parede
de concreto em parede de papelão. "Aquele jogo, aquele período,
realmente acabou com eles", diria o central dos Canes Rod Brind'Amour
mais tarde. "Não consigo imaginar estar do outro lado, o
que teria acontecido comigo".
Pra piorar ainda mais sua situação, o goleiro até
então reserva Jeff Hackett está recuperado física
e tecnicamente nesta temporada. Não só isso: vem tendo
grandes atuações. Infelizmente para José, felizmente
para os Canadiens.
Em artigo escrito duas edições atrás sobre os Habs,
encerrei-o com a seguinte frase: "Eis que surge então o
primeiro dilema para a equipe: o que fazer com Jeff Hackett"?
A resposta hoje é clara, evidente: mantê-lo. E mantê-lo
titular, inclusive. Aliás, desnecessário dizer isso, já
que o time vem praticando há tempos. Até que o goleiro
do contrato mais caro da história do clube, cerca de US$ 5 milhões
por ano, consiga recuperar sua maestria. Se conseguir.
A temporada -- Mal começou a temporada de 2002-03
e Théodore foi enxovalhado por duas vezes seguidas, levando nada
menos que seis gols dos Sabres (6-1) e dos Flyers (6-2).
A partida seguinte era contra os campeões Red Wings, em Detroit,
quando seria levantada a faixa dos vencedores da Stanley Cup de 2002.
Os Wings jogaram mal, mas ainda assim fuzilaram o gol do Montreal com
32 chutes contra 14. Os Canadiens venceram a partida por 3-2. No gol
estava Hackett, não Théodore.
Logo a seguir, um grande embate contra os Leafs, onde os goleiros se
sobressaíram numa partida empatada em 2-2. Novamente no gol do
Habs, Hackett fez uma defesa magistral sem taco na prorrogação,
impedindo o gol de Mats Sundin e garantindo o empate. "Eu nem sei
como consegui fazer aquilo na frente do Sundin", disse o goleiro,
mais tarde.
Próxima parada: Mario Lemieux e Pittsburgh Penguins. Théodore
está de volta, faz boa partida, mas sofre o gol de empate a apenas
dez segundos do fim, marcado por Aleksey Morozov.
O MVP continuou no time para a partida seguinte, apenas para ser novamente
enxovalhado pelo Flyers, que venceram, mais uma vez metendo seis gols
(6-2). Dessa vez, Théodore foi substituído no meio do
segundo período, após levar 4 gols em 14 chutes.
Solução? Volta Hackett, que teve atuação
sensacional na partida seguinte, contra os Senators, tendo sido bombardeado
por incríveis 48 chutes, incluindo todas as 23 defesas do primeiro
período igualando recorde do time de defesas num período.
Vitória do Montreal por 5-3.
Daí por diante, os goleiros vêm jogando alternadamente,
e essa parece ter sido a solução encontrada. Mas Hackett,
reconhecidamente, tem sido tratado como o melhor goleiro no momento.
Tal qual ocorreu com Osgood e Legace no Detroit em 2000-01.
Theodore, inclusive, pôde rever o karma contra os Hurricanes,
quando teve boa atuação no empate entre os times.
Calvário - José Théodore terá
de superar a má fase por si só. É um clichê,
mas estamos tratando de um esporte e de uma liga profissionais. Peso
demais para um jovem de 26 anos, que ainda terá de ler em qualquer
noticiário esportivo sobre como, por que e quando perdeu o posto
de goleiro principal para Hackett. Peso demais para alguém que
acabou de ser eleito o melhor da temporada.
Johan Hedberg, goleiro dos Penguins, precisou fazer terapia hipnótica
para se recuperar da forma medonha com que terminou a temporada passada
em Pittsburgh. Alô, Théodore: deu certo!
De qualquer forma, é nítido que ele vem fazendo progressos
ao longo desta temporada. Possivelmente uma questão de recuperação
de confiança.
Problema no gol? - Jeff Hackett não é
o problema em Montreal. Pelo contrário: tem sido uma grata surpresa.
Mais que grata, até.
Hackett nunca foi exatamente um goleiro para ser o número 1 de
uma equipe. Tudo bem que com o tempo foram entrando aberrações
como Predators, Thrashers e Blue Jackets na liga. Ainda assim, sabe-se
lá qual time o contrataria para ser o goleiro principal hoje
em dia, e sabe-se lá qual o contrataria para ser reserva pagando
seu salário atual.
E se os Canadiens tivessem se livrado de Hackett antes do começo
da temporada, conforme imaginado por alguns, inclusive este que vos
escreve?
Esta alegação se baseia na idéia de que, sem a
sombra, Théodore ficaria mais tranqüilo e poderia render
o habitual. Só pode ser piada ou desculpa de mentiroso. O MVP
era absoluto até começar a temporada. Ele caiu sozinho;
não foi Hackett que o empurrou.
O exemplo citado por alguns seriam os próprios Flyers, onde o
gerente geral Bobby Clarke mandou embora Brian Boucher, para deixar
Roman Cechmanek mais confiante. Desde quando Clarke é exemplo
positivo de negociação?
Imagine só os Habs neste início de temporada, com Hackett
negociado e Théodore tremendo na base. Sem contar que, desvalorizado,
Hackett valeria algo bem menor do que a utilidade que ele tem hoje no
time.
Epílogo -- Quando este artigo estava sendo fechado,
eis que surge o verdadeiro José Théodore MVP: um shutout
contra os Islanders, com nada menos que 42 defesas. Definitivamente,
uma atuação digna de uma virada. Se ele já vinha
melhorando ultimamente, sem, contudo, superar as atuações
de Hackett, esta pode ter sido a partida que faltava para recuperar
toda a confiança perdida.
Se de fato Théodore recuperar a excelência da temporada
passada, voltamos mais uma vez à questão inicial, ainda
aquela do artigo anterior: o que fazer com Jeff Hackett? Logo na partida
seguinte, no sábado contra o Kings, o técnico Michel Therrien
não manteve o goleiro MVP e escalou o ex-reserva. Resultado:
mais uma grande partida de Hackett, quase conseguindo também
um shutout.
Péssima situação para a gerência, que não
quer manter dois goleiros ganhando altos salários.
Saudável dúvida para o técnico.
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Marcelo Constantino quer ver o Montreal Canadiens de volta à
maestria. |
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BRIGA BOA José Théodore
e Jeff Hackett dividem o gol dos Canadiens: até quando? (Andre
Foeget/AP - 26/10/2002) |
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