Por
Thomaz Alexandre
Em 1999 o maior ícone da história do Calgary Flames, Theoren
Fleury, ficou sabendo que suas despesas com ordenados não poderiam
mais ser mantidas pelo clube do coração. Ao lado de Phil
Housley, este sendo discreto demais para os holofotes, ele era a única
estrela do time. O que importa se o Colorado já tinha Forsberg,
Sakic, Roy? Espaço era o que não faltaria para o "Little
Spark". Há pouco mais de um ano, Alexei Yashin estava em
Ottawa procurando um novo, rico e longo contrato. Encontrou-o em Nova
York. Curtis Joseph tornou-se agente livre? Tchauzinho, Toronto; olá,
Mr. Ilitch.
No entanto, há quem diga que nem tudo são espinhos ao
norte das fronteiras americanas. Jarome Iginla, o mais recente vencedor
do Troféu Art Ross, apesar de um dos menos brilhantes ao realizar
tal feito, possui um novo contrato com os Flames. José Théodore,
vencedor do Hart e, obviamente, também do Vezina, é outro
a garantir mais um acordo. Mas quem acredita que estas renovações
não serão as últimas com seus atuais clubes? E
o que dizer de Chris Drury, que todos esperavam despontar em Denver
após a aposentadoria de "Super" Joe Sakic? Quanto seu
agente pedirá ao fim do contrato vigente? Dificilmente será
alguma sentença inteligível para os dólares de
Calgary, que são canadenses, e já precisam manter Iginla.
Mas, voltando àqueles que acham que nem tudo é Barbra
Streisand ou Celine Dion, é verdade que nem tudo. Em 2001 tivemos
quatro times canadenses nos playoffs, sendo três do Leste. Inclusive
dois deles disputaram uma vaga na final de conferência, naquela
que foi uma das melhores séries na liga desde as de Dallas contra
Edmonton. Edmonton que, por sua vez, tendo sido o bode expiatório
do desequilíbrio Leste-Oeste (92 pontos e fora dos playoffs),
pode chegar à segunda temporada desta vez. Falemos deles.
Ainda jovens; um ano mais experientes -- Na terra onde Wayne
Gretzky carimbava 200 pontos por temporada, seria desejável que
os membros da linha Smyth - Comrie - Carter fizessem 70 cada. Talento
não falta, mas consistência pode ser. Alguém imagina
este trio abandonando, digamos, um showzinho quinzenal em troca daquele
pontinho suado e de um eventual +1 na maioria das noites? Mais uma vez,
deseja-se, mas não se imagina. As linhas de defesa que os apoiarão
serão as mesmas, e talvez mais fortes, pois os Oilers ainda buscam
um homem de linha azul para se colocar entre Steve Staios, quinto zagueiro,
e Scott Ferguson, sexto, na rotação. Recordando, Eric
Brewer, Janne Niinimaa e Jason Smith são os demais.
Se há a mão que toma, há também a que cede.
E, por ela, esta iminente troca poderia (mais à frente veremos
por que não vai) sobrecarregar a unidade principal nas ações
ofensivas, já que Kevin Lowe está buscando interessados
em três atacantes: Mike Grier, miserável na temporada 2001,
Marty Reasoner, que tem um contrato de duas vias entre NHL e AHL, e,
principalmente, o querido da torcida Todd Marchant. Marchant acaba de
renovar por um ano, sendo um agente livre irrestrito para a próxima
entressafra, perfil que atrai muitos times da liga.
Para a posição do atacante rápido e valente que
é Marchant, os Oilers possuem um grupo de prospectos batendo
à porta de fazer inveja. Talvez um Marchant de 21 anos, Jani
Rita levou o Hamilton Bulldogs às finais de conferência
da AHL na temporada passada, com oito gols em 15 jogos. Evoluindo de
um veloz jogador que acha que vai conseguir contra-ataques e posicionamento
frente ao goleiro a todo momento, Jani aprendeu a lutar nas bordas e
ajudar a defesa. Adicionando mais bala à agulha do time de Craig
McTavish estão os jovens Jason Chimera, 77 pontos pelo Hamilton
em 2001, e Ales Hemsky, um fenômeno tcheco de cem pontos por temporada
após se mudar para a QMJHL canadense. Tardiamente descoberto,
Jiri Dopita saiu dos Flyers para se unir ao recém-adaptado Mike
York na segunda linha do Edmonton. Apesar de estar na NHL há
apenas um ano, Dopita tem 32 anos e toda uma vida de reconhecimento
no hóquei internacional. Desde já pode ser tornar tão
líder deste time quanto Jason Smith.
Já que jovens jogadores em pequena quantidade é bobagem,
o Edmonton ainda se recheou de escolhas no recrutamento de 2003, por
meio das trocas de Jochen Hecht e dos direitos sobre Curtis Joseph,
antes que este assinasse com os Wings. Jarret Stoll e Jani Salmelainen
são mais dois prospectos de encher os olhos que se desenvolverão
um pouco mais em Hamilton.
Que os playoffs abram suas portas para o filho pródigo que quer,
e merece, voltar.
Para baixo não é o único caminho -- Se os
Oilers precisam de constância, o que dizer dos Canadiens? Voltaram
aos playoffs com a última vaga do Leste, e isso no melhor ano
de Théodore e, quiçá, de Perreault. Tudo para não
falar de Zednik, que precisou estar na melhor semana de sua vida para
ajudar na zebra contra os Bruins na primeira rodada. Será que
o raio cai duas vezes no mesmo lugar?
Bem, é um exagero comparar uma nova boa campanha dos Habs a tal
fenômeno. Os Habs esperam agora contar com seu capitão
e inspirador emocional Saku Koivu durante toda a temporada, o que deve
fazê-los esquecer rapidamente de Shaun Van Allen, Senator por
maioria de votos que teve boa passagem por Quebec. Esperam também
contar com a experiência e a liderança de Randy McCay e
substituir com sobras a explosão do instável Berezin pelo
visionário Mariusz Czerkawski. Ver mais algum desenvolvimento
do potencial de Sheldon Souray não seria nada mal, também.
Pois bem, Théodore, tens um time mais forte à sua frente.
O difícil é te cobrar mais um ano em ritmo de 93,1%, não
é? A lógica concorda, mas certamente o MVP, que é
um dos 11 franco-canadenses no cargo de goleiro titular* na NHL este
ano, discorda.
Não éramos nós que tínhamos que nos fortificar
em torno da juventude boa e barata? -- Muitos torcedores dos Avs
devem ter arrancado os cabelos com a troca de seu Druryzinho. Racionalmente,
olho para isso e só consigo me perguntar: e o torcedor dos Flames?
O Calgary acaba de renovar a duras penas com Iginla, o jogador mais
caro da história do clube, e logo depois abre as portas a um
futuro milionário da NHL? O que me fazem de bom os cometas se
eles passam?
Iginla provavelmente será areia demais para os Flames na época
de sua próxima renovação, e será um agente
livre restrito que provavelmente levará o time a uma troca daquelas
"de volta à prancheta". O mesmo pode ser dito de Drury
se este realmente emplacar em Calgary, agora como destaque de primeira
grandeza.
Com Drury e o calouro Chuck Kobasew, os Flames poderiam sonhar em ter
mais de uma linha. Mas e a primeira sem Dean McAmmond? Se Craig Conroy,
mesmo ao lado de Iginla, não puder ir além dos 55 pontos,
e Ron Niedermayer não justificar seu salário e a troca
de Val Bure, o quadro sendo pintado toma contornos horrendos.
Em alguns anos, as linhas de defesa dos Flames poderiam se aproximar
de algo como as dos Avs de hoje. Só que mandando Derek Morris
aos Avs eles acabam dando passos para trás e implorando para
que a linha de chegada se coloque mais à frente. Quando você
tem só inexperiência, mesmo dotada de talento, por parte
de Robyn Regehr e Jordan Leopold tomando o comando da defesa ao lado
do suscetível a contusões Denis Gauthier, há problemas.
Principalmente à frente da roleta-russa (tcheca?) que é
Roman Turek.
Resta aos Flames torcer por mais produção das linhas inferiores,
que devem contar com as adições do veterano Stephane Yelle,
do brigador Martin Gelinas e do talento indomado de Robert Dome. Isso
se algum destes não precisar ocupar vagas em unidades além
de suas limitações.
Com 79 pontos na mais recente campanha, uma força da natureza
poderia classificar os Flames desta vez. Se eles estivessem em outra
conferência. Da AHL, é claro.
Melhor que a batalha de Ontário? Guerra de Ontário
-- E, enfim, chegamos ao que o hóquei do Canadá tem de
melhor hoje em dia, caso Mario Lemieux volte a ter problemas de contusão.
Sim, chegamos a Leafs e Senators.
Ainda não foi desta vez que os Senators eliminaram o Toronto
na pós-temporada, mas chegaram mais próximo. Mais: passaram
a ser respeitados pelos vizinhos de Ontário, que não se
lembravam de tanta intensidade em preto, branco e vermelho desde o New
Jersey Devils, aquele que um dia teve Arnott, Sykora, Mogilny, Holik...**
Se os Senators mantiveram o equilíbrio durante a pós-temporada,
recuperando Van Allen e perdendo McEachern, trazendo a tão solicitada
aspereza de Brian Pother, ex-Preds, e abrindo mão da técnica
discreta de Sami Salo, os Leafs podem estar piores. Belfour carregou
a defesa dos Blackhawks nas costas. Em outra década. Em Dallas,
ele tinha praticamente quatro jogadores a proteger seu gol em tempo
integral. E nos últimos dois anos nem isso vinha dando resultado.
Em Toronto, ele vai precisar freqüentemente atingir 35 defesas
em um jogo. É, você não pensou errado: nem todo
mundo é CuJo.
Outro freqüentador assíduo da enfermaria, Dmitri Yushkevich
deu lugar a Robert Svehla, que, apesar de estar no mesmo nível
técnico, tem menos jogo defensivo e mais peso do tempo sobre
as costas. E a temporada de Gary Roberts, o homem de 30 gols que eliminou
os Sens, só começará em janeiro, devido a sua cirurgia
corretiva no ombro. Ainda: Jonas Hoglund está sem contrato.
Se as perspectivas domésticas, e obviamente gerais, dos Senators
excedem as dos Leafs em termos de movimento de jogadores, na ascensão
de prospectos não é diferente. Enquanto o Ottawa espera,
enfim, o nome de Jason Spezza ser aplaudido como estrela das partidas,
talvez ao lado de Antoine Vermette e do defensor Anton Volchenkov, o
Toronto tem seu único prospecto de ataque também sem contrato.
O pior: este é Nik Antropov, cujo desenvolvimento parece um tanto
estagnado enquanto os anos passam.
O Toronto ainda tem um grande time, com nomes como Mats Sundin, Shayne
Corson, Travis Green, o injustiçado Alyn McCauley, segundo melhor
dos Leafs na pós-temporada passada, e alguns que podem produzir
mais, como Mogilny e Reichel. Mesmo sendo difícil acreditar em
Belfour, o atleta que usará um selo comemorando os cinco anos
de seu primeiro milhão de dólares em seu uniforme, eles
contam com alguns bons defensores, a exemplo do próprio Svehla
e Tomas Kaberle. O problema é que nenhum dos dois tem escrúpulos
ao subir ao ataque. Resta Brian McCabe, que durante sua passagem por
quatro clubes se transformou em um jogador durão, malandro e
que sabe quando fazer o quê. Mas, fora estes, os Leafs podem ter
de apelar para o garoto de 19 anos Carlo Colaicovo na hora de buscar
nomes para as principais posições em times especiais.
Falando em times especiais, este é o segundo de três problemas
que o time precisa rapidamente consertar. Há anos que os Leafs
não aparecem entre os líderes em vantagem numérica
na liga, e com as novas regras deste ano prometendo mais de 10 vantagens
numéricas por jogo para cada equipe, o peso do fator aumenta.
Na pré-temporada, e nesse quesito o vizinho Ottawa não
tem nada do que se gabar, as unidades de vantagem numérica dos
Leafs foram pífias. O técnico Pat Quinn tem considerado,
inclusive, usar Tie Domi como regular na função, já
que ele marcou dois dos oito sofridos gols em vantagem numérica
do Toronto na fase de aquecimento. Em Ottawa, por outro lado, o problema
tem sido achar o jogador certo, determinado para suportar a rudeza das
retaguardas em frente ao gol. Como o forte calouro Brad Smyth deve ficar
sem lugar no elenco titular frente a Jason Spezza, Marian Hossa é
aquele de quem mais se espera essa postura.
O terceiro problema dos Leafs, de que implicitamente já abusamos
e todos já conhecem de cor é a integração
de um sujeito como Belfour ao elenco. Para ajudar nisto e, por que não?,
com a adaptação dos outros recém-chegados Trevor
Kidd, Tom Fitzgerald e Robert Svehla, Pat Quinn levou seu time para
um retiro em Wheeling, Virgínia Ocidental, a 100 km de Pittsburgh,
onde o time abre a temporada. Wheeling, inclusive, é a sede dos
Nailers, afiliados dos Penguins na ECHL. A própria direção
dos Pens recomendou o local onde os Leafs passarão quatro dias
relaxando da pressão de mídia e torcida e poderão,
além de evoluir nos relacionamentos, treinar seus times especiais.
Da vez mais recente que utilizaram tal expediente, em 1998-99, partiram
para uma série de jogos no oeste canadense que resultou num retrospecto
de 4-1-1, a caminho de uma temporada de 97 pontos.
Sens e Leafs estarão nos playoffs novamente? Decerto. Quem viverá
para ver mais auroras? Isto deve mudar.
Os Canucks não fazem parte desta coluna, já que estão
em boas mãos por conta de Alessander Laurentino. Bons fluidos
a Markus "Nemesis" Naslund.
Notas rápidas:
- Cinco arenas da NHL vão mudar de nome neste ano, devido a novos
contratos de patrocínio.
- Seis categorias estatísticas deixaram de ser computadas pela
IBM, empresa oficial de estatísticas para todas as ligas major
norte-americanas. São elas: Choques, discos recuperados, discos
perdidos, chutes bloqueados, chutes para fora (que não entravam
na conta total de chutes) e tempo de posse de disco por zona do gelo.
* A saber, Patrick Roy, Dan Clouthier, Patrick Lalime, Jean-Sebastian
Giguerre, Martin Biron, Martin Brodeur, Felix Potvin, Marc Denis, Roberto
Luongo, Jocelyn Thibault e o próprio Théodore. Isso para
não falar nos que não são de Quebec: CuJo, Belfour
e Tugnutt... Mais uma vez, wow, Canadá!
** É agora, Morozov!
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Thomaz Alexandre quer ver todos os canadenses, os Seis Originais
(exceto Rangers), mais Penguins nos playoffs. Fora com Dallas e
C(r)aps. Abaixo os leiloeiros! |
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BELFOUR, UM LEAF Brad Smyth
vai forte contra o gol, mas Ed Belfour consegue uma de suas primeiras
grandes defesas como um Maple Leaf. Haverá muitas outras?
(Jim Young/Reuters) |
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