Por
Marcelo Constantino
Os dias do jogo 6 ao 7 na vida de um torcedor do Detroit Red Wings.
Quarta-feira, 29 de maio de 2002 -- Acordo meia hora mais tarde
que o habitual: fiquei até tarde lendo sobre o jogo 5 entre Detroit
e Colorado. Hoje é o dia de um jogo decisivo.
Nunca me senti assim antes de qualquer jogo dos Red Wings que eu tenha
acompanhado, desde o primeiro, em novembro de 1996. Nem mesmo em qualquer
outro jogo decisivo de playoffs. A eliminação está
na cara, mas o time não está mal. Pelo contrário,
luta bravamente toda santa noite contra os campeões, que parecem
cada vez mais imbatíveis. Não fosse o Detroit um timaço
repleto de grandes jogadores, ter chegado tão longe já
seria satisfação plena. Mas nesta temporada, diferente
de 2000 e 2001, qualquer resultado que não o título da
Stanley Cup é uma derrota fragorosa.
O pessimismo ronda minha cabeça. "Mas isso é padrão
em situações deste tipo", tento me convencer. Minutos
antes de sair para trabalhar, seleciono uma música pra ouvir
que me acompanhará pelo resto do dia geralmente fica no
subconsciente por um bom tempo. A de hoje tem de estar ligada ao jogo.
Depois de duas opções rapidamente descartadas, escolho
"Heroes", de David Bowie. Lembro-me do artigo de Alexandre
Giesbrecht, a respeito da falta de heróis no San Jose Sharks
para vencer uma série de sete jogos.
"É disso que o time precisa para hoje, de heróis",
penso. A música rola e eu vou injetando otimismo em mim mesmo
com incrível sucesso. "We could be heroes, just for one
day"... Nada disso, preciso de heróis por um período
de quatro dias, até sábado! Mas que seja por um dia ao
menos, o jogo 7 é outra história. E não tem jeito:
eu penso em herói, eu penso em Darren McCarty.
A música emociona, eu saio estranhamente confiante para o jogo
à noite, penso em ligar mais tarde para o amigo Humberto e ver
se espalho um pouco deste ânimo turbinado.
O dia está meio apertado no trabalho, mas ainda consigo escrever
esta primeira parte. Vamos ver como será o resto do dia. Sonho
em berrar hoje de madrugada com uma vitória.
Cheguei em casa, saí para jogar. Enquanto jogava, imaginava que
estava rolando, naquele momento, o tão aguardado jogo 6. Começou
até uma certa paranóia, se eu estava ganhando, bom sinal
para os Wings, senão, mau sinal. Voltamos, longas horas de expectativa.
Antes do jogo, mais David Bowie, "Heroes".
O jogo 6 -- Nervosismo do início ao fim, sem parar. Foi
o melhor jogo da série, creio que para ambas as equipes. O diferencial
foi a falha cabal de Roy e uma das melhores atuações de
Hasek pelo Detroit. Não há como não sentir um sabor
especial de ver aquele palhaço bobalhão do Roy mostrando
pra todo mundo "o disco está aqui" e ver que não,
que o disco está no gol dele. McCarty não foi o herói,
mas marcou um gol. Madrugada feliz, sono feliz.
Quinta-feira feliz.
Sexta-feira, dia enforcado, sono até tarde. É hoje, jogo
7. "Heroes". Darren McCarty. A melhor notícia do dia:
a ESPN vai passar o jogo de madrugada. Não há como não
agradecer a esses caras. Final da tarde, Humberto liga. É hoje,
nunca assisti a um jogo 7 dos Wings; em 1996 eu só passei a ter
ESPN em novembro. A Internet veio ainda depois. Antes do jogo, a trilha
sonora uníssona, Bowie, "Heroes". Música do
ano, a grande injeção de otimismo.
O jogo 7 - Tremi de nervoso no início, como acontece em
jogos decisivos, finais, do Flamengo. Na verdade isso já tinha
acontecido antes, no jogo 6, mas em menor intensidade.
Inacreditável, um gol atrás do outro. Lembrou os 6-0 de
1997, mas este foi mais rápido e mais intenso. Naquele ano Roy
havia dito que os Wings iriam enfrentar o "verdadeiro" Colorado.
6-0 na cara daquele imbecil, que ainda foi substituído. Dessa
vez, idem, embora ele não tenha aberto a boca antes do jogo.
Os Avs pareciam mortos, era outro time.
Inegável que mais uma vez o grande sabor do jogo, já que
praticamente tudo estava resolvido na metade do primeiro período
(!), foi ver aquele sorriso-de-buraco, sem graça, na cara do
Roy sendo sacado. Claro, ele é o melhor, por isso o prazer de
vê-lo saindo. Depois de um tempo, quando ele tirou o sorriso idiota
da cara, chegou a dar pena.
Esse Colorado não é o mesmo de 1997, o mais odiado de
todos. Ícones saíram. Hartley não é como
o Mauricinho Crawford. Além de muito mais competente, não
é um destrambelhado e não consigo desgostar dele. Sempre
tive grande admiração pelo Sakic, mesmo sendo daquele
time. Mas as simpatias param por aí, não agüento
olhar para aquela cara de anjo do demônio do Forsberg, o Blake
nunca me agradou muito e, para a festa ficar completa, gostaria apenas
que alguém acertasse em cheio aquele nariz de Pinóquio
do Adam Foote, que insistia em metê-lo onde quer que fosse.
Foi a melhor série que já vi, superando inclusive as finais
de conferência de 1997, também entre Detroit e Colorado.
Foi mais equilibrada, mais difícil.
Tchau, Colorado. 7-0 num jogo 7 é definitivo, não há
choradeira. É humilhante. Agora é torcer pelo título,
nada de "já ganhou".
|
Marcelo Constantino Monteiro escreveu este texto inspirado por
artigo semelhante de Humberto Fernandes, antes do início da série.
Está no espírito das finais, deixou crescer a pouca barba que tem. |
|
|
APERTO DE MÃOS Depois
da tensão, Marcelo Constantino pôde ver os dois times
apertando as mãos (Kirthmon F. Dozier/Detroit Free Press
- 31/05/2002) |
|
|
|