Por: Eduardo Costa

Hóquei no gelo no Globo Esporte e no Globo.com? Algo cheira mal. Vamos às opções:

a) Alguém morreu;
b) Alguém quase morreu;
c) Ninguém morreu, mas usaram uma maca pra tirar do gelo alguém que parecia morto;
d) Alguém nas tribunas levou a pior com um disco/taco/vidro oriundo da ação no gelo;
e) Anna Kournikova tem um novo amor (£/$).

No último caso que se tem notícia, a opção D é a correta.

Milan Lucic, o enérgico ponta sérvio-canadense do Boston Bruins, quis que Mike Van Ryn conhecesse de perto — bem de perto — as bordas do TD Banknorth Garden no último clássico contra o Toronto Maple Leafs.

O resultado do choque destruiu o plexiglass — proteção de acrílico — e os estilhaços feriram levemente alguns torcedores que estavam próximos. Nada de mais. Porém, a versão eletrônica do câncer televisivo nacional deu a manchete com tom de tsnunami em um copo d'água em uma coluna traduzida. Na mesma missiva, podemos ver um vídeo onde a apresentadora "introduz" o esporte aos seus telespectadores.

O tranco foi espetacular. É fantástica a repetição que, acompanhada apenas do som ambiente, une as reações de torcedores, dos atletas e do vidro desmoronando. Vítima e algoz ficaram desorientados. Alguns fãs das primeiras filas não sabiam se comemoravam o esmagamento ou se solidarizavam com infortunados.

Os responsáveis pela integridade do público no Garden fizeram o que tinha que ser feito. Os Bruins não. Derrota em casa para os Maple Leafs não estava na cartilha do treinador Claude Julien. A recuperação teria que vir contra o Atlata Thrashers, também em Boston. Um novo tropeço significaria o quarto insucesso consecutivo.

Contra o time da Geórgia, Lucic fez o que não vira notícia para os inomináveis da imprensa marrom tupiniquim: três gols. O último deles com 1:41 por jogar, sacramentando a virada de sua equipe. Os 5-4 foram tão agônicos quanto importantes nas pretensões imediatas dos Bruins.

Individualmente foi o primeiro hat trick da carreira de Lucic, que aos 20 anos já pode ser considerado um dos mais festejados membros da organização. Seu cartaz cresce a cada embate. Além dos tentos, ele ainda deu a contribuiu com uma assistência. Nada mal.

Quem conhece a rica história do Boston Bruins sabe o apreço que o povo da Nova Inglaterra tem para com atletas que além de saber chutar um disco, não fogem do jogo físico.

O "Big, Bad Bruins", bicampeão da Copa Stanley no início dos anos 70, era uma mescla de talento e intimidação. No final da mesma década o extremamente popular e polêmico Don Cherry tinha uma turma de capangas de fazer tremer qualquer adversário. Um desses vigilantes do gelo era Terry O'Reilly, que durante muito tempo foi cão de guarda de Ray Bourque.

O estilo brigão de Lucic, que em sua temporada de estréia na NHL deixou as luvas caírem uma dezena de vezes, tendo levado a melhor na imensa maioria delas, rendeu comparações com O'Reilly.

Outro fator que pode ajudar Lucic a aumentar seu tempo de atuação nos jogos dos Bruins é fornecer a proteção que o fino Patrice Bergeron necessita. Todos se lembram o que aconteceu em um passado não muito distante com o franco-canadense.

Ainda no âmbito comparativo alguns citam Cam Neely. Ainda faltam alguns bons quilômetros para que essa associação ganhe sentido.

Dono de um estilo suicida, Neely era o protótipo do atacante de força. Valente, cansou de fazer gols em meio a tráfego pesado frente ao goleiro adversário. Além de campanhas com cinqüenta ou mais tentos, foram quase cem brigas na sua encurtada carreira na NHL.

Pelo menos contra os Thrashers o gigante de 100 Kg e 1,93 m fez com que a torcida se lembrasse do ex-ídolo. Pesadelo constante para o goleiro Johan Hedberg, todos os gols foram feitos na base da força e insistência.. O tento da vitória, por exemplo. Jogo vertical. Chute. O bloqueio do defensor sueco Tobias Enstrom rendeu um rebote que Lucic não desperdiçou.

Na coletiva pós-jogo, Julien lembrou de uma das forças do atual campeão da Copa Stanley. A forma com que Tomas Holmstrom e Johan Franzen se metem entre os linhas azuis para tirar a visão dos goleiros adversários e aproveitarem os rebotes é uma estratégia das mais eficazes.

"O que eles fazem é ir para a frente do gol," disse Julien. "Você não consegue defender o que você não vê. Lucic foi recompensado por querer fazer isso hoje — pagando o preço e se mantendo no meio da confusão. Ele tem estatura para esse trabalho. Se continuar fazendo isso, continuará marcando gols."

Dono de uma carreira vencedora no hóquei de base, onde disputou a final da Copa Memorial com o Vancouver Giants, time de sua cidade natal, e capitaneou a seleção canadense que humilhou os russos na Série de Verão de 2007, Lucic é uma escolha tardia que rendeu frutos antes do imaginado.

Quando chegou no campo de treinamento há um ano, sabia que tinha poucas chances de disputar a temporada pelo dourado e preto. Mas a tenacidade e o estilo desafiador, aliada a sorte, já que alguns atletas titulares estavam no estaleiro, significaram uma chance rara. Na estréia desafiou Brad Winchester. Três jogos depois produzia um "Gordie Howe hat trick". Impossível devolvê-lo aos Giants.

"Às vezes olho para trás e penso sobre isso, de como tenho sorte por estar nessa liga," e completa, "Apenas estava tentando fazer com que a decisão de me mandar de volta para Vancouver fosse difícil pra eles. Nunca imaginava que estaria aqui tão cedo."

Capanga, atacante de força, pugilista de elite. Lucic pode não ser o melhor da liga nessas categorias, mas se continuar crescendo em cada uma dessas características, logo se tornará o atleta símbolo do Boston Bruins. Nem que isso custe algumas manchetes sensacionalistas por essas bandas.

Eduardo Costa é leitor assíduo do blog NHL Brasil e manda um abraço aos competentes membros da equipe.
AP
O hat trick de Milan Lucic...
(25/10/2008)
AP
... que os inomináveis não mostram.
(25/10/2008)
Arquivo pessoal
O rei da TV brasileira!
Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-08 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 29 de outubro de 2008.