As últimas semanas da temporada regular encerrada em abril registrava duas grandes disputas: uma entre as equipes bem sucedidas que competiam por uma vaga nos playoffs e outra entre as miseráveis que disputavam a primeira escolha no recrutamento.
Coube ao Tampa Bay Lightning a desonra de ocupar a lanterna da liga, colocação premiada com a mais alta probabilidade de vitória na loteria do recrutamento. E de fato a matemática prevaleceu.
Não houve qualquer surpresa no dia D, porque o mundo todo já sabia que Steven Stamkos seria o número um. Tão logo teve fim o recrutamento, o Tampa Bay já iniciava sua campanha de marketing vinculando a imagem de Stamkos ao Lightning, uma espécie de apresentação aos fãs do seu futuro novo ídolo, aquele que arrastaria multidões ao St. Pete Times Forum e mudaria os rumos da franquia, tal qual Sidney Crosby em Pittsburgh.
Esse esforço de marketing era embasado pela expectativa em cima do garoto de 18 anos.
De 2006 a 2008, Stamkos reinou absoluto na Ontario Hockey League, atuando pelo Sarnia Sting, onde marcou cem gols e 197 pontos em 124 jogos. Se seus números não estabeleceram recordes, pelo menos credenciaram o jogador como "pronto para a NHL".
E mais: muitos especialistas sugeriram que Stamkos já deveria reservar passagem aérea e hospedagem para participar da festa anual de premiação aos destaques da temporada, promovida pela liga em junho. Isso quer dizer que o Troféu Calder, antes mesmo da temporada começar, já teria dono.
O Lightning tratou seu futuro craque à maneira como fez a imprensa. No tradicional torneio de prospectos organizado anualmente pelo Detroit Red Wings em setembro, o Tampa Bay não permitiu que Stamkos seguisse a rota natural dos jogadores de sua idade e participasse do evento.
Outros calouros que hoje são titulares de suas equipes estavam lá, como Alex Pietrangelo, Patrick Berglund e T.J. Oshie, do St. Louis Blues, Fabian Brunnstrom e James Neal, do Dallas Stars, Jakub Voracek, do Columbus Blue Jackets, e Zach Bogosian, do Atlanta Thrashers.
Por que não escalar Stamkos ao lado dos garotos de sua idade? Para preservá-lo de quê? A rotina quase diária de jogos da temporada regular não salva sequer uma alma. Você pode ser atingido pelas costas por Ryan Hollweg e ter sua cara amassada nas bordas; ou sofrer um tranco sujo de Kurt Sauer e enxergar dois punhos crescendo em direção aos seus olhos, enquanto vê a primeira concussão de sua carreira a milésimos de segundo de distância.
Ou então pode disputar 82 jogos sem uma contusão sequer. O ponto é que os jogadores precisam estar preparados para todas as disputas e existe risco em qualquer partida de hóquei, seja no Madison Square Garden ou no lago congelado da rua de cima.
O torneio de prospectos é perigoso? Sim, algum jovem destrambelhado e invejoso pode querer arrancar sua cabeça, sabendo que você é o número um. Mas a pré-temporada não é tão perigosa quanto? As estatísticas comprovam a maior incidência de brigas na fase que antecede a temporada regular. E há mais Hollwegs da vida jogando na pré-tem-porrada do que entre os prospectos, onde teoricamente estão os mais habilidosos.
Céus, os dois torneios sequer acontecem simultaneamente. Stamkos poderia tanto jogar com os nascidos nos anos 1990 quanto experimentar a adrenalina da NHL dias depois. Entretanto, a gerência do Tampa Bay decidiu que não, que o jogador é diferenciado e por isso merece ser tratado como estrela, o que ele ainda não é.
Passados seis jogos da temporada, Stamkos parece pertencer muito mais ao mundo dos adolescentes
do que ao das estrelas da liga. Em seus poucos minutos de gelo, menos de 11 em média por jogo, o central parece lerdo e desorientado. Ele está apanhando do disco, o que não deveria acontecer com quem supostamente está "pronto para a NHL". Não surpreende ver que à frente do seu nome há um monte de zeros, exceto pelo saldo de -1, quatro minutos de penalidade e 12 chutes a gol.
O treinador Barry Melrose não confia em Stamkos. Ele não escala o jogador em situações de vantagem numérica, nem ao lado dos melhores atacantes da equipe, e a cada turno o calouro tem companheiros diferentes no gelo. Para piorar, o time não vence jogos.
Aproxima-se a data em que o Lightning terá que decidir se o jogador pode causar algum impacto em Tampa Bay ou se seria melhor enviá-lo para os juniores, onde reinaria absoluto por mais um ano inteiro na OHL. A decisão envolve aspectos técnicos, financeiros e mercadológicos, mas antes é preciso entender como funcionam os contratos de introdução dos calouros na NHL.
Os prospectos assinam contratos de introdução, com duração máxima de três anos. O contrato só entra em vigor a partir do momento em que o jogador disputar dez jogos em uma temporada. Se a equipe entender que o garoto ainda não está pronto para a NHL, ela o rebaixa para uma liga de juniores, mantendo o vínculo, porém sem a possibilidade de convocá-lo de volta naquela mesma temporada. Nesse ínterim o contrato não corre, ou seja, permanece "congelado", com sua duração inalterada.
Então Stamkos está a três jogos de conhecer o seu destino, três chances de marcar seus primeiros pontos e comprovar sua capacidade.
Para o Lightning, o melhor seria abrir mão do jogador e deixá-lo se desenvolver mais um ano nos juniores. Um ano de artilharia da liga, playoffs, outro Campeonato Mundial de Juniores, de recuperação da auto-confiança. Não há muito o que aprender na NHL jogando 11 minutos por noite, com jogadores de terceira e quarta linhas, em um time fracassado.
Outro bom motivo para essa decisão é a certeza de manter o jogador por mais tempo na organização. Rebaixando-o agora a gerência estará "trocando" uma temporada do adolescente Stamkos aos 18 anos por uma do maduro Stamkos aos 22. O segundo jogador é muito mais perigoso. Além disso, o Tampa Bay economizaria US$ 3,725 milhões no teto salarial, espaço suficiente para mais manobras no elenco. Se ele permanecer entre os profissionais e sua má fase persistir, Melrose não terá outra escolha senão barrá-lo do time, o que seria um duro golpe para o ex-futuro vencedor do Troféu Calder.
Por outro lado, rebaixar Stamkos sem lhe oferecer uma real possibilidade de se mostrar capaz seria uma afronta aos torcedores que compraram a idéia de que estavam diante de um novo fenômeno do hóquei, como atestava a campanha difundida pela organização. Parte da torcida poderia entender a notícia como sinal de desistência da temporada, o que não ajudaria a estreitar os laços com os fãs.
Stamkos tem três jogos para apagar toda a má impressão causada em seu primeiro mês na NHL e facilitar a vida de Melrose e de toda a gerência do Lightning.
Enquanto isso, seu blog deve ser tão lido quanto o livro "Formando Equipes Vencedoras", de Carlos Alberto Parreira.