A temporada 2006-07 apenas começou, não atingiu sequer dez jogos, mas em pouco menos de um mês confirmou algumas previsões de pré-temporada.

O Buffalo Sabres é o melhor time. Evgeni Malkin chegou tarde, mas é o calouro do ano. Roberto Luongo é o goleiro que todo time queria ter. O ataque do Calgary Flames só não é pior que o do Corinthians. E o Minnesota Wild é o time mais chato da liga.

Não é preciso ser visionário ou ter poderes sobrenaturais para imaginar as situações descritas acima. É como afirmar que o Rubinho Barrichello não será campeão mundial. Não se gasta previsão com isso.

Como não é preciso muito esforço para entender que a gerência do Detroit Red Wings fracassou ao não estabelecer um posicionamento preciso para a temporada.

São as conseqüências de um planejamento que durante muito tempo privilegiou o momento do time, extraindo o máximo da geração de Steve Yzerman e Nicklas Lidstrom, contratando veteranos renomados para se juntarem aos veteranos do time, com um único objetivo: vencer a Copa Stanley.

E quatro anos depois da conquista, o preço que se paga é esse: uma eliminação na primeira rodada diante do 8.º colocado e um péssimo início de temporada.

Quantas eliminações, fiascos e humilhações valem uma Copa Stanley? Certamente os Wings ainda não pagaram a conta, porque esse é o troféu mais difícil e valioso do planeta, mas a torcida já demonstra sinais de impaciência.

A grande diferença entre os Wings do período 1999-2003 e o atual é o posicionamento adotado pela gerência — ou a falta dele. Anos atrás, o Detroit era comprador de estrelas. Havia uma postura, uma atitude, planejada e seguida à risca. A ordem era construir e manter o melhor elenco do mundo. Assim foi feito.

Os Wings de hoje são um time de estrelas ou um time em reformulação? A gerência não adotou um posicionamento específico. Um time que não renova o contrato de seu principal goleador — Brendan Shanahan, 37 anos —, e promove um garoto recém-chegado da equipe de base — Jiri Hudler, 22 — provavelmente busca a renovação. Porém, ao assinar com Dominik Hasek, de 41 e um histórico recente de contusões graves, e Chris Chelios, 44, dá dois passos atrás e prejudica o desenvolvimento natural da equipe.

Não era preciso organizar uma cruzada contra todos os veteranos do time, até porque há muito talento nos tacos de Lidstrom e Mathieu Schneider, disposição e garra em Kris Draper e Kirk Maltby. O que os Wings deveriam ter feito era definir um posicionamento claro. Ou uma coisa ou outra. Quem tenta assumir mais de uma posição acaba não assumindo nada, sendo deixado para trás por aqueles que seguem uma disciplina específica.

Não se reformula um elenco de uma temporada pra outra. O processo tem de ser gradativo. O que os Red Wings fizeram nesta intertemporada foi desperdiçar a chance de agilizar esse processo, o que traria resultados mais rápidos no médio prazo.

Além disso, os poucos novatos do time jogam cinco minutos por noite. Dificilmente alguém no começo da carreira mostra serviço e prova seu valor atuando "quase nada, quase nunca".

É claro que a falta de posicionamento se deve também ao novo acordo coletivo de trabalho instaurado na NHL há dois anos. Não fosse por isso, equipes como o Detroit ainda seriam compradoras de estrelas. Com a adoção do teto salarial a necessidade de se gerenciar e otimizar os recursos humanos do time é vital para o sucesso. Algo que os Red Wings nunca precisaram fazer. Algo que eles nunca pensaram em fazer. E algo que eles não sabem fazer.

Em 2002 a quarta linha de ataque da equipe tinha Luc Robitaille, um dos maiores atacantes de todos os tempos, e Igor Larionov, certamente o mais inteligente jogador dos últimos 20 anos. Hoje em dia a segunda linha tem Mikael Samuelsson ou Jason Williams!

Shanahan quando deixou a equipe e assinou com o NY Rangers disse que se identificava mais com o passado do que com o presente dos Wings. Ele disse tudo que a gerência não consegue entender. Os Wings precisam abrir mão do seu passado, isso é, de Shanahans, Chelios e Haseks, porque os jovens jogadores do elenco precisam crescer, assumir responsabilidades e papéis cada vez maiores. A presença de alguns veteranos consagrados apenas inibe e retarda o despertar da liderança nos mais jovens.

É por isso que Yzerman se aposentou. Seu corpo ainda agüentava mais uma temporada, sua mente também. Mas foi bom para a organização que ele parasse agora. Não era viável esperar que Yzerman guiasse o time para mais uma Copa Stanley. Essa responsabilidade tem que ser de Henrik Zetterberg, 15 anos mais novo.

O time perdeu muito com a saída do ex-capitão, exemplo de liderança e dedicação. Mas podia ser pior. No dia em que Lidstrom se aposentar, aí sim os Wings terão grandes problemas. Porque enquanto Yzerman era a inspiração, o grande líder, o sueco é o coração e a alma do time, o melhor jogador.


Não podia passar em branco:

No último dia 20, quando os Red Wings foram atropelados pelos Sharks em San Jose por 5-1, Babcock declarou: "Eu achei que nós jogamos realmente bem. Mas toda vez que eles tinham vantagem numérica o disco achava um caminho pra rede".

O que Babcock fez? Trocou o goleiro quando o jogo estava 3-0, com três gols em vantagem numérica. Que diferença isso fez no jogo? Nenhuma, e os Wings levaram mais dois gols na mesma situação.

Quem joga bem não perde de goleada. Quem joga bem não sofre cinco gols em vantagem numérica, não perde três jogos seguidos marcando um gol por jogo, não ocupa a antepenúltima posição da conferência e não tem o terceiro pior aproveitamento de vantagem numérica e o sexto pior em desvantagem numérica de toda a liga. Entendeu, Babcock?


Humberto Fernandes cursa o 8.º período de Administração na Universidade Federal de Viçosa.
O CARA Após a aposentadoria de Steve Yzerman, todos apostam em Henrik Zetterberg como seu sucessor. Nos últimos anos Z-Man sentou-se ao lado de Yzerman no vestiário.
(Matt A. Brown/AP - 18/10/2006)
NOVO ASSISTENTE Kris Draper herdou o posto de assistente de capitão após a saída de Brendan Shanahan. Contrariando o que o elenco como um todo tem demonstrado, Draper tem disposição e garra.
(Jae C. Hong/AP - 16/10/2006)
RESERVA DO RESERVA O treinador Mike Babcock culpou Chris Osgood pelo fiasco diante dos Sharks e promoveu a estréia do terceiro goleiro Joey MacDonald (acima) no decorrer do jogo.
(Marcio Jose Sanchez/AP - 19/10/2006)
CENA REPETIDA O tcheco Milan Michalek comemora seu gol em vantagem numérica contra os Red Wings. Ao todo os Sharks marcaram cinco vezes nessa situação naquela noite.
(Marcio Jose Sanchez/AP - 19/10/2006)
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Página publicada em 25 de outubro de 2006.