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12 de dezembro de 2003
Sergei Fedorov e o antigo desejo de sair de Detroit

Por Marcelo Constantino

1997. Detroit Red Wings campeão da Copa Stanley, título que não conquistava desde 1955. Sergei Fedorov é o líder em pontos do time nos playoffs, mas é Mike Vernon quem conquista o Troféu Conn Smythe.

Rápido flash-back. Na temporada anterior, 1995-1996, Fedorov havia sido dominante, liderando a linha dos cinco russos, que em muito ajudou os Wings a quebrarem o recorde de vitórias e pontos numa temporada da NHL. Nos playoffs, tendo marcado apenas dois gols e com o Detroit eliminado pelo Colorado Avalanche nas finais de conferência, Fedorov amarga críticas sobre sua performance quando o time mais precisa.

Ele mudou isso em 1996-97, fazendo uma temporada apagada e playoffs memoráveis. Durante os 82 jogos seu grande momento foi os cinco gols marcados contra o Washington Capitals, numa incrível vitória por 5-4 na prorrogação. Foi praticamente um lampejo, já que sua produção foi decaindo incrivelmente, até ser deslocado pelo técnico Scotty Bowman para a defesa, posição em que atuou até o começo dos playoffs.

Voltando ao cenário após a conquista do título de 97. O contrato de Fedorov estava no fim e era necessário renová-lo. Surge o impasse. Fedorov diz que a questão central não é o dinheiro. A gerência pergunta o que é, quanto é, qual é, mas as respostas são evasivas. Fedorov insiste em dizer que não quer mais jogar na defesa, como se alguém estivesse cogitando isso novamente depois das belas partidas de playoffs que ele jogou.

O impasse segue sem que Fedorov aceite qualquer das ofertas dos Wings. A ladainha é a mesma: "A questão não é o dinheiro". O russo é agente livre restrito, ou seja, não tem passe totalmente livre. No caso dele os Wings teriam uma semana para cobrir qualquer oferta apresentada por outro clube ou receber as escolhas de primeira rodada dos próximos cinco recrutamentos em troca. A gerência avisa que irá cobrir qualquer oferta que lhe seja apresentada.

O tal impasse, que supostamente "não era questão de dinheiro", era de aproximadamente US$ 1,5 milhão por ano. Os Wings ofereciam US$ 5,5 milhões e Fedorov queria US$ 7 milhões.

Fedorov fica meses sem receber ofertas e começa a reclamar publicamente, pedindo para ser trocado. Os Wings respondem que podem até negociá-lo desde que haja alguma boa oferta. O russo chega a dizer que não volta mais a jogar em Detroit.

Perguntado por um jornalista russo no início de fevereiro de 98 se excluía a possibilidade de retornar a Detroit, ele foi taxativo: "Já excluí há muito tempo atrás, desde agosto passado, e não mudei. Eles acham que podem me quebrar, mas eles não sabem que tipo de pessoa eu sou. Eles não sabem com quem estão mexendo."

Sergei perde 59 jogos da temporada, até que no final de fevereiro o Carolina Hurricanes balança o mercado com uma proposta exótica: seis anos de contrato com baixos salários, um mega bônus de assinatura e outro mega bônus caso o time chegue às finais da Copa daquele ano.

Em números: US$ 14 milhões no ato da assinatura, US$ 12 milhões caso o time chegue às finais e US$ 2 milhões por ano de contrato. Uma média de US$ 6,3 milhões por ano, menos do que ele exigia de Detroit e mais do que a gerência oferecia.

O mega bônus pela classificação às finais não era problema para os Hurricanes, então últimos colocados na divisão e com parcas chances de sequer chegar aos playoffs naquele ano. Mas para os Wings, potenciais candidatos ao título, isso fazia muita diferença. Se Fedorov tivesse ficado com os Hurricanes -- e naturalmente desconsiderando qualquer classificação do time para as finais da Copa Stanley -- estaria recebendo uma média de US$ 4 milhões por ano, menos de 60% do valor que pedia aos Wings.

Enfim, Fedorov assina a proposta dos 'Canes em Nagano, Japão, onde disputa as Olimpíadas. O russo manda seu recado por terceiros aos jornais: "Por favor, não cubram a oferta".

Conforme avisado, os Wings cobrem a oferta e o russo retorna de imediato a Detroit. É vaiado constantemente no jogo de volta, mas impulsiona o time na reta final para vencer mais uma Copa Stanley. Nos anos seguintes, repletos de altos e baixos, Fedorov segue como um dos principais jogadores do time, tendo conquistado mais uma Stanley em 2002.

2003.
Fim do contrato de seis anos, Fedorov recusa todas as ofertas que seu clube lhe faz e assina com o Ahaneim Mighty Ducks por um valor menor que duas das propostas recebidas da gerência do Detroit. Sergei Fedorov finalmente sai de Detroit, depois de 13 anos.

Mais tarde ele viria a dizer que recusou a primeira proposta -- a maior de todas, que lhe garantia US$ 10 milhões por ano (atualmente receberá US$ 8 milhões) --, por estar enfrentando problemas pessoais, provavelmente sua separação da tenista (?) Anna Kournikova. Balela.

"Eu estava buscando um novo desafio", disse Fedorov, já em Anaheim. "Felizmente eu me tornarei um jogador que marca dois gols por jogo. Quero estar envolvido em todas as situações, matando penalidades, na vantagem numérica, cinco contra cinco, em disputas-chave de reposição de disco. Eu acho que era assim no meu antigo clube, mas somente quando não havia mais para onde ir. Então eles se lembravam que eu estava no time."

É necessário reconhecer o profissionalismo do jogador durante esses últimos seis anos de contrato com os Wings. Ele poderia ter esperneado, ter exigido ser negociado (como alguns fazem na liga), etc. Jamais houve qualquer notícia disso. Sim, ele sempre reclamou da falta de atenção recebida, tal criança carente. Reclamou também publicamente do técnico Dave Lewis, que estava lhe dando pouco tempo de jogo durante a boa temporada de 2002-2003. Mas jamais passou disso.

No fim das contas o desfecho foi bom para todas as partes. Fedorov agora tem o desafio que queria, de mostrar a todos que ele é muito mais do que aquele jogador de Detroit. Com status de quase-celebridade num lugar que é a Meca das celebridades, ele traz mais público para os Ducks e, conseqüentemente, para a NHL. Mas os resultados do atual time estão longe do que ele próprio imaginava.

Aos Wings resta mostrar que seu ex-camisa 91 não fará tanta falta assim e que seu papel pode ser exercido por outros, ainda que qualquer um reconheça que se trata de uma perda imensurável. Na parte ofensiva, o também russo Pavel Datsyuk tem preenchido muito bem esse papel.

Sem ressentimentos de parte a parte. "Eu cresci em Detroit", diz Fedorov. "Mais que isso, eu me tornei um homem lá".

Marcelo Constantino, como vários na NHL, acha que Sergei Fedorov pensa que é mais do que realmente é.
 
  ESTRELA Sergei Fedorov praticando em um dos Jogos das Estrelas de que participou. (Reuters)
   
 
  OS CINCO RUSSOS No centro da foto, Fedorov era o principal jogador do famoso "Russian Five", ao lado de Kozlov, Konstantinov, Fetisov e Larionov -- uma das linhas mais fantásticas da história dos Wings. (Arquivo The Slot BR)
   
 
  US$ 28 MILHÕES É o quanto ele ganhou apenas de bônus na temporada de 1997-1998. Na foto, comemorando o gol da vitória contra os Capitals, no jogo 3 das finais (Julian H. Gonzalez/Free Press - 1998)
   
 
  É SÓ FELICIDADE Na entrevista coletiva em que se apresentava ao Anaheim Mighty Ducks, depois de 13 temporadas jogando em Detroit (Sue Ogrocki/AP - 20/08/2003)
   
 
  DE CAMISA NOVA Nada mais de vermelho na camisa. Vermelho agora, só o sol da Califórnia (Mike Blake/Reuters - 24/09/2003)

 

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Página publicada em 10 de dezembro de 2003.