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31 de janeiro de 2003
Hartley desce degraus e encara o desafio

Por Humberto Fernandes

Quando Don Waddell — vice-presidente e gerente geral do Atlanta Thrashers — anunciou a contratação do treinador Bob Hartley, seu discurso pareceu fantasioso demais para o desempenho que a equipe vem mostrando nestes anos: "Bob é um vencedor nato na NHL e tem um expressivo histórico de sucesso", declarou ele. "Contratá-lo como treinador é outro grande exemplo de nossos esforços para continuar a construir e melhorar nossa equipe. Sua liderança e experiência atrás do banco serão uma grande vantagem para todos os nossos jogadores agora e nos muitos anos que virão".

Sem dúvida alguma foi uma boa aquisição dos Thrashers. Eles viram que Hartley estava desempregado e logo fizeram uma proposta irrecusável ao treinador, que não teve como recusar. Exatamente o contrário. Foi Hartley quem tomou as rédeas da negociação e procurou a equipe. Uma atitude, no mínimo, questionável.

Você é treinador do Colorado Avalanche, um dos melhores times da liga. Durante quatro temporadas em que permaneceu no cargo, conduziu o time a quatro títulos de divisão e, mais impressionante, chegou a quatro finais de conferência. Se não bastasse, venceu uma Stanley Cup. E não pára aqui. Na temporada 2000-01, conseguiu os recordes de mais pontos (118), vitórias (52), vitórias em casa (28) e menos gols sofridos (192) em uma temporada na história da franquia, além de igualar a marca de mais vitórias fora de casa (24). Naquele mesmo ano, permaneceu invicto durante os 11 primeiros jogos — o melhor início de temporada da franquia — e atingiu a marca dos 40 pontos com a sétima melhor campanha da história da liga. No total, 193 vitórias em temporada regular, o maior montante de um treinador naquela franquia. Apesar de todos estes números, você é sumariamente demitido após um início ruim em sua quinta temporada. Imediatamente, o que faz?
a) relaxa e espera outra grande equipe o procurar, ou
b) se oferece a uma equipe duvidosa, pra não dizer pequena.

Geralmente, a primeira opção é a mais acionada nestes casos. Entretanto, Hartley seguiu o outro caminho. "Eu quis adicionar outra pena ao meu boné", disse o treinador, que tinha contrato com o Avalanche até a próxima temporada. "Eu tive sorte em meu primeiro trabalho já vencer a Copa Stanley. Aqui, é um desafio levar este grupo aos playoffs. Mas nós vamos fazer isso". Confiança não lhe falta: "Nós vamos fazer isso. Não aposte contra nós".

Mudar os rumos da vida drasticamente não é novidade para Hartley. Quando ele decidiu abandonar um bom e seguro emprego em uma fábrica de pára-brisas pela chance de treinar hóquei, seus colegas de trabalho pediram para que reconsiderasse. "Eles me disseram, 'Não vá. Você só vai conseguir ser demitido'", lembra-se Hartley, com um sorriso. "Bem, eles estavam certos, mas isso levou 16 anos para acontecer".

Daí em diante, Hartley desafiou as probabilidades. Crescendo em Ontario, sonhou em se tornar o novo Ken Dryden ou Guy Lafleur. Entretanto, seguiu o pai, indo trabalhar em uma indústria de papel. O salário era bom, mas a carga de trabalho encerrou a carreira do jovem Bob no hóquei júnior aos 18 anos.

Quando a indústria fechou, Hartley conseguiu emprego em outra fábrica, de pára-brisas. O hóquei ainda estava em seu sangue, então assumiu um trabalho de meio período com o time júnior local para auxiliar os goleiros. O Hawkesbury Hawks perdeu as oito partidas.

"Eu realmente estava fazendo um ótimo trabalho como treinador de goleiros", disse Hartley sarcasticamente. "E imagino que tenhamos sofrido 88 gols em oito jogos".

Ainda assim, quando o treinador principal saiu, o dono dos Hawks pediu a Hartley que assumisse o time. Ele estava hesitante, mas os jogadores o persuadiram a aceitar. Conciliando o seu trabalho na fábrica e o time, conseguiu vencer nove partidas.

"Nós tínhamos nove times na liga", recorda, "e os oito primeiros iriam para os playoffs. Felizmente para nós, um time teve apenas três vitórias".

Os Hawks abriram os playoffs contra o melhor time da liga. E não pense que eles foram destruídos assim. Conseguiram vencer um jogo, o suficiente para Hartley perceber que deveria levar sua vida em outra direção. Foi neste momento que deu adeus à vida de um trabalhador comum e tornou-se um treinador de verdade.

A escalada até a NHL não foi das mais difíceis, devido ao seu bom trabalho, coroado por título em todas as ligas. Na Liga Júnior Central de Ontario, levou os Hawks ao bicampeonato; com o Laval Titans, foi campeão da Principal Liga Junior de Quebec; encerrando o caminho pelas ligas menores, sagrou-se campeão da Liga de Hóquei Americana com o Hershey Bears — afiliado menor do Avalanche.

Em 1998, o então treinador dos Avs, Marc Crawford, não renovou seu contrato, após intensa discussão. Hartley assumiu o posto, mas ninguém sabia ao certo como este simples treinador poderia lidar com um time cheio de grandes estrelas. Três temporadas mais tarde, a resposta: uma Copa Stanley. Mas, para o Avalanche, sempre há as melhores expectativas, e quando o time iniciou de maneira irregular a atual campanha, Hartley foi demitido pela primeira vez em sua carreira.

"Não era divertido, pode acreditar", disse Hartley. "Desde o dia em que comecei treinando, eu reconheci que você nunca sabe se aquele dia seria o seu último. É como caminhar em um precipício repleto de rochas circulares. Se você pisa errado, cai ao fundo do precipício. Mas você continua caminhando".

E Hartley assumiu um time que sempre esteve no fundo deste precipício. Nada como ser o pior da liga por duas vezes e na quarta temporada deter a pior marca. Temporariamente. Em sete jogos sob seu comando, os Thrashers venceram cinco vezes, empataram uma e perderam outra. Logo na estréia, vitória por 1-0 na prorrogação contra o Montreal Canadiens. À frente, surraram o St. Louis Blues por 8-4 e jogaram na igualdade com o Ottawa Senators, empatando em 3-3.

A prioridade de Hartley ao iniciar seu trabalho era melhorar a medíocre defesa dos Thrashers. Conseguiu derrubar a média de 3,8 gols sofridos por jogo para 2,15 — contando com a sorte do fraco Byron Dafoe estar machucado (por que será que o Boston Bruins não quis renovar seu contrato antes da temporada?).

Aparentemente, faltava ao time responsabilidade. E sem dúvida alguma esta é a maior característica de Hartley, tanto que alguns fãs do Avalanche disseram que foi a principal causa de sua demissão, já que seu estilo incomodava os jogadores, pelo excesso de cobranças. Em Atlanta, ninguém vai reclamar disso. Não agora, enquanto a equação Hartley + jovens estrelas + bons veteranos continuar trazendo resultados.

Se ele não conta mais com Patrick Roy, para o seu lugar há Pasi Nurminem. Quem não tem Rob Blake, joga com Andy Sutton. E no ataque, sem Peter Forsberg e Joe Sakic, uma salva de palmas para Ilya Kovalchuk e Dany Heatley. Shawn McEachern, Slava Kozlov e Patrik Stefan provêem alguma profundidade.

E se você ainda não acredita que Hartley possa levar os Thrashers aos playoffs, saiba que em todos os 14 anos de sua carreira, o time que dirigia avançou à pós-temporada, conquistando cinco títulos, vencendo mais de 40 jogos na por oito vezes e mais de 30 em 13 oportunidades. Ele adora desafios, e este é o maior de sua carreira. São 12 pontos o separando dos playoffs. "Talvez nós iremos chocar a todos no Leste e ir aos playoffs".

Humberto Fernandes acha mesmo é que o grande problema do Atlanta Thrashers está em Urgh, quer dizer, Uwe Krupp.
DE OLHO NOS PLAYOFFS De cabeça erguida, Bob Hartley se ofereceu para comandar o Atlanta Thrashers, então o pior time da liga, com o desafio de levá-los aos playoffs. "Não aposte contra nós" (Tami Chappell/Reuters - 15/01/2003)
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Página publicada em 29 de janeiro de 2003.