Por
Alexandre Giesbrecht
Você deixa um cachorro solto e, dependendo da personalidade dele,
ele vai arrumar confusão. Se for um cachorro que anda sobre duas
patas e usa um chapéu do Calgary Flames, então, a confusão
pode render até uma mutilação.
Sim, uma cena pouco comum teve lugar no Saddledome de Calgary, na última
segunda-feira. Harvey the Hound, o mascote dos Flames, resolveu tirar
uma com os jogadores do Edmonton Oilers, que eram espancados pelo time
da casa por 4-0, a apenas sete minutos do final. Depois de despertar
a ira do técnico Craig MacTavish, ele sofreu uma "cirurgia
de remoção de língua", sem anestesia, operada
pelo próprio MacTavish, o último jogador a atuar sem capacete
na história da liga.
A atitude do técnico pareceu dar o incentivo que faltava a seus
jogadores, que marcaram três gols e por pouco não levaram
a Batalha de Alberta para a prorrogação. "Quando
você olha para trás e analisa o jogo, vê que depois
de tirar a língua da boca dele nós começamos a
dar a volta por cima", disse MacTavish. "Se tivéssemos
marcado aqule último gol para empatar o jogo, eu estaria procurando
por Harvey the Hound".
E o assunto não parou por aí: a diretoria dos Flames ainda
teve de se desculpar publicamente pelo comportamento de seu mascote.
Mas aqui o assunto parou. Ou seja, vai acontecer a mesma coisa que acontece
no Brasil em casos de corrupção: faz-se algum barulho
por um tempo, depois deixa-se cair no esquecimento.
Eu duvido que o mascote vá ser reprimido ou tenha o seu emprego
ameaçado. No esporte norte-americano, os mascotes ou melhor,
as pessoas que se fantasiam de mascotes são levados a
sério. Têm estabilidade no emprego e, não raro,
passam anos vestindo um uniforme geralmente felpudo, que não
deve ser nada fresquinho, mesmo para um estádio de hóquei
no gelo.
Tomemos como exemplo o próprio Harvey. O criador do personagem,
Grant Kelba, usou a fantasia por 15 anos até se aposentar, em
1999, por opção própria. Para ele, falta hoje ao
hóquei incidentes como esse, para dar cor ao jogo: "Ninguém
se machucou; não houve sangue derramado". "Todos em
Alberta estão falando sobre isso e rindo. Se você não
está rindo desse incidente, você está se levando
muito a sério", completa.
Kelba acha que o atual intérprete do mascote, que não
teve seu nome revelado pela diretoria do time, deveria aproveitar seu
momento sob os holofotes: "Ele deveria aparecer no jogo seguinte
com uma língua de 60 metros, para, quando alguém a puxar,
ela não parar".
Harvey passou dos limites? Passou. Mas que o incidente realmente deu
uma "cor" ao jogo, para ficar com as palavras de Kelba, isso
deu. Lógico que ninguém quer que todo jogo acabe numa
comédia pastelão, mas, de vez em quando, pode ser saudável,
ainda mais para um esporte que carece de divulgação, inclusive
nos Estados Unidos.
Aqui no Brasil, o hóquei só ganha algum destaque com incidentes
desse tipo, geralmente de repercussão negativa. Não sei
se este caso apareceu em algum programa de televisão brasileiro,
esportivo ou não, mas é o tipo de coisa que não
degrada a imagem do esporte ressaltando sempre: se não
ocorrer freqüentemente , podendo trazer mais espectadores.
Se no Canadá não param de falar sobre isso até
agora, mais de uma semana depois, por que aqui não poderia haver
algum impacto? Não quero dizer que as pessoas vão deixar
de prestar atenção nos incidentes de sábado no
Pacaembu, quando o Palmeiras deu vexame de novo e sua torcida começou
uma pancadaria. Isso, claro, sempre vai ter mais destaque em terras
tupiniquins.
Mas uma risada num flash de jogo de hóquei pode sempre
despertar algum interesse.
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Alexandre Giesbrecht, publicitário, está de volta
ao trabalho. |
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ALÔ, BRASIL! O mascote
Harvey The Hound, logo depois de perder sua língua: típico
episódio que poderia ter algum destaque por aqui (Jeff McIntosh/AP
- 20/01/2003) |
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