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31 de janeiro de 2003
Mostrando a língua (de cachorro) para o Brasil

Por Alexandre Giesbrecht

Você deixa um cachorro solto e, dependendo da personalidade dele, ele vai arrumar confusão. Se for um cachorro que anda sobre duas patas e usa um chapéu do Calgary Flames, então, a confusão pode render até uma mutilação.

Sim, uma cena pouco comum teve lugar no Saddledome de Calgary, na última segunda-feira. Harvey the Hound, o mascote dos Flames, resolveu tirar uma com os jogadores do Edmonton Oilers, que eram espancados pelo time da casa por 4-0, a apenas sete minutos do final. Depois de despertar a ira do técnico Craig MacTavish, ele sofreu uma "cirurgia de remoção de língua", sem anestesia, operada pelo próprio MacTavish, o último jogador a atuar sem capacete na história da liga.

A atitude do técnico pareceu dar o incentivo que faltava a seus jogadores, que marcaram três gols e por pouco não levaram a Batalha de Alberta para a prorrogação. "Quando você olha para trás e analisa o jogo, vê que depois de tirar a língua da boca dele nós começamos a dar a volta por cima", disse MacTavish. "Se tivéssemos marcado aqule último gol para empatar o jogo, eu estaria procurando por Harvey the Hound".

E o assunto não parou por aí: a diretoria dos Flames ainda teve de se desculpar publicamente pelo comportamento de seu mascote. Mas aqui o assunto parou. Ou seja, vai acontecer a mesma coisa que acontece no Brasil em casos de corrupção: faz-se algum barulho por um tempo, depois deixa-se cair no esquecimento.

Eu duvido que o mascote vá ser reprimido ou tenha o seu emprego ameaçado. No esporte norte-americano, os mascotes — ou melhor, as pessoas que se fantasiam de mascotes — são levados a sério. Têm estabilidade no emprego e, não raro, passam anos vestindo um uniforme geralmente felpudo, que não deve ser nada fresquinho, mesmo para um estádio de hóquei no gelo.

Tomemos como exemplo o próprio Harvey. O criador do personagem, Grant Kelba, usou a fantasia por 15 anos até se aposentar, em 1999, por opção própria. Para ele, falta hoje ao hóquei incidentes como esse, para dar cor ao jogo: "Ninguém se machucou; não houve sangue derramado". "Todos em Alberta estão falando sobre isso e rindo. Se você não está rindo desse incidente, você está se levando muito a sério", completa.

Kelba acha que o atual intérprete do mascote, que não teve seu nome revelado pela diretoria do time, deveria aproveitar seu momento sob os holofotes: "Ele deveria aparecer no jogo seguinte com uma língua de 60 metros, para, quando alguém a puxar, ela não parar".

Harvey passou dos limites? Passou. Mas que o incidente realmente deu uma "cor" ao jogo, para ficar com as palavras de Kelba, isso deu. Lógico que ninguém quer que todo jogo acabe numa comédia pastelão, mas, de vez em quando, pode ser saudável, ainda mais para um esporte que carece de divulgação, inclusive nos Estados Unidos.

Aqui no Brasil, o hóquei só ganha algum destaque com incidentes desse tipo, geralmente de repercussão negativa. Não sei se este caso apareceu em algum programa de televisão brasileiro, esportivo ou não, mas é o tipo de coisa que não degrada a imagem do esporte — ressaltando sempre: se não ocorrer freqüentemente —, podendo trazer mais espectadores.

Se no Canadá não param de falar sobre isso até agora, mais de uma semana depois, por que aqui não poderia haver algum impacto? Não quero dizer que as pessoas vão deixar de prestar atenção nos incidentes de sábado no Pacaembu, quando o Palmeiras deu vexame de novo e sua torcida começou uma pancadaria. Isso, claro, sempre vai ter mais destaque em terras tupiniquins.

Mas uma risada num flash de jogo de hóquei pode sempre despertar algum interesse.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, está de volta ao trabalho.
ALÔ, BRASIL! O mascote Harvey The Hound, logo depois de perder sua língua: típico episódio que poderia ter algum destaque por aqui (Jeff McIntosh/AP - 20/01/2003)
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Página publicada em 29 de janeiro de 2003.