17 de abril de 2002
Giesbrecht: O precedente que pode dar o Hart a Iginla

Por Alexandre Giesbrecht

A definição oficial do Troféul Hart é que ele vai para "o jogador considerado o mais valioso para o seu time". Então, seguindo-se este critério ao pé da letra, o jogador mais valioso (MVP) da NHL nesta temporada, sem dúvida, é Jarome Iginla.

Ele terminou a temporada como artilheiro em pontos, tem uma média superior a um gol a cada dois jogos, marcou sete gols da vitória, converteu quase 17% de seus chutes e, o mais impressionante, participou de incríveis 48% dos gols marcados por sua equipe, o Calgary Flames.

Mas é possível que Iginla não ganhe o Hart, simplesmente porque os seus Flames não se classificaram para os playoffs da Stanley Cup.

Não há nenhuma regra que proíba os membros votantes da Associação de Cronistas Profissionais de Hóquei de escolher um jogador de um time de fora dos playoffs para o Hart, mas é como se houvesse. Não há muitos precedentes: a última vez que um jogador de um time que não se classificou para os playoffs ganhou o Hart foi em 1988, quando Mario Lemieux marcou 70 gols e 98 assistências, enquanto seu Pittsburgh Penguins ficou de fora dos sextos playoffs consecutivos.

Antes disso, é preciso voltar até 1959, quando Andy Bathgate marcou 40 gols e 40 assistência para o New York Rangers, quinto colocado na NHL de então, com apenas seis times. E ele nem ganhou o Art Ross naquele ano, ficando em terceiro, oito pontos atrás de Dickie Moore, do Montreal Canadiens. Cinco anos antes, Al Rollins tornou-se o mais improvável MVP na história da liga. Ele ganhou o Hart depois de sobreviver a uma temporada no gol do patético Chicago Blackhawks de então. A campanha de Rollins foi de, nada mais, nada menos, 12-47-7 naquele ano.

Essa regra não-escrita já eliminou inúmeros candidatos excepcionais ao Hart desde que o truféu foi instituído. E isso pode vir a ser mais verdade do que nunca nesta temporada, quando a maioria dos jogadores que realmente foram valiosos para seus times ou vão ficar de fora ou quase não se classificaram para os playoffs.

O que dizer de José Théodore? Ele carregou praticamente sozinho os fracos Canadiens de volta aos playoffs depois de três anos ausentes com um trabalho consistentemente espetacular no gol.

Ou Nikolai Khabibulin? Lógico, seu Tampa Bay Lightning deixou de se classificar pelo sexto ano seguido, mas não houve goleiro que tenha feito mais atrás de menos, encarando todo dia uma avalanche de borracha.

Ou Markus Naslund? Apoiando-se na sua técnica, o Vancouver Canucks passou a empregar uma estratégia ofensiva e se classificou na última hora. Ele só perde para Iginla na artilharia.

Ou Alexei Kovalev? Ele perdeu todos os seus companheiros de linha -- para não falar de dois terços da linha de cima -- para contusões e ficou de fora de 13 jogos no início da temporada, por conta de uma cirurgia no joelho, mas sua média de pontos por jogo é a melhor da liga: 1,18.

Omitir jogadores de times desclassificados, particularmente Iginla, além de cometer as injustiças aqui citadas, deixa a lista de prováveis candidatos um tanto insossa.

Joe Thornton teve o papel mais importante na revitalização do Boston Bruins, mas ele tem apenas 22 gols e não é nem o artilheiro de seu time. Brendan Shanahan é o artilheiro do líder, o Detroit Red Wings, mas ele está cercado de talento digno do Salão da Fama. A mesma coisa vale para Dominik Hasek, que tem números dignos de sua fama, mas que não tem precisado ser extraordinário. Os melhores argumentos para o Hart, baseados nos critérios usados pela maioria dos cronistas, podem ser usados para Patrick Roy, do Colorado Avalanche, e Sean Burke, do Phoenix Coyotes. O que poderia ser mais adequado a essa temporada tão sem ataque, onde apenas um jogador quebrou a barreira dos 50 gols -- adivinhe quem --, do que um goleiro levar o Hart?

Uma das duas únicas esperanças de Iginla é justamente esta falta de candidatos jogando os playoffs. O fato de a agonia do Calgary ter sido estendida em mais um ano é devido à falta de talento do time, não ao brilhantismo de Iginla. Ele deve ser punido porque ninguém foi mais pressionado a jogar bem -- senão muito bem -- do que ele? É culpa dele Marc Savard ter passado a temporada reclamando e Rob Niedermayer ter sido um desastre, mantendo os Flames como um time de uma linha só?

Se os eleitores não conseguem se livrar do paradigma da desclassificação, a outra esperança do jovem craque dos Flames é que lembrem de Lemieux, Bathgate e Rollins.

"Eu joguei com e contra Andy Bathgate", diz o executivo dos Flames Al MacNeil. "Eu odiava jogar contra ele e quando acabamos no mesmo time, em Pittsburgh, no primeiro ano da expansão, eu descobri como ele era uma pessoa boa". "Iggy", prossegue, "é a mesma coisa. Seria um inferno jogar contra ele -- tão grande, forte e competitivo --, mas ele é um sonho de pessoa. Quero dizer, eu costumava ver Bobby Hull assinar autógrafos até suas mãos se esfolarem. Igyy faz isso também. Os grandes -- Hull, Gretzky -- têm tempo para as pessoas. Eles são grandes no gelo e fora dele. Iggy fez tudo o que pôde para fazer desta temporada um sucesso para o Calgary Flames".

Iginla não apenas carregou seu time; foi jogada em seus ombros a responsabilidade de revitalizar uma fraquia que um dia já foi imponente, mas hoje está estagnada. Os Flames podem estar fora dos playoffs de novo, mas, para uma cidade desesperada por algum tipo de excelência na NHL, ainda há um motivo para ir ao estádio. Ainda há ele. Ainda há Iginla. Ainda há algo para se torcer.

Deve ser destacado também que, nos anos que Rollins e Bathgate ganharam o Hart, havia apenas duas chances em seis de não ir aos playoffs. Na campanha MVP fora dos playoffs de Lemieux, apenas cinco de 21 times ficavam de fora. Agora, 16 estão dentro, 14 estão fora, aumentando consideravelmente as possibilidades de qualquer jogador poder reservar campos de golfe ao final da temporada regular.

Como bem resumiu MacNeil, "a não ser que eu esteja enganado, é sobre o Troféu Hart que estamos discutindo aqui, não o Troféu do Presidente".

Alexandre Giesbrecht, publicitário, estava ouvindo "Infected", do Bad Religion, quando terminou a coluna.
LÁ VEM O QUINQUAGÉSIMO Jarome Iginla solta a bomba que, uma fração de segundo depois, dar-lhe-ia o seu 50.º gol da temporada, contra o Chicago (Brian Kersey/AP - 07/04/2002)
 
LÁ FOI O QUINQUAGÉSIMO Iginla recebe os cumprimentos de Derek Morris, depois de marcar seu 50.º gol na temporada (Brian Kersey/AP - 07/04/2002)
 

E AINDA VEIO MAIS UM Iginla mostra os discos dos dois gols marcados contra os Hawks (Sue Ogrocki/Reuters- 07/04/2002)

 
FICHA

Jarome Iginla
Nascido: 01/julho/1977
Local: Edmonton, Alberta (Canadá)
Altura: 1,85 m
Peso: 91 kg

CAMPANHA (CARREIRA)
  G A Pts +/- PIM
96-97 CGY 82 21 29 50 -4 37
97-98 CGY 70 13 29 32 -10 29
98-99 CGY 82 28 23 51 +1 58
99-00 CGY 77 29 34 63 0 26
00-01 CGY 77 31 40 71 -2 62
01-02 CGY 80 51 44 95 +26 75
TOTAL 466 171 188 359 +13 285
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Página publicada em 15 de abril de 2002.