17 de abril de 2002
Fabiano: O time do Jogo das Estrelas… Cadentes

Por Fabiano Pereira

Imaginem um comercial, no estilo da ESPN, daqueles que se vê nas aberturas de grandes jogos, finais da Stanley Cup, finais do Super Bowl. O narrador, com sua voz altiva e potente, dizendo "ele voltou", e aparece Mark Messier. Prosseguindo, na próxima imagem: "Ele prometeu os playoffs a seu time, após três temporadas de hiato", e aparece o time levando um gol e sendo desclassificado na última temporada. E, por fim, diz assim: "Depois de duas temporadas, o Messias falhou em sua previsão", mostrando Messier de cabeça baixa, lamentando a sorte de seu time.

Belo comercial, não? Condiz perfeitamente com o que aconteceu com os Rangers nestas duas últimas temporadas. Campanhas irregulares, contusões de peças-chave do time e a segunda defesa mais vazada da liga. Ou devemos considerar que ter uma defesa melhor que a dos Thrashers é um feito?

A culpa não é do Messias, que fique claro. Mas é frustrante para a torcida dos blueshirts (camisas azuis) ouvir uma promessa assim e ver o time sucumbir com elencos mais parecidos com o do Jogo das Estrelas. Olhem esta pequena lista: Messier, Pavel Bure, Eric Lindros, Brian Leetch, Mike Richter, Theo Fleury, Bryan Berard, Tom Poti, Martin Rucinski, Petr Nedved, Radek Dvorak, Vladimir Malakhov. Pequena? Nem tanto, não? Todos estes jogadores jogam em suas seleções, são estrelas comprovadas, mas parece que existe algo de podre no reino de Manhattan, parodiando Shakespeare.

Antes de pegarmos os paus, pedras, artoches e ancinhos para perseguir Lowstein, vamos pensar bem: é culpa apenas do técnico? Claro que é ele que treina o time, que monta os esquemas defensivos, ofensivos, estratégias de vantagem e desvantagem numéricas, mas não quero jogar a culpa somente nele. Vamos ver o que saiu errado.

- Defensores defensivos: enquanto os Bruins padecem por não ter defensores que conduzam bem o disco, os Rangers têm até demais. Leetch, Malakhov, Berard e Poti são exímios com o taco, ótimos ofensivamente. Auxiliam o ataque e tudo o mais. Mas e quem fica lá atrás, salvaguardando Richter? Vejamos: Sylvain Lefevbre, David Karpa, Thomas Kloucek, Dale Purinton. Nunca ouviu estes nomes? Ou ouviu algo ruim sobre eles? Fique tranqüilo. Você não é o único, afinal. Faltou o que era óbvio: um defensor que realmente intimide, que limpe a frente do gol, mais ou menos como o Avalanche tem: Blake, Foote e Kasparaitis. Pois é. Uns com muito, outros com pouco...

- Atacantes apenas atacantes: Claro que, para se ganhar um jogo como o hóquei, é preciso que se marque gols. Entretanto, alguém, nos anos 90, pensou: "Ah, já que tenho um time fraco, vou evitar que o outro time marque gols e ganho no contra-ataque". Não sei se foi o Parreira que inventou isso, mas, no hóquei, o Florida Panthers, vice-campeão de 95-96 é a síntese máxima disto. É feio? Com certeza, mas é o hóquei. Os atacantes têm que defender também! Só os dos Rangers acham que não. Ou você consegue imaginar Bure, Nedved e Lindros fazendo o trabalho sujo de brigar pelo disco nas bordas ou limpando a frente do goleiro?

- "Jogada Poderosa": bem, se pensarmos no elenco dos Rangers, imaginamos um percentual estrondoso de gols em vantagem numérica. Aquele monte de estrelas passando, fazendo jogadas fenomenais. É, nossa imaginação é capaz de nos pregar peças engraçadíssimas. Apesar de toda a habilidade, faltou um ingrediente, que pode parecer simples, mas não é. Faltou alguém pra ficar plantado em frente ao goleiro, apanhando, sendo espancado. É óbvio. O goleiro só enxerga e defende o disco se a visão dele estiver limpa ou se ninguém colocar o taco no meio do caminho pra desviar. Os Rangers não têm um Dave Andreychuk (Tampa Bay), um Scott Mellanby (St. Louis), um Thomas Holmstrom (Detroit) que faça esse trabalho sujo. Lindros? Claro que sim.

- "Matadores de penalidades"?: o termo "penalty killing", que é a situação em que um time está em desvantagem numérica, refere-se a um time especial que possa "matar penalidades", ou seja, simplesmente evitar que o outro time marque gols. Parece simples, não? Mas não foi o que aconteceu. Quem faz bem este trabalho em Nova York? Ousam afirmar que apenas Rem Murray, que veio no final da temporada, Sandy McCarthy e... e... Matthew Barnaby? Ugh!

- Igor Ulanov, David Karpa e afins: Lembro-me, no começo da temporada, de uma pequena história sobre um dos primeiros treinos de Ulanov nos Rangers. Após os atacantes marcarem muitos gols nos treinos de jogadas defensivas, o GG Glen Sather interrompeu e gritou com Ulanov: "Igor, por que eu trouxe você para cá?". Ele respondeu: "Para ser físico! Para bater". Sather irrompeu em fúria e gritou novamente: "Não! Para limpar a frente do goleiro". Algo mais a dizer?

- Dores, machucados e afins: enquanto certos jogadores desempenhavam (mal) seu papel, outros, importantes para uma campanha vitoriosa, machucaram-se no decorrer da temporada. Messier perdeu quase todos os jogos com problemas nos ombros. E a liderança do capitão no time é indiscutível, fazendo falta para os mais novos. Lindros, como não poderia deixar de ser, sofreu uma concussão (claro!), que o tirou de alguns jogos importantes. E, como também não poderia deixar de ser, Richter sofreu uma contusão bizarra, ao levar um disco na cara, no final da temporada.

- Circo dos horrores: comandados por Fleury, os blueshirts foram um verdadeiro circo. Em um jogo contra os Sharks, Fleury partiu para a briga contra o mascote local. Contra os Red Wings, ele partiu pra briga contra Chris Chelios, pois, segundo ele, foi ofendido moralmente, quanto à sua postura. Mas o mais bizarro foi contra os Islanders, quando, após marcar um gol, ele começou a imitar uma galinha, batendo os braços como asas e, quando Eric Cairns, do rival de Long Island, resolveu tirar satisfação, ele foi se proteger com Sandy McCarthy, que começou a mostrar seus bíceps, chamando o jogador dos Islanders pra briga. Ah, sim, além da maestria de Lindros ao desferir porradas: ele foi capaz de sofrer duas desta maneira.

- Teimoso? Eu não sou teimoso!: A postura de Sather em não demitir Low foi das mais estranhas. O time não tem esquema ofensivo nem defensivo. Ganha de 6-4, 4-2. Dois shutouts em toda a temporada. Mike Keenan, no começo da temporada, estava desempregado. Foi contratado pelos Panthers. Em certo momento da temporada, Ken Hitchcock e Larry Robinson também. Estranhamente -- ou nem tanto --, Low continuou no comando. Não sei, não, mas parece que há algo de errado nesse "relacionamento profissional".

Se fosse arrumar uma desculpa, poderia dizer que é praga dos torcedores dos Islanders e dos Devils. Mas convenhamos: para que perder tempo fazendo praga para um time desses?

Desculpe, Capitão Messias, mas seus soldados lembram mesmo os do Quartel Swamp, das historinhas do Recruta Zero.

Fabiano Pereira ouviu a Missa em honra à Santíssima Trindade e à Sinfonia Concertante K 364 de Mozart enquanto escrevia sua coluna e espera que o Messias, Deus e todos os anjos consertem os Rangers.
CARA DE DECEPÇÃO Eric Lindros (à esquerda) e Vladimir Malakhov (23) tomam um ar durante a goleada sofrida em casa diante dos Leafs, sob os olhares do técnico Ron Low, que ainda teve de ouvir a torcida gritar "Low must go" ("Low tem de sair") em coro (Ray Stubblebine/Reuters - 10/04/2002)
  Edição atual | Edições anteriores | Sobre The Slot BR | Contato
© 2002 The Slot BR. Todos os direitos reservados.
É permitida a republicação do conteúdo escrito, desde que citada a fonte.
Página publicada em 15 de abril de 2002.