Por
Fabiano Pereira
Imaginem um comercial, no estilo da ESPN, daqueles que se vê nas
aberturas de grandes jogos, finais da Stanley Cup, finais do Super Bowl.
O narrador, com sua voz altiva e potente, dizendo "ele voltou",
e aparece Mark Messier. Prosseguindo, na próxima imagem: "Ele
prometeu os playoffs a seu time, após três temporadas de
hiato", e aparece o time levando um gol e sendo desclassificado
na última temporada. E, por fim, diz assim: "Depois de duas
temporadas, o Messias falhou em sua previsão", mostrando
Messier de cabeça baixa, lamentando a sorte de seu time.
Belo comercial, não? Condiz perfeitamente com o que aconteceu
com os Rangers nestas duas últimas temporadas. Campanhas irregulares,
contusões de peças-chave do time e a segunda defesa mais
vazada da liga. Ou devemos considerar que ter uma defesa melhor que
a dos Thrashers é um feito?
A culpa não é do Messias, que fique claro. Mas é
frustrante para a torcida dos blueshirts (camisas azuis) ouvir uma promessa
assim e ver o time sucumbir com elencos mais parecidos com o do Jogo
das Estrelas. Olhem esta pequena lista: Messier, Pavel Bure, Eric Lindros,
Brian Leetch, Mike Richter, Theo Fleury, Bryan Berard, Tom Poti, Martin
Rucinski, Petr Nedved, Radek Dvorak, Vladimir Malakhov. Pequena? Nem
tanto, não? Todos estes jogadores jogam em suas seleções,
são estrelas comprovadas, mas parece que existe algo de podre
no reino de Manhattan, parodiando Shakespeare.
Antes de pegarmos os paus, pedras, artoches e ancinhos para perseguir
Lowstein, vamos pensar bem: é culpa apenas do técnico?
Claro que é ele que treina o time, que monta os esquemas defensivos,
ofensivos, estratégias de vantagem e desvantagem numéricas,
mas não quero jogar a culpa somente nele. Vamos ver o que saiu
errado.
- Defensores defensivos: enquanto os Bruins padecem por não ter
defensores que conduzam bem o disco, os Rangers têm até
demais. Leetch, Malakhov, Berard e Poti são exímios com
o taco, ótimos ofensivamente. Auxiliam o ataque e tudo o mais.
Mas e quem fica lá atrás, salvaguardando Richter? Vejamos:
Sylvain Lefevbre, David Karpa, Thomas Kloucek, Dale Purinton. Nunca
ouviu estes nomes? Ou ouviu algo ruim sobre eles? Fique tranqüilo.
Você não é o único, afinal. Faltou o que
era óbvio: um defensor que realmente intimide, que limpe a frente
do gol, mais ou menos como o Avalanche tem: Blake, Foote e Kasparaitis.
Pois é. Uns com muito, outros com pouco...
- Atacantes apenas atacantes: Claro que, para se ganhar um jogo como
o hóquei, é preciso que se marque gols. Entretanto, alguém,
nos anos 90, pensou: "Ah, já que tenho um time fraco, vou
evitar que o outro time marque gols e ganho no contra-ataque".
Não sei se foi o Parreira que inventou isso, mas, no hóquei,
o Florida Panthers, vice-campeão de 95-96 é a síntese
máxima disto. É feio? Com certeza, mas é o hóquei.
Os atacantes têm que defender também! Só os dos
Rangers acham que não. Ou você consegue imaginar Bure,
Nedved e Lindros fazendo o trabalho sujo de brigar pelo disco nas bordas
ou limpando a frente do goleiro?
- "Jogada Poderosa": bem, se pensarmos no elenco dos Rangers,
imaginamos um percentual estrondoso de gols em vantagem numérica.
Aquele monte de estrelas passando, fazendo jogadas fenomenais. É,
nossa imaginação é capaz de nos pregar peças
engraçadíssimas. Apesar de toda a habilidade, faltou um
ingrediente, que pode parecer simples, mas não é. Faltou
alguém pra ficar plantado em frente ao goleiro, apanhando, sendo
espancado. É óbvio. O goleiro só enxerga e defende
o disco se a visão dele estiver limpa ou se ninguém colocar
o taco no meio do caminho pra desviar. Os Rangers não têm
um Dave Andreychuk (Tampa Bay), um Scott Mellanby (St. Louis), um Thomas
Holmstrom (Detroit) que faça esse trabalho sujo. Lindros? Claro
que sim.
- "Matadores de penalidades"?: o termo "penalty killing",
que é a situação em que um time está em
desvantagem numérica, refere-se a um time especial que possa
"matar penalidades", ou seja, simplesmente evitar que o outro
time marque gols. Parece simples, não? Mas não foi o que
aconteceu. Quem faz bem este trabalho em Nova York? Ousam afirmar que
apenas Rem Murray, que veio no final da temporada, Sandy McCarthy e...
e... Matthew Barnaby? Ugh!
- Igor Ulanov, David Karpa e afins: Lembro-me, no começo da temporada,
de uma pequena história sobre um dos primeiros treinos de Ulanov
nos Rangers. Após os atacantes marcarem muitos gols nos treinos
de jogadas defensivas, o GG Glen Sather interrompeu e gritou com Ulanov:
"Igor, por que eu trouxe você para cá?". Ele
respondeu: "Para ser físico! Para bater". Sather irrompeu
em fúria e gritou novamente: "Não! Para limpar a
frente do goleiro". Algo mais a dizer?
- Dores, machucados e afins: enquanto certos jogadores desempenhavam
(mal) seu papel, outros, importantes para uma campanha vitoriosa, machucaram-se
no decorrer da temporada. Messier perdeu quase todos os jogos com problemas
nos ombros. E a liderança do capitão no time é
indiscutível, fazendo falta para os mais novos. Lindros, como
não poderia deixar de ser, sofreu uma concussão (claro!),
que o tirou de alguns jogos importantes. E, como também não
poderia deixar de ser, Richter sofreu uma contusão bizarra, ao
levar um disco na cara, no final da temporada.
- Circo dos horrores: comandados por Fleury, os blueshirts foram um
verdadeiro circo. Em um jogo contra os Sharks, Fleury partiu para a
briga contra o mascote local. Contra os Red Wings, ele partiu pra briga
contra Chris Chelios, pois, segundo ele, foi ofendido moralmente, quanto
à sua postura. Mas o mais bizarro foi contra os Islanders, quando,
após marcar um gol, ele começou a imitar uma galinha,
batendo os braços como asas e, quando Eric Cairns, do rival de
Long Island, resolveu tirar satisfação, ele foi se proteger
com Sandy McCarthy, que começou a mostrar seus bíceps,
chamando o jogador dos Islanders pra briga. Ah, sim, além da
maestria de Lindros ao desferir porradas: ele foi capaz de sofrer duas
desta maneira.
- Teimoso? Eu não sou teimoso!: A postura de Sather em não
demitir Low foi das mais estranhas. O time não tem esquema ofensivo
nem defensivo. Ganha de 6-4, 4-2. Dois shutouts em toda a temporada.
Mike Keenan, no começo da temporada, estava desempregado. Foi
contratado pelos Panthers. Em certo momento da temporada, Ken Hitchcock
e Larry Robinson também. Estranhamente -- ou nem tanto --, Low
continuou no comando. Não sei, não, mas parece que há
algo de errado nesse "relacionamento profissional".
Se fosse arrumar uma desculpa, poderia dizer que é praga dos
torcedores dos Islanders e dos Devils. Mas convenhamos: para que perder
tempo fazendo praga para um time desses?
Desculpe, Capitão Messias, mas seus soldados lembram mesmo os
do Quartel Swamp, das historinhas do Recruta Zero.
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Fabiano Pereira ouviu a Missa em honra à Santíssima Trindade e
à Sinfonia Concertante K 364 de Mozart enquanto escrevia
sua coluna e espera que o Messias, Deus e todos os anjos consertem
os Rangers. |
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CARA DE DECEPÇÃO
Eric Lindros (à esquerda) e Vladimir Malakhov (23) tomam
um ar durante a goleada sofrida em casa diante dos Leafs, sob os
olhares do técnico Ron Low, que ainda teve de ouvir a torcida
gritar "Low must go" ("Low tem de sair") em
coro (Ray Stubblebine/Reuters - 10/04/2002) |
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