Por
Alexandre Giesbrecht
Quando a menina Brittanie Cecil, de 13 anos, morreu depois de ser atingida
na cabeça por um disco de hóquei num jogo da NHL em Columbus,
Ohio, houve uma tragédia de proporções incomensuráveis.
Nos dias seguintes à morte dela na segunda, dia 18, foi iniciado
um grande debate sobre como tornar os jogos de hóquei mais seguros
para os espectadores. O que poderia ser feito?
Mesmo se você tiver apenas um pouquinho de bom senso, a resposta
é óbvia: absolutamente nada.
Discos têm voado para a arquibancada durante os 85 anos de história
da NHL, muitos a velocidades altíssimas. Brittanie é a
primeira torcedora a morrer depois de ser atingida por um.
O que aconteceu com Brittanie foi triste, trágico e terrível.
Mas foi também um aberração, algo pouco provável
de acontecer novamente. Centenas de pessoas já foram atingidas
por raios enquanto jogavam golfe, mas nunca ouvi ninguém defender
uma volta aos tacos de madeira. Mesmo assim, depois da morte de uma
garota -- e eu obviamente não quero trivializar o ocorrido, mas
não foi como se Espen Knutsen, dos Blue Jackets, tivesse chutado
uma granada de mão contra as arquibancadas e explodido toda uma
seção -- os choradores e preocupados de plantão
se mobilizaram para uma auto-proclamada patrulha de segurança
e feito todo o tipo de sugentões sem sentido. Entre elas:
- Tornar o Plexiglas mais alto. OK, mas quão alto é alto
o suficiente?
- Pendurar redes entre o topo do acrílico e o teto da arena.
Como se o disco já não fosse difícil o suficiente
de ser acompanhado pela torcida sem ter de ser visto através
da rede.
-Fazer as crianças usar capacetes. Por favor... Ei, por que não
fazer toda criança usar uma armadura o tempo todo? Você
sabe, todo cuidado é pouco.
Outros debates sobre segurança em jogos de hóquei têm
surgido. Alguns estão surpresos que mais pessoas não se
machucaram quando uma folha de Plexiglas em dez mil quebra e cai sobre
torcedores. Eu não estou surpreso, porque eu sei que o Plexiglas
usado em rinques de hóquei é feito para rachar e se quebrar
de forma não perigosa, ao invés de se quebrar em pedaços
e furar olhos, corações, cérebros etc.
Bem de vez em quando uma folha intacta de Plexiglas se solta e cai na
cabeça de alguém. Aconteceu com a esposa de Wayne Gretzky,
Janet Jones-Gretzky, na verdade, e ela está bem, muito bem.
As arenas da NHL não se transformaram em um ninho de perigo.
Na próxima vez que você for a um jogo da NHL, olhe ao seu
redor, procurando por crianças nas arquibancadas. Algumas vão,
infelizmente, morrer antes do que deviam. Mas elas não vão
morrer ao ser atingidas na cabeça por borracha vulcanizada. Talvez
elas sejam atropeladas por um motorista bêbado. Ou então
morram de câncer porque fumaram demais. Ou sucumbam de Aids depois
de fazer sexo depsrotegido. Ou tenham uma overdose de drogas. Mortes
como estas acontecem todos os dias, não a cada 85 anos.
Vamos focar nos problemas que valem a pena ser focados. Não vamos
nos preocupar com algo que obviamente foi um azar total. Se você
quiser um conselho realista sobre segurança em jogos de hóquei,
leia estas palavras: escolha com cuidado seu assento e preste atenção
ao jogo. Se você está indo com uma criança pequena,
ou se quiser passar a maior parte do jogo com um telefone celular acoplado
à orelha, ou se você simplesmente não tem reflexos
muito rápidos, não se sente nas primeiras filas acima
do Plexiglas. Fique fora da linha de fogo.
Não estou dizendo que Brittanie não estava prestando atenção
ou que ela podia ter-se desviado do disco se estivesse. Estou dizendo
que vejo várias pessoas em jogos de hóquei para quem assistir
ao jogo parece apenas uma pequena preocupação. Preste
atenção. E, se você não quer prestar atenção,
por que está lá?
A família e os amigos de Brittanie são, é logico,
os mais traumatizados pelo que aconteceu. Mas minhas condolências
vão para Knutsen também. Knutsen deu o chute que resultou
na morte de Brittanie, mas não preciso nem dizer que não
houve intenção de mandar o disco para as arquibancadas.
Agora Knutsen tem de conviver com o que aconteceu todos os dias para
o resto de sua vida. Isso vai ser um grande fardo.
A patrulha da segurança também quer tornar os jogos de
beisebol mais seguros. Mas em 125 anos de Major League Baseball apenas
cinco espectadores foram mortos por bolas rebatidas ou arremessadas.
É um número muito pequeno. A temporada de beisebol tem
muito mais jogos que a de hóquei, além de muito mais espectadores
em cada jogo. Só para ser mais segura, a lliga de beisebol poderia
usar bolas de pelúcia. Será que eles fazem discos de pelúcia?
A vida por si só já é perigosa. Há um risco
inerente em praticamente tudo o que fazemos. As pessoas às vezes
vão atrás dessas causas não pela causa em si, mas
por si mesmas. Elas o fazem para se sentir nobres, para se sentir como
se estivessem contribuindo. E acabam, na maioria das vezes, enganando
a si mesmas e levando consigo todos os demais.
Estou certo de que um processo ainda vai surgir desse caso. Afinal,
ocorreu nos Estados Unidos -- por lá sempre aparece um -- e você
não pode culpar a família de Brittanie por explorar todas
as suas opções.
Mas o hóquei em geral e a NHL em particular deveriam ser deixados
em paz nesse caso. O que aconteceu não poderia ter sido prevenido.
Não foi culpa de ninguém. Às vezes as pessoas simplesmente
morrem.
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Alexandre Giesbrecht, publicitário, estava ouvindo "Nutshell",
do Alice in Chains, quando terminou a coluna. |
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HOMENAGEM Espen Knutsen, do
Columbus Blue Jackets, usa um decalque em forma de coração
com as iniciais de Brittanie Cecil no jogo contra o Detroit Red
Wings (Chris Putman/AP) |
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HOMENAGEM O placar eletrônico
da Nationwide Arena, do Columbus Blue Jackets, faz uma homenagem
a Brittanie Cecil (Terry Gilliam/AP) |
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DESESPERO Numa imagem reproduzida
da televisão, Brittanie Cecil (de azul) leva as mãos
à cabeça ao ser atendida depois de ser atingida pelo
disco (Reprodução WSYX/WTTE Columbus) |
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HOMENAGEM O capacete do goleiro
Marc Denis, do Columbus Blue Jackets, também com o decalque
em homenagem a Brittanie (Matt Sullivan/Reuters) |
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