Por
Alexandre Giesbrecht
Há seis meses, poucos os apontavam como possíveis classificados
para os playoffs. Três meses depois, alguns citavam-nos como possíveis
surpresas na pós-temporada. Um mês depois, os Canucks eram
favoritos contra eles. Duas semanas depois, os Red Wings eram francos
favoritos contra eles. Duas semanas depois, os Sharks tinham tudo para
eliminá-los. Mais duas semanas se passaram, e o favorito agora
era o Lightning.
E aqui estamos, Copa Stanley já empunhada, vendo que a caminhada
do Calgary Flames foi impressionante, ainda que não tenha sido
o seu capitão a levantar o cobiçado troféu.
Sim, os Flames ficaram com o vice-campeonato, compreensivelmente chateados
por não ter conseguido o gol que faltou para ficarem com o título
na prorrogação do jogo 6, por não ter conseguido
o empate que levaria o jogo 7 para o tempo extra. Mas eles saem de cabeça
erguida, tendo chegado aonde ninguém imaginava que eles chegariam.
Os playoffs de 2004 terminaram em lágrimas para eles, mas também
terminaram com uma esperança que os times que cruzaram seu caminho
hoje não têm. Os Canucks ainda não sabem se contarão
com Todd Bertuzzi na próxima temporada e, se ele voltar ao elenco,
não se sabe se ele será o mesmo. Isso sem falar na interminável
polêmica no gol. Os Wings foram eliminados e já no dia
seguinte discutia-se o futuro dos veteranos jogadores que compõem
metade do plantel. Mesmo os Sharks hoje se questionam se fizeram a coisa
certa ao demitir Darryl Sutter do cargo de técnico e trocar Miikka
Kiprusoff — não por coincidência, ambos foram parar
em Calgary.
O time que ficou a uma vitória da Copa Stanley ainda é
jovem, e suas estrelas ainda estão em ascensão. Melhor
ainda: agora têm na bagagem a experiência de uma pós-temporada
longa, com dois difíceis jogos 7 no meio. Tudo isso sem três
importantes titulares (Denis Gauthier, Dean McAmmond e Matthew Lombardi),
que fizeram falta no final, quando faltou fôlego à equipe
para manter as boas atuações. Se o título não
veio agora, ele parece provável no futuro.
Além de tudo isso, mais um feito pode ser creditado à
brava equipe dos Flames: unir não apenas uma cidade, mas um país
inteiro. Os 900 mil habitantes de Calgary demonstraram seu apoio das
mais diversas maneiras, com os jornais locais reservando um bom espaço
para as loucuras da torcida pelas ruas. O Saddledome, estádio
do time, esteve lotado em todas as partidas, sempre com o seu "mar
vermelho", uma multidão de pessoas vestindo as cores do
time.
E não parou por aí. O time de Calgary virou o time do
Canadá. De uma costa a outra, só se falava nos Flames.
Mesmo em Edmonton, do outro lado da província de Alberta, cidade
que alimenta uma grande rivalidade com Calgary, especialmente no hóquei,
as diferenças foram esquecidas durante os playoffs. Diz-se que
uma igreja na cidade colocou um aviso no painel que dizia: "Jesus
dizia que devemos reservar uma prece para os nossos inimigos. Vamos
lá, Flames."
Essa é uma lição que deveríamos aprender.
Aqui no Brasil, unimo-nos em torno da Seleção em época
de Copa do Mundo, mas nunca, desde, talvez, os tempos do Santos de Pelé,
vimos uma união como a que se viu no Canadá nos últimos
dois meses. Palmeirenses torcendo pelo São Paulo? Flamenguistas
pelo Fluminense? Cruzeirenses pelo Atlético? É difícil
até imaginar.
Toda essa união não foi suficiente para levar o título
para o norte da fronteira pela primeira vez em 11 anos? Tudo bem, o
Lightning foi o melhor time e mereceu vencer. O Canadá ficou
triste, mas celebrou seus heróis. Não ficou lamentando
o título que escapou por entre os dedos. Daqui a 30 anos, ninguém
vai ficar se perguntando se o disco chutado por Martin Gelinas a sete
minutos do fim do jogo 6 entrou ou não.
É assim que tem de ser. Quem sabe nós não aprendemos
com isso?
•É uma grande idéia abrir o estádio com telões
para a torcida quando o time joga fora de casa. Eu gostaria de ter visto
esta cena: antes do jogo 5, o hino canadense não foi tocado até
o fim no St. Pete Times Forum, em Tampa. A milhares de quilômetros
dali, a torcida dos Flames que acompanhava o jogo pelos telões
instalados no Saddledome continuou a cantá-lo, a plenos pulmões.
• Com a vitória no jogo 6, o Tampa Bay estabeleceu um novo
recorde de vitórias e derrotas alternadas: 13, desde o início
da série contra os Flyers. O recorde anterior era dos Devils
de 1988. Tivesse perdido, a seqüência saltaria para 14 e
tornar-se-ia impossível de ser superada — poderia ser,
no máximo, igualada.
• O Tampa Bay também tornou-se o primeiro time desde o
Toronto de 1963-64 a conquistar o título depois de eliminar o
Montreal. Neste período, 19 times tentaram, sem sucesso, o feito.
• Eu pude acompanhar, via Internet, a cobertura dos playoffs pelo
jornal Calgary Herald. Tudo bem que o time da cidade estava indo
bem, mas, ainda assim, a extensão da cobertura era impressionante.
Algo parecido, por aqui, só vemos por aqui durante Copas do Mundo,
como bem lembrou Marcelo Constantino. Tudo isso nos fez pensar em algumas
idéias para a próxima temporada, que sempre acabam esbarrando
no tempo disponível para aplicá-las. Uma delas seria a
publicação de edições especiais depois de
cada partida das finais.
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