Por
Alexandre Giesbrecht
Os Flames se classificaram para os playoffs como sextos colocados e
chegaram às finais, surpreendendo a todos. Não, a frase
anterior não se refere aos playoffs deste ano. Ela refere-se
à temporada de 1985-86, quando o time de Calgary foi derrotado
nas finais pelo Montreal Canadiens em cinco jogos. O script se repete
agora, 18 anos depois, mas ainda não se sabe se o final será
o mesmo.
Muita coisa mudou nesse tempo. A última vez que um time canadense
chegou às finais foi em 1994, quando o Vancouver Canucks perdeu
em sete jogos para o New York Rangers, numa série emocionante.
A última vez que o Calgary tinha ganho uma série de playoffs
antes do início de abril foi em 1989, quando também levaram
o título. O panorama das finais acabou restrito aos mesmos times
de sempre, com uma ou outra zebra passeando pelo caminho. Apostar em
um dos favoritos era sempre a coisa mais previsível a se fazer.
E agora? Fazer o quê?
Esta é, sem dúvida, uma das finais mais imprevisíveis
de que se tem notícia. Os Flames chegaram como zebras, mas ficou
muito difícil apostar contra eles depois do que eles fizeram
nas fases anteriores, eliminando três campeões de divisão
(incluindo aí um que detinha o Troféu dos Presidentes),
todos com mais de cem pontos acumulados na temporada regular. Enquanto
isso, o Lightning chegou aqui com razoável facilidade, confirmando
o favoritismo no Leste, conquistado depois de terminar a temporada regular
com a melhor campanha da conferência.
Alguém pode até dizer que o cenário é o
mesmo do ano passado, mas aponto duas diferenças cruciais.
(1) Os Ducks chegaram lá graças ao goleiro Jean-Sébastien
Giguere, que estava em grande fase. Se dependessem exclusivamente do
desempenho ofensivo, possivelmente teriam ficado pelo meio do caminho.
Os Flames têm, é verdade, um goleiro de elite em Miikka
Kiprusoff, mas também têm um líder artilheiro em
Jarome Iginla, uma defesa equilibrada e outros fatores que compõem
um campeão.
(2) O adversário dos Ducks era o experiente New Jersey Devils,
acostumado à pressão dos playoffs – e das finais.
O Lightning tem um elenco bom, mas não tem vivência nos
playoffs. Martin St. Louis, artilheiro do time, disputou exatamente
seis jogos de playoffs a mais que Iginla. Mesmo o veterano Dave Andreychuk
nunca tinha antes chegado às finais.
Ou seja, apesar do favoritismo do Lightning pela posição
na tabela, as coisas parecem mais iguais do que se pode imaginar a uma
primeira vista. Cada time leva vantagem em duas categorias, com um empate.
O Lightning leva a melhor no ataque e nos times especiais; os Flames,
na defesa e no técnico. O empate se dá no gol. Se o Lightning
tem o mando de gelo, os Flames têm três dias de folga a
mais.
Tudo muito igual, tudo muito imprevisível. Uma varrida de qualquer
dos lados parece praticamente impossível. Um jogo 7 parece extremamente
provável. Aliás, para nós, do Brasil, seria muito
bom ver a série seguir até a sétima partida, já
que, dependendo das finais de conferência da liga de basquete
norte-americana, apenas os jogos 6 e 7 das finais da Copa Stanley deverão
ser transmitidos ao vivo para terras tupiniquins.
Por serem dois times sem um histórico de rivalidade, falta uma
manchete para esta espera pelo jogo 1. É verdade que, com poucos
jogos inter-conferências durante a temporada regular, é
muito difícil ver uma grande rivalidade nas finais. Mesmo assim,
no ano passado havia a briga particular dos irmãos Niedermayer.
Neste ano, até havia a possibilidade de dois irmãos se
enfrentarem nas finais, mas os Flyers de Keith Primeau e os Sharks de
seu irmão Wayne foram eliminados na fase anterior.
Sobraram histórias menores, como a da dispensa de St. Louis pelos
Flames em 2000. Mas naquele tempo a diminuta estrela do Lightning ainda
era um reles jogador de terceira ou quarta linha, que marcou apenas
18 pontos em 56 jogos, aos 24 anos. Há também a troca
que mandou Craig Conroy para Calgary e Cory Stillman para St. Louis
(a cidade), em março de 2001. Quem diria que, três anos
depois, eles se enfrentariam nas finais? Mas houve aí no meio
a troca que mandou Stillman para Tampa, o que tira um pouco do charme
da coisa.
Sem um claro protagonista, resta ao menos um grande tema coletivo, que
é a volta do hóquei ofensivo. Nenhum dos dois times chegou
aqui jogando atrás para segurar o placar. Ambos são a
síntese do hóquei voltado para o ataque – ao menos
a versão atual, ainda bem distante daquela que costumava ser
vista nos anos 80. O próprio lema do Lightning é "Safe
is death" (em português, algo como "segura, só
a morte"). Esse lema provavelmente faria com que Jacques Lemaire,
técnico do Minnesota Wild e inventor da famosa tática
da armadilha, perdesse os poucos cabelos que ainda tem.
O jogo dos finalistas é muito mais baseado no ataque que na defesa.
Ninguém descuida lá atrás, é verdade, mas
eles parecem entender que só se vence um jogo marcando gols.
Nas finais de conferência já vimos duelos parecidos, já
que tanto Sharks como Flyers jogam mais para frente do que para trás,
mas agora veremos os dois vencedores digladiando-se.
Ainda não há rivalidade no confronto, mas isso não
deve durar muito. A velocidade do Lightning contra a velocidade dos
Flames deve ser o ingrediente certo para alimentar essa rivalidade latente.
Espere por uma série longa e, possivelmente por uma grande série.
Talvez a melhor desde que o último time canadense chegou às
finais.
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Alexandre
Giesbrecht, publicitário, não pôde faltar
ao show do Motörhead em São Paulo, na semana retrasada. |
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