Por
Marcelo Constantino
O título desta matéria parece sugerir algum tipo de mágica. Porque só
isso pode explicar como um super-ataque consegue ficar dois jogos decisivos
de playoffs sem marcar gols contra o time que foi 6º colocado na conferência.
A história se repete, mas não como farsa. A frase dita no ano passado
pelo técnico dos Mighty Ducks, Mike Babcock, deve (ao menos deveria)
permear as mentes de torcedores e jogadores dos Red Wings no momento:
"Os deuses do hóquei recompensam os mais batalhadores" (uma livre tradução
de "The hockey gods reward the hardest workers"). Porque a verdade
é que o Detroit não foi um time batalhador nesses playoffs. Mais uma
vez. Ao menos não no patamar que um time deve estar quando se trata
de playoffs da NHL. Não no patamar que um time deve estar quando quer
ser campeão.
Pode-se até argumentar que o Detroit foi um time batalhador no jogo
6. De fato. Mas, convenhamos, se é pra ter um time de US$ 75 milhões
jogando de igual para igual contra um de US$ 36 milhões, qual o sentido
em manter todas aquelas grandes estrelas e ainda contratar estrelas
como Derian Hatcher e Robert Lang no meio do caminho?
Não, isso aqui não é o time dos Rangers, um remendo de peças de quebra-cabeça
que não se encaixam e que custam o triplo do preço de mercado. Isso
aqui é o Detroit Red Wings, time que joga fino por música durante a
temporada regular e que dá pane quando chega os playoffs. É assim. Difícil
mesmo é aceitar.
Não adianta ser guerreiro por um jogo apenas, ou por dois. Ou por três.
Playoffs da NHL requerem clima de guerra durante dois intensos meses.
Sem batalhar como deveriam -- e sem fazer gols! --, os Wings calcaram-se
no talento. A disposição, luta e vontade dos Flames superaram esse talento.
Convenhamos, não há outra explicação.
Lá no fundo, todo torcedor dos Red Wings tinha um pressentimento do
que aconteceu na noite de segunda-feira, o dia do jogo 6 da série. Era
como se todos pensassem: "Hmmm, mas esse time vai mesmo conseguir superar
os Flames?"
Não que o Calgary seja um timaço, verdadeiro monstro a ser batido, não
é. É sim, um time extremamente batalhador, que nunca desiste, e que
joga cada partida como se fosse a partida de sua vida. Somente aí já
dá uma diferença brutal.
O que todo torcedor do Detroit na verdade tinha para o jogo 6 era uma
esperança: "Ah, hoje eles vão desencantar e jogar como os verdadeiros
Red Wings!" Pois é, a última vez que vimos isso acontecer em playoffs
("Red Wings desencantar") já tem dois anos, foi na série contra os Canucks
em 2002.
Verdade seja dita, com exceção do estranho jogo 2 desta série, os Wings
desses playoffs foram idênticos aos Wings de 2003. A diferença é que
nem Vokoun nem Kiprusoff estiveram iluminados como estava Jean-Sébastien
Giguere no ano passado. E olha que os goleiros de Nashville e Calgary
(principalmente) estiveram muito bem.
Como também esteve muito bem Curtis Joseph, eterno injustiçado quando
se fala em playoffs em Detroit. Parabéns, CuJo, sua história ao longo
desta temporada é um exemplo de conduta pessoal e profissional. Por
muitos injustamente culpado pela desclassificação do time em 2003, Joseph
salvou o time por diversas vezes nos jogos 5 e 6 e não foi culpado por
derrota alguma. Mas, como de maneira bem óbvia lembrou o próprio técnico
Dave Lewis após a eliminação, "Curtis não pode fazer gols".
Fazer gols também não é exatamente a tarefa de Kirk Maltby e Kris Draper,
que mais uma vez saem incólumes de mais um desastre. Nos dois últimos
jogos, já no desespero, parecia que a torcida (e o próprio Lewis) esperava
que eles "salvassem" o time. Era bem possível, juntos dispararam nove
vezes ao gol de Kiprussof no jogo 6 e levaram perigo por várias vezes.
Ué, mas não é esse time que tem Brett Hull, Brendan Shanahan, Pavel
Datsyuk, Robert Lang e Henrik Zetterberg? E até mesmo Nicklas Lidstrom
e Mathieu Schneider, defensores que sabem muito bem jogar ofensivamente?
Não que eles tenham jogado mal, mas trata-se de um arsenal e tanto para
um ataque de qualquer time, não é?
Aliás, pouco importa quem esteve bem e quem esteve mal, não há culpados
individuais, vamos considerar o time como um todo. É absolutamente inaceitável
que este time tenha sido eliminado pelo Calgary Flames, ainda mais sem
ter marcado um gol sequer nos últimos dois jogos. Inaceitável e imperdoável.
Indesculpável. Vergonhoso, e isso sem qualquer desmerecimento aos bravíssimos
Flames.
Não tem essa de contusão do capitão Steve Yzerman, de Chris Chelios,
e ainda de Robert Lang e Brett Hull. Boa parte da defesa dos Flames,
composta por nomes que sequer fariam parte da segunda linha de defesa
dos Red Wings (em tese, claro) estava contundida também. E os reservas
foram suficientes para parar o supostamente poderoso ataque do Detroit.
Indesculpável.
É o fim de uma era no hóquei, provavelmente. Certamente é um fim de
uma era em Detroit. Nada de dinastia, foram três títulos que de fato
trouxeram uma alegria incomensurável a uma torcida que praticamente
desconhecia o que era vencer uma Copa Stanley. Ano após ano, durante
uma década, foi um time que esteve sempre entre os favoritos ao título.
Agora acabou. A perspectiva futura para a NHL é sombria e mais sombria
ainda é a perspectiva quanto ao elenco estelar dos Red Wings. Não que
vá ocorrer um desmonte, apenas o time não terá mais todo esse arsenal.
Quem sabe isso até não torna o time mais batalhador nos playoffs?
Depoimento pessoal -- Eu sou torcedor do Detroit Red Wings e acompanho
as temporadas do time desde 1996. As conquistas de 1997, 1998 e 2002
foram inegavelmente grandes momentos, indeléveis. Foram grandes
times que mereceram vencer. Times que proporcionaram séries épicas,
como as finais de conferência contra os Avs em 1997 (para mim, o auge
dos Red Wings na década) e 2002 e jogos absolutamente inesquecíveis,
como o bloodbath
e o jogo 2 das finais da Copa Stanley de 1998, contra os Capitals.
Esses momentos foram intercalados com outros de absoluta decepção. Em
1999, depois de abrir 2-0 na série contra os Avs, foram derrotados quatro
vezes seguidas e eliminados. Tudo bem, vá lá, afinal era o Colorado
Avalanche. Em 2000 os Avs eram superiores mesmo. Em 2001, um repeteco
de 99, dessa vez frente aos Kings. Decepção colossal, tal qual as que
ocorreram agora e no ano passado. Três vezes em quatro anos.
Até pelo time que tem, o Detroit Red Wings foi assim nos playoffs durante
essa década. Ou foi campeão, ou foi uma baita decepção.
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Marcelo
Constantino ficou acordado até às 2:30 da madrugada
para ouvir o gol da vitória de Martin Gelinas na prorrogação
do jogo 6. |
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O FIM Craig Conroy comemora
o gol marcado por Martin Gelinas na prorrogação do
jogo 6, enquanto Curtis Joseph e Derian Hatcher sofrem com a eliminação
(Jeff McIntosh/AP - 03/05/2004) |
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