Por
Alexandre Giesbrecht
Como se já não fosse difícil o suficiente ser goleiro.
Afinal, quem quer ficar na frente de balas de borracha duras como pedra,
tentando pará-las com partes do seu corpo (geralmente) protegidas?
Não é fácil, mesmo. Mas aí escalam o goleiro
para jogar ao ar livre, à noite, sob uma temperatura de -20ºC.
É ou não é tortura? Se o rinque de hóquei
tivesse grama, certamente ela não cresceria na área do
goleiro, tal qual no futebol.
O primeiro jogo ao ar livre da história da NHL marcou um duelo
de goleiros no Commonwealth Stadium, em Edmonton, norte do estado de
Alberta. José Théodore, do Montreal, e Ty Conklin, do
Edmonton, tiveram problemas com a temperatura, que congelava seu equipamento,
mas foram os detaques da partida. Especialmente Théodore, que
parou 34 dos 37 discos disparados contra ele, garantindo a vitória
dos Canadiens por 4-3.
Pouco depois do fim da partida, o Hall da Fama já estava atrás
de Théodore. Não por algum recorde batido no jogo, mas
para guardar o gorro que ele usou como capacete (ver foto na capa
desta edição). O Hall também queria o taco
que Richard Zednik, também do Montreal, usou para marcar o primeiro
gol ao ar livre da história da NHL, tarefa não muito simples,
já que a maioria dos jogadores trocou diversas vezes de tacos,
devido ao congelamento dos mesmos. A última peça de equipamento
do jogo que deverá ser exposta em Toronto é a balaclava
que Yanic Perreault usou durante o jogo.
Não que fosse exatamente uma novidade. 50 anos atrás,
russos e tchecos já protagonizavam verdadeiras batalhas no gelo
em estádios construídos originalmente para abrigar jogos
de futebol. Mas para a NHL foi uma grande celebração,
que deu o resultado (financeiro) esperado.
Quase uma festa, o jogo, que valeu normalmente pela temporada regular,
contou também com um confronto entre os times de masters de Oilers
e Canadiens. Mark Messier recebeu autorização especial
do New York Rangers para reunir-se com Wayne Gretzky e outros ícones
da história do Edmonton. Pelo lado dos Candiens, Guy Lafleur,
Larry Robinson, Claude Lemieux e outros. Ao contrário da principal
partida da noite, nessa a vitória ficou com os Oilers: 2-0, gols
de Ken Linesman e Marty McSorley.
O jogo de veteranos serviu também para testar as condições
do gelo como havia a possibilidade de o jogo principal não
se realizar, a emissora canadense CBC tinha até um "jogo-contingente",
do Ottawa em Pittsburgh, para transmitir no lugar. Chegou-se à
conclusão de que, apesar da neve que se acumulava, a limpeza
feita a cada parada era suficiente para garantir a segurança
dos jogadores. Mesmo assim, o confronto central foi adiado por cerca
de 20 minutos, para adicionais medidas de tratamento do gelo, mais quebradiço
que o normal, por causa da baixa temperatura (de -18,59ºC no primeiro
cair do disco).
Isso, claro, não impediu reclamações de ambos os
lados. Saku Koivu disse que "o gelo estava ruim, especialmente
no aquecimento, até o ponto que se tornou um perigo para os jogadores".
Ele ainda adicionou: "Chutar ou dominar o disco era um problema.
Foi uma preocupação que tivemos, mas era a mesma coisa
para ambos os times." Ainda assim, ele confessou que "foi
bem divertido, e a atmosfera estava muito boa".
"Não se viu o mesmo jogo que você teria visto no [Rexall
Place, o novo nome do estádio dos Oilers]", observou o zagueiro
Sheldon Souray, do Montreal. "Todos nós tivemos de colocar
roupa de bauxo extra, todos nós tivemos de nos preparar de forma
diferente e todos nós tivemos de jogar sobre um gelo que não
estava ideal. Mas ambos os times apareceram para uma grande experiência."
Experiência é a palavra certa. Ou alguém se lembra
de outro jogo em que havia canja sendo servida no banco dos Canadiens?
Ou um jogo em que os bancos eram especialmente aquecidos, o que levava
Théodore a dar uma passada por lá a cada parada do disco?
Ou a imagem de um goleiro que conseguia, literalmente, ver a sua própria
respiração?
Mas não imagine que a torcida não sofreu junto. A grande
maioria das 57.167 renas de nariz vermelho nas arquibancadas estava
debaixo de cobertores, muitos cobrindo mais de uma pessoa. No fim do
segundo período, quando muitos já estavam à mercê
das intempéries havia mais de seis horas, o telão mostrou
a previsão do tempo. Quando foi anunciado que uma massa de ar
quente chegaria à cidade no dia seguinte, elevando as temperaturas
para -1ºC, ouviu-se gargalhadas.
As preocupações com movimentações de massas
e vento não eram exclusivas da torcida. Ainda no hotel, antes
da partida, Patrice Brisebois perguntava-se: "O que vamos fazer
lá fora se começar a ventar? Estou no lobby do hotel e
ainda assim está frio."
"Causos", curiosidades e declarações pitorescas
à parte, no fim das contas a partida continuava sendo uma partida
normal da NHL dos tempos atuais. Depois de assistir aos Oilers de Gretzky
contra os Canadiens de Lafleur, possivelmente o Commonwealth Stadium
conseguiu reunir mais de 50 mil bocejos concomitantes quando, no meio
do terceiro período, Mike York tentava ganhar velocidade na zona
neutra, apenas para ver seu caminho bloqueado por não três
ou quatro, mas cinco jogadores dos Canadiens fazendo uma imitação
de Muro de Berlim misturado com Corredor Polonês.
Independentemente de tudo isso, para os Oilers sobraram mais de US$
1 milhão em lucro, o que pode implicar em outros eventos como
o do último sábado. Koivu é contrário à
idéia: "Talvez se você fizer isso muitas vezes não
será a mesma coisa."
|
Alexandre
Giesbrecht, 27 anos, acaba de voltar de Macaé, RJ,
onde encontrou os também colunistas de The Slot BR Eduardo
Costa e Marcelo Constantino. |
|
|
|
|
FORMIGUINHAS O rinque, que
sempre parece tão grande nos estádios fechados, parece
tão pequenininho (Dan Riedlhuber/Reuters - 23/11/2003) |
|
|
|
|
|
TRABALHO DURO Tudo bem que
a vida de Mark Messier nos Rangers não é fácil,
mas isso é ridículo (Larry Wong/Edmonton Journal -
23/11/2003) |
|
|
|
|
|
MAIS DE TRÊS VEZES O NORMAL
Darren Langdon e Steve Staios brigam pelo disco, sob os olhares
atentos de 60 mil pessoas, mais de três vezes o maior público
dos Oilers na temporada (Mike Blake/Reuters - 23/11/2003) |
|
|
|
|
|
ROJÃO DE GELO Mark
Napier ajuda a limpar o gelo durante a partida dos veteranos (Mike
Blake/Reuters - 23/11/2003) |
|