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28 de novembro de 2003
Hóquei sobre e sob o gelo

Por Alexandre Giesbrecht

Como se já não fosse difícil o suficiente ser goleiro.

Afinal, quem quer ficar na frente de balas de borracha duras como pedra, tentando pará-las com partes do seu corpo (geralmente) protegidas?

Não é fácil, mesmo. Mas aí escalam o goleiro para jogar ao ar livre, à noite, sob uma temperatura de -20ºC. É ou não é tortura? Se o rinque de hóquei tivesse grama, certamente ela não cresceria na área do goleiro, tal qual no futebol.

O primeiro jogo ao ar livre da história da NHL marcou um duelo de goleiros no Commonwealth Stadium, em Edmonton, norte do estado de Alberta. José Théodore, do Montreal, e Ty Conklin, do Edmonton, tiveram problemas com a temperatura, que congelava seu equipamento, mas foram os detaques da partida. Especialmente Théodore, que parou 34 dos 37 discos disparados contra ele, garantindo a vitória dos Canadiens por 4-3.

Pouco depois do fim da partida, o Hall da Fama já estava atrás de Théodore. Não por algum recorde batido no jogo, mas para guardar o gorro que ele usou como capacete (ver foto na capa desta edição). O Hall também queria o taco que Richard Zednik, também do Montreal, usou para marcar o primeiro gol ao ar livre da história da NHL, tarefa não muito simples, já que a maioria dos jogadores trocou diversas vezes de tacos, devido ao congelamento dos mesmos. A última peça de equipamento do jogo que deverá ser exposta em Toronto é a balaclava que Yanic Perreault usou durante o jogo.

Não que fosse exatamente uma novidade. 50 anos atrás, russos e tchecos já protagonizavam verdadeiras batalhas no gelo em estádios construídos originalmente para abrigar jogos de futebol. Mas para a NHL foi uma grande celebração, que deu o resultado (financeiro) esperado.

Quase uma festa, o jogo, que valeu normalmente pela temporada regular, contou também com um confronto entre os times de masters de Oilers e Canadiens. Mark Messier recebeu autorização especial do New York Rangers para reunir-se com Wayne Gretzky e outros ícones da história do Edmonton. Pelo lado dos Candiens, Guy Lafleur, Larry Robinson, Claude Lemieux e outros. Ao contrário da principal partida da noite, nessa a vitória ficou com os Oilers: 2-0, gols de Ken Linesman e Marty McSorley.

O jogo de veteranos serviu também para testar as condições do gelo — como havia a possibilidade de o jogo principal não se realizar, a emissora canadense CBC tinha até um "jogo-contingente", do Ottawa em Pittsburgh, para transmitir no lugar. Chegou-se à conclusão de que, apesar da neve que se acumulava, a limpeza feita a cada parada era suficiente para garantir a segurança dos jogadores. Mesmo assim, o confronto central foi adiado por cerca de 20 minutos, para adicionais medidas de tratamento do gelo, mais quebradiço que o normal, por causa da baixa temperatura (de -18,59ºC no primeiro cair do disco).

Isso, claro, não impediu reclamações de ambos os lados. Saku Koivu disse que "o gelo estava ruim, especialmente no aquecimento, até o ponto que se tornou um perigo para os jogadores". Ele ainda adicionou: "Chutar ou dominar o disco era um problema. Foi uma preocupação que tivemos, mas era a mesma coisa para ambos os times." Ainda assim, ele confessou que "foi bem divertido, e a atmosfera estava muito boa".

"Não se viu o mesmo jogo que você teria visto no [Rexall Place, o novo nome do estádio dos Oilers]", observou o zagueiro Sheldon Souray, do Montreal. "Todos nós tivemos de colocar roupa de bauxo extra, todos nós tivemos de nos preparar de forma diferente e todos nós tivemos de jogar sobre um gelo que não estava ideal. Mas ambos os times apareceram para uma grande experiência."

Experiência é a palavra certa. Ou alguém se lembra de outro jogo em que havia canja sendo servida no banco dos Canadiens? Ou um jogo em que os bancos eram especialmente aquecidos, o que levava Théodore a dar uma passada por lá a cada parada do disco? Ou a imagem de um goleiro que conseguia, literalmente, ver a sua própria respiração?

Mas não imagine que a torcida não sofreu junto. A grande maioria das 57.167 renas de nariz vermelho nas arquibancadas estava debaixo de cobertores, muitos cobrindo mais de uma pessoa. No fim do segundo período, quando muitos já estavam à mercê das intempéries havia mais de seis horas, o telão mostrou a previsão do tempo. Quando foi anunciado que uma massa de ar quente chegaria à cidade no dia seguinte, elevando as temperaturas para -1ºC, ouviu-se gargalhadas.

As preocupações com movimentações de massas e vento não eram exclusivas da torcida. Ainda no hotel, antes da partida, Patrice Brisebois perguntava-se: "O que vamos fazer lá fora se começar a ventar? Estou no lobby do hotel e ainda assim está frio."

"Causos", curiosidades e declarações pitorescas à parte, no fim das contas a partida continuava sendo uma partida normal da NHL dos tempos atuais. Depois de assistir aos Oilers de Gretzky contra os Canadiens de Lafleur, possivelmente o Commonwealth Stadium conseguiu reunir mais de 50 mil bocejos concomitantes quando, no meio do terceiro período, Mike York tentava ganhar velocidade na zona neutra, apenas para ver seu caminho bloqueado por não três ou quatro, mas cinco jogadores dos Canadiens fazendo uma imitação de Muro de Berlim misturado com Corredor Polonês.

Independentemente de tudo isso, para os Oilers sobraram mais de US$ 1 milhão em lucro, o que pode implicar em outros eventos como o do último sábado. Koivu é contrário à idéia: "Talvez se você fizer isso muitas vezes não será a mesma coisa."

Alexandre Giesbrecht, 27 anos, acaba de voltar de Macaé, RJ, onde encontrou os também colunistas de The Slot BR Eduardo Costa e Marcelo Constantino.
 
  FORMIGUINHAS O rinque, que sempre parece tão grande nos estádios fechados, parece tão pequenininho (Dan Riedlhuber/Reuters - 23/11/2003)
   
 
  TRABALHO DURO Tudo bem que a vida de Mark Messier nos Rangers não é fácil, mas isso é ridículo (Larry Wong/Edmonton Journal - 23/11/2003)
   
 
  MAIS DE TRÊS VEZES O NORMAL Darren Langdon e Steve Staios brigam pelo disco, sob os olhares atentos de 60 mil pessoas, mais de três vezes o maior público dos Oilers na temporada (Mike Blake/Reuters - 23/11/2003)
   
 
  ROJÃO DE GELO Mark Napier ajuda a limpar o gelo durante a partida dos veteranos (Mike Blake/Reuters - 23/11/2003)

 

 

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Página publicada em 26 de novembro de 2003.